domingo, 28 de fevereiro de 2021

Giant Little Ones(Canadá, 2018)


O subgênero, coming of age, que são filmes sobre crescimento e amadurecimento, como Com Amor, Simon e Lady Bird, vêm cada vez mais revelando ótimas obras ao redor do mundo. E nessa linha de descoberta, que o longa canadense, de Keith Behrman, acontece.


Franky, interpretado pelo ótimo Josh Wiggins, é um adolescente que vive com a irmã, a mãe Carly, Maria Bello, e não aceita a homossexualidade de seu pai Ray, Kylie McLachlan, de Veludo Azul e Twin Peaks, com quem mantém pouco contato e hostiliza.

Acompanhado do inseparável melhor amigo, Ballas(Darren Mann), Franky vandaliza, se embebeda e curte a adolescência sem medir muito as consequências. No seu aniversário de 17 anos, os dois ficam tão bêbados que algo acontece debaixo das cobertas. Assustado, Ballas foge.

No dia seguinte, Ballas espalha para a escola inteira que Franky é gay, e esse sem entender a atitude do ‘amigo’ passa a sofrer homofobia, é excluído do time de natação, perde a namorada, mas sem envolve com Natasha(Taylor Hickson), justamente a irmã de Ballas.

As experiências longe da má influência, do até então amigo, o levam a compreender seu pai e perceber que também estava tendo um comportamento homofóbico. Com os olhos abertos, ele agora pode enxergar o mundo com muito mais naturalidade, incluindo uma amiga lésbica que usa um pênis falso.

Com um grande roteiro, e uma direção apurada que constrói o clima com uma trilha atmosférica, Giant Little Ones foge dos clichês e é mais um lindo filme sobre descoberta, crescimento e saber o seu verdadeiro lugar no mundo.


sábado, 27 de fevereiro de 2021

E Então nós dançamos(And then we danced, Georgia/Suécia, 2019)


A Geórgia é um remoto país europeu, do qual pouco ouvimos falar. De lá vem a dança georgiana, que imprime força e masculinidade e que, de início, nos causa certa estranheza, tal qual E Então nós dançamos, filme do diretor sueco Levan Akin, indicado à Palma de Ouro, em Cannes.


Merab(Levan Gelbahhiani) é um bailarino, da National Georgian Enemble, que mora em um apartamento com a família em Tbisili. A chegada de um novo dançarino à companhia, Irakli(Bachi Valihvili), irá lhe causar inveja, mas que logo se transforma numa profunda atração. O homoerotismo do vestiário dos bailarinos é proporcionado pela bela fotografia de Lisa Fridell, que capta poesia em pequenos gestos e traduz uma cultura tão diferente da nossa, em lindas imagens. As cenas ao som de Take a chance on me, do Abba, ou Honey, da Robyn, são belíssimas. Aos poucos Merab e Irakli acabam se aproximando e se tornam amigos. A tensão sexual explode quando ao dividir um cigarro, os dois se masturbam juntos. Parece que um novo mundo de possibilidades se abre diante do protagonista. E Então nós dançamos é um filme poderoso, imersivo e cheio de detalhes, como numa cena em que o personagem tira todos os pôsters da parede mas mantém o de A Viagem de Chihiro. Assim como em Billly Elliot, o que prevalece é o esplendor da dança, ainda que também haja espaço para debater a homofobia. Tratando de uma temática universal sob uma ótica georgiana, o longa é sobre encontrar seu lugar no mundo e descobrir quem realmente é. Cheio de angústia, paixão e sensualidade o filme transborda intensidade e muito disso se deve ao ator Levan Gelbahhian, premiado no Festival de Sarajevo, por sua performance.


sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Aqueles Dois(Brasil, 1985)


Baseado no conto homônimo de Caio Fernando Abreu, parte do livro Morangos Mofados, Aqueles Dois, de Sérgio Amon, é um marco, tanto na cinematografia nacional quanto gaúcha. Ambientado na Porto Alegre, dos anos 1980, o filme narra a amizade entre dois colegas de repartição pública, Saul(Pedro Wayne) e Raul(Beto Ruas)

Desiludidos com seus relacionamentos, ambos estão solteiros, e começam uma bonita relação em uma conversa sobre Psicose de Hitchcock. A partir de então, passam muito tempo juntos, pois são ‘tri’ parecidos e adoram Dalva de Oliveira e os clássicos boleros ouvidos por Raul, como Tu me acostumbraste, La Barca e Sabor a mi.

O lindo texto de Caio Fernando Abreu, a direção precisa, a estética de anos 1980, fazem com que a obra seja um manifesto LGBTQIA+ em uma época tão delicada para a comunidade. A relação afetiva entre dois homens é explorada com uma sutil tensão sexual, sem falar em temas como a solidão das grandes cidades e a intolerância.

Com a capital gaúcha como pano de fundo, a fotografia de César Charlone, registra imagens expressivas e cheias de ternura, e valoriza pontos conhecidos da cidade como o Parque da Redenção, o Viaduto da Borges de Medeiros, o Rio Guaíba ou o cinema Capitólio, recentemente restaurado, onde o personagem vai assistir Laranja Mecânica.

Aqueles dois estão completamente envolvidos e começam a ser falados no trabalho. Clara(Suzana Saldanha), com quem Raul mantinha sexo casual, está devastada e é a primeira a espalhar o boato gerando homofobia no ambiente. Embora sintam um carinho imenso um pelo outro, um romance ainda não aconteceu, e eles não se importam com o falatório.

O sotaque gaúcho garante à obra um charme único, afinal um filme fora do eixo Rio-SP, foi  representado no Gay and Lesbian Film Festival San Francisco, em 1987, e levou expressões como “tchê”, “tri” e”bah”, mundo afora.

Aqueles Dois é um filme sobre a condição humana, tão lindo que transborda a arte de Caio Fernando Abreu. O diretor soube utilizar as sugestões e sutilezas do conto, para criar um clima intimista, atmosférico e de desencanto, cheio de referências, que passam por Barbra Streisseind, Carlos Gardel e Lupicínio Rodrigues. Vale ressaltar uma belíssima cena de dança embriagada, que sintetiza um pouco a alma do filme.



quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Boy Erased: Uma Verdade Anulada(Boy Erased, EUA, 2018)

Instituições como o AA e o NA prestam um serviço de reuniões e 12 passos, que são realmente eficientes. Mas a dependência química é uma doença, incurável por sinal, mas tratável. Muito diferente da homossexualidade, que não tem cura, pois não é uma doença.

Jared, Lucas Hedges de Lady Bird, é um jovem de 18 anos, filho do pastor Marshall, interpretado por Russell Crowe e Nancy, a ótima Nicole Kidman. Atormentado pelas ideias retrógradas do pai, pelas palavras da bíblia e pelos sermões, ele aceita frequentar um programa de “adequação sexual”. No comando deste programa está Victor Sykes, interpretado pelo também diretor do filme Joel Edgerton. A “terapia”, permitida até hoje em 36 estados americanos, consiste em mudar o comportamento e os instintos de jovens associando homossexualidade à promiscuidade, abuso e AIDS, em reuniões e palestras e implantando o "inventário moral", técnica do AA. Narrado pelo protagonista, o filme é baseado no livro Boy Erased: A Memoir, de Garrad Conley. Lutando contra a própria natureza, Jared se submete aos opressores tratamentos em busca da aceitação  dos pais. No caminho, conhece Joe e Gary, interpretados pelos gays multifacetados Xavier Dolan e Troye Sivan.


A ignorância, a falta de informação, a crença desenfreada, faz com que Jared, um garoto tão talentoso para escrever entrando para a faculdade, passe a começar a apagar sua verdadeira personalidade, embora não consiga resistir aos instintos.

Lucas Hedges tem momentos realmente brilhantes ao lado de Russell Crowe e Nicole Kidman, com diálogos cheios de camadas que reforçam suas verdadeiras vontades, sempre com ternura e uma excessiva preocupação do pai.

O filme é um triste retrato sobre conservadorismo e homofobia entre a comunidade religiosa. O tema da "cura gay" e da religião já foi abordado em obras como Orações para Bobby e Eu sou Michael, mas aqui, o diretor vai mais fundo, denunciando lugares de lavagem cerebral, que mais parecem clínicas compulsórias e que ainda são permitidos, na América, em plenos tempos de Orgulho LGBTQIA+


quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

A Caixa de Pandora(Stage Mother, Canadá, 2020)


Quando Ricky(Eldon Thiele) está se preparando para entrar no palco como a Drag, Rickie Pedia, cheira umas carreiras, toma alguns goles, uns comprimidos e quando sobe ao palco de sua boate, Pandora’s Box, apresentada por Dusty(Jackie Beat), a queen cai morta. Este é o ponto de partida do longa, dirigido por Thom Fitzgerald e com roteiro de Brad Henning.

No Texas vivem os pais de Ricky, Maybelline(Jackie Weaver) e Jeb MetCaf(Hugh Thompson), de quem o filho se afastou há 20 anos por falta de aceitação. Quando a mãe, diretora de um coral, recebe a notícia da morte do filho fica devastada, e parte à San Francisco rumo ao funeral.

Ao chegar na cerimônia se depara com um show de drags, e meio que sem reação, acaba saindo de fininho. Em seguida tem um encontro, não muito amigável, com Nathan(Adrien Grenier), seu genro, que lhe conta que ela herdou uma boate gay, e acaba sendo acolhida pela amiga, asiática com um bebê, Sienna, interpretada por Lucy Liu


Na cidade mais gay do mundo, Maybelline decide conhecer um pouco mais sobre o universo de seu filho, e assim, de certa forma recuperar o tempo perdido. Na boate ela encontra Cherry, Mia Taylor de Tangerina, Tequila(Oscar Moreno) e Joan(Allister MacDonald). Para tirar o bar do buraco, decide então usar sua experiência como diretora vocal, para preparar um show, já que a mãe Drag e diretora artística, Dusty está afastada após uma briga.

Com muita peruca, brilho, paetê e cílios postiços, o filme presta uma homenagem à cultura Drag e nos apresenta ótimos números musicais evocando Priscilla a Rainha do Deserto, numa versão do clássico Finally de CeCe Peniston, interpretado ao piano.

Ao som de Take your mama, da banda queer Scissor Sisters, acompanhamos as mudanças, movimentos e novidades na vida dos personagens, que com todo o alto astral da matriarca, trazem ao filme uma mensagem de otimismo e positividade. A trilha conta ainda, com o clássico Total Eclipse of the Heart, de Bonnie Tyler e Do You Wanna Touch me, de Joan Jett.

Por mais que o roteiro possa não parecer crível, e tenha lá seus buracos, A Caixa de Pandora traz uma mensagem bonita. Maybelline foi uma mulher submissa toda vida ao marido e que devido à falsa moral, acabou perdendo anos preciosos com o filho, o que ela tenta compensar acolhendo todos os seus amigos, ajudando Cherry com sua transexualidade, Joan com as drogas e Tequila, com sua mãe, sem falar de Sienna, e o bebê.

Após levantar a Pandora’s Box, com shows extremamente empoderados, Maybelline está pronta para voltar à sua vida. Mas o que experimentou em San Francisco, onde conheceu inclusive um crush, se tornou uma experiência única e a transformou numa pessoa muito mais humana ao descobrir que tudo o que o filho queria, era ser um espelho dela mesma.


terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

O Anjo(El Angel, Argentina/ Espanha, 2018)


Baseado na biografia de Carlos Robledo Puch, o anjo assassino da Buenos Aires, dos anos 1970, o filme de Luis Ortega, tem produção dos irmãos Almodóvar, e muito flerta com o universo do cineasta espanhol, além de ter toques de Tarantino e do longa Plata Quemada.


Carlitos, interpretado brilhantemente pelo estreante Lorenzo Ferro, é um ladrão de nascimento, que passa assaltando casas e roubando objetos alheios. Atraído pelo perigo ele acaba se envolvendo com Ramón, Chino Darín(filho do grande Ricardo Darín), aluno da mesma escola que também acaba se envolvendo nos mesmos problemas.

Ramón tem uma família disfuncional, com seu pai, um ladrão profissional e viciado, José (Daniel Fanego) e a mãe fogosa Ana María(Mercedes Morán). Quando armam um assalto à uma loja de armas, Carlitos surpreende a todos por sua audácia, e isso marca uma jornada no mundo do crime, ao mesmo tempo que se vê cada vez mais atraído por Ramón.

Escolhida a dedo para interpretar Aurora, a
mãe de Carlitos, Cecília Roth, de Tudo sobre minha mãe e Os Amantes Passageiros, evoca a chica Almodóvar e vive uma personagem sofrida, mas que conta sempre com o amor e a ternura do filho, por mais que esse se faça ausente, e enfrenta dilemas como denunciá-lo, ou não.

Carlitos coloca brincos, diz que prefere os meninos enquanto sofre ao ver Ramón se prostituindo com um cliente rico. Com o sonho de ser famoso, Ramón vai à TV, e no maior clima de jovem-guarda apresenta a canção Corazón Contento, num dos momentos esteticamente mais lindos e poéticos do filme.

Usando de muita licença poética para contar a vida do criminoso, Luis Ortega nos oferece uma obra imersiva, onde a fantástica trilha sonora faz parte da narrativa com clássicos da música latino-americana, como Pappo’s Blues, Palito Ortega, La Joven Guardia, Johny Tedesco e Astor Piazzola.

O mundo do crime leva Carlitos à cometer vários assassinatos, enquanto a relação com Ramón, cada vez mais intensa, fica apenas subentendida. Parece que o verdadeiro prazer do protagonista é realmente cometer crimes e sentir a adrenalina do perigo.

O Anjo, que foi exibido na mostra A Certain Reggard, no Festival de Cannes, em 2018, é um thriller gay surpreendente, colorido e criativo. Mais um grande acerto do cinema argentino, sobre um instigante personagem da vida real, que através de todo o carisma angelical do ator, nos cativa e nos arrebata.


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Memórias de um Amor(Supernova,Reino Unido/Irlanda, 2020)


Colin Firth, ganhador do Oscar por O Discurso do Rei e indicado por O Direito de Amar, onde também interpreta um homossexual, e Stanley Tucci, indicado por Longe do Paraíso, protagonizam esse drama, onde como numa Supernova, uma explosão do estágio máximo evolutivo de uma estrela, eles transbordam na entrega de suas atuações.

No filme, dirigido e escrito, por Harry MacQueen, os consagrados atores interpretam Sam e Tusker, um casal junto há 30 anos. Sam(Firth), é um renomado pianista britânico e Tusker(Tucci), um escritor americano, que acaba de começar a sentir os primeiros sintomas de Alzheimer ou demência, o que o roteiro não deixa totalmente claro.

Os atores têm uma química fantástica, que funciona muito bem nas discussões sobre vida, amor e morte. Com a possibilidade de uma despedida, eles embarcam em uma viagem pelo interior da Inglaterra, em um motor home, junto do cachorro, até à casa da família.


Com cenas lindas e poéticas, como olhar para as estrelas ou dividir a mesma cama, o filme nos entrega uma reflexão dolorida sobre até onde vai o amor. Embora interajam com outros personagens, o longa é segurado pela dupla de protagonistas e seus diálogos e momentos, profundos e intensos.

Sam não aceita a morte iminente de seu parceiro, não consegue dar adeus. Enquanto Tusker, não quer se sentir dependente de ninguém, e coloca temas delicados em questão. Ao ler uma carta comovente escrita por Tusker para toda à família, Colin Firth nos presenteia com um dos melhores momentos do filme.

Através de belas paisagens inglesas, a Supernova, que aqui simboliza a morte vai aparecendo, seja em sequências melancólicas ou em diálogos complexos, que trazem uma acidez e até um certo refinado humor ao texto. 


Lindo, Memórias de um Amor, é uma belíssima e triste história de amor com atuações sublimes e profundas. Um filme para se envolver, comover e se emocionar. Prepare a caixa de lencinhos!



domingo, 21 de fevereiro de 2021

A Perfectly Normal Family(En helt almindelig familie, Dinamarca, 2020)


A atriz e cineasta dinamarquesa, Malou Reyman, apresentou no Festival de Roterdã, em 2020, seu primeiro longa-metragem, A Perfectly Normal Family, baseado nas próprias memórias e na experiência de ter um pai transgênero.

Thomas, interpretada com tal delicadeza e respeito por Mikkel Boe Følsgaard, anuncia para as filhas, Emma(Kaya Toft Loholy), de 11 anos, e Caroline(Rigmor Renthe), de 14, por intermédio da esposa Helle(Neel Ronholt), a decisão e de assumir sua transexualidade e fazer uma redesignação de sexo, na Tailândia. 

Tendo o domínio do assunto Reymann, demonstra ser uma diretora eficaz, capaz de contar uma história simples mas comovente, conseguindo interpretações magníficas, e se sobressaindo em sua estreia, sobretudo por trabalhar, brilhantemente, com uma criança.

Após a viajem, Thomas, que agora é Agnette passa a reconstruir sua relação com as filhas, da maneira mais bonita, sensível e feminina possível, embora Emma relute em aceitar a identidade de gênero de sua progenitora, Caroline acha tudo muito natural e adora a ideia de poder ir à manicure, com a agora, nova mãe.


Emma, se interessa por futebol, Caroline nas coreografias de Britney Spears e Agnette em ser a melhor versão de si mesma. A personagem é muito humana e cheia de nuances, no entanto sua sexualidade fica subentendida.


A Perfectly Normal Family, nos apresenta uma revelação repentina e discute novos formatos da instituição familiar. Agnette mantém uma relação completamente saudável e civilizada com a ex-esposa. Um filme muito bonito, que nos recorda que tudo é questão de força mental, sobre lutar e nunca desistir.


sábado, 20 de fevereiro de 2021

Transamazônia(Brasil, 2019)


Quando a BR 230, também conhecida como Transamazônica, foi fundada, no início dos anos 1970, havia uma esperança de progresso, como mostra no filme de 1974, Iracema, uma Transa Amazônica. Mas esse desenvolvimento nunca chegou e os que ali vivem estão não só às margens da rodovia, mas também da sociedade.

O filme de Débora MacDowell, Bea Morbach com a ativista trans Renata Taylor, entrelaça os olhares e perspectivas de duas mulheres transgênero, Melissa e Marcelly, que vivem em opostos da Transamazônica, Labreá, no Amazonas e Marabú, no Pará.

A realidade das duas transexuais é narrada com muita naturalidade, enquanto Melissa está desempregada, Marcelly faz faculdade de direito e sonha em ser artista, preparando o lançamento de seu primeiro videoclipe.

Um retrato do Brasil de tantas cores e contrastes que evoca as memórias do subdesenvolvimento para nos apresentar pessoas que são culturalmente muito diferentes entre si ao mesmo tempo que conectadas por uma identidade de gênero.Enquanto Marcelly fala de Black Mirror da Netflix, Melissa reverencia Paola Bracho, da novela mexicana A Usurpadora.

Em determinado momento, Renata Taylor, entra em cena para falar como representante do ANTRA sobre assuntos urgentes como direitos humanos, transfobia e a terrível realidade do Brasil ser o país que mais mata pessoas LGBTQIA+.

Nas rodas de discussão entre os amigos queer de Marcelly, está a novela A Força, do Querer de Glória Perez, que apresentou um personagem transgênero em processo de transição em horário nobre.

A câmera na mão das duas protagonistas também lhes dá liberdade com uma visão mais aberta e conceitual sobre seu cotidiano que mostrado num documentário vai acontecendo de maneira natural, fluida e realista transmitindo uma mensagem de existência e resistência.


sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Vera(Brasil, 1986)


Vera é um homem trans que prefere ser chamado de Bauer. Embora afirme que é um homem, a sociedade não tolera e o vê como uma mulher lésbica. O filme, de Sérgio Toledo, é um marco do cinema nacional, por anos antes da retomada, trazer à tela um tema urgente, o da transexualidade masculina. Essa pérola, premiou Ana Beatriz Nogueira com o Urso de Prata, por sua atuação, no Festival de Berlim, mas passou anos esquecido e está enfim, sendo redescoberto.

Baseado na autobiografia A Queda para o Alto, de Anderson Herzer, o longa começa com a imagem de um foguete, símbolo fálico.  Em seguida, Vera está sendo apresentado, vestido com roupas masculinas, para os funcionários de Paulo, Raul Cortez, que assumiu a responsabilidade pelo jovem após esse sair de um orfanato.


A narrativa não linear nos leva até esse internato/orfanato, que muito lembra um presídio, com várias lésbicas masculinas. É lá que Bauer tem sua transexualidade aflorada e o contato com outros possíveis homens trans, como Paizão, estabelecido. No orfanato, elas formam famílias, com pais e mães, trazendo uma espécie de acolhimento LGBTQIA+, prática comum na época e que resiste até os dias de hoje. É no local também que o diretor(Carlos Kroeber), numa demonstração da homofobia, decide chamar meninos para resolver a situação das “machonas do orfanato” e lhes distribui vestidos.

No novo emprego, Bauer acaba se envolvendo com Clara(Aída Leiner), a quem dedica um poema no jornal. O casal se envolve e transa, mas Bauer tem repulsa ao corpo, vergonha dos seios e sonha com a cirurgia, o que Clara não entende já que o vê como lésbica e não trans. O filme nos propõe uma reflexão sobre sexualidade e gênero.

Afrontoso, Bauer vai trabalhar de terno e gravata e choca a todos. Acaba sendo repreendido e consequentemente demitido por seu protetor Paulo. O que é muito interessante se considerarmos a questão de mercado de trabalho para pessoas trans, sempre tão discriminatória.


Uma cena arrebatadora, de Bauer dublando um bolero num karaokê, marca o momento de libertação do personagem, ao mesmo tempo que faz brilhar a trilha de Arrigo Barnabé, premiada com o Candango, no Festival de Brasília, em 1987.


Vera é um longa essencial na cinematografia brasileira. Uma obra brilhante, corajosa e que ousou falar de um tema que as pessoas não queriam discutir, se informar ou debater. Se hoje há mais naturalidade ao tratar sobre transexualidade e transfobia em obras como Valentina, Limiar, Alice Júnior e até na novela de Glória Perez, A Força o Querer, é porque um filme, como Vera, abriu caminho e fez história.



quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

A Criada(아가씨, Coréia do Sul, 2016)


Nada é o que parece em A Criada! O monumental longa de Park Chan-wook, de Oldboy, um dos principais expoentes do cinema sul-coreano, é quase indescritível de tão vibrante e impactante. O mirabolante roteiro, escrito pelo diretor em parceria com Jun Seo Kyung, está inspirado no romance Fingersmith, no qual a autora britânica Sarah Waters apresenta um suspense gótico ambientado na Grã-Bretanha do período vitoriano.

Somos transportados a Coréia dos anos 1930, com o país sob ocupação japonesa. Dividido em três atos, o primeiro nos apresenta uma armação de Fujiwara(Ha Jung-Woo), para colocar Sook-hee(Kim Tae-ri) como criada de Hideko(Kim Min Hee), uma rica herdeira, e lhe dar um golpe. O plano consiste em casar com a jovem e depois interná-la como louca, ficando com toda sua fortuna

No momento que Sook-he entra na mansão, um cenário opulente, riquíssimo em detalhes é apresentado para o vislumbre do público. Com uma fotografia primorosa, o visual do filme é perfeito, explorando planos e closes das duas protagonistas numa sensualidade muito delicada.

É claro que Sook-he acaba encantada pela patroa Hideko e as duas se envolvem numa bonita relação. O diretor troca todo o sangue de seus filmes anteriores, por um forte erotismo que evoca O Império dos Sentidos e sem dúvida o Kama Sutra, em uma versão só para mulheres. O filme é tão marcado pelo sexo que em diversas cenas, Hideko aparece narrando contos eróticos para uma pequena plateia masculina. O negócio é motivado por seu tio abusivo, um colecionador de livros, Kauzuki(Jo Jin Woong), que controla a jovem e também pretende botar a mão em seu patrimônio.

Com uma narrativa não linear para contar as origens e motivações dos seus protagonistas, o filme, cheio de reviravoltas é um prato cheio para quem gosta de um bom plot twist. Falar mais sobre A Criada seria dar Spoiler e esse é um filme tão grandioso que merece ser saboreado a cada instante.

Cuidado ao piscar! O filme é cheio de detalhes, que apesar de ter quase três horas, te mantém atento a cada novo movimento. O relacionamento das duas protagonistas é tão intenso quanto enigmático. Por mais filmes arrebatadores, surpreendentes e que nos confundem, revirando nossas cabeças, como esse.