"Heroico", de David Zonana, é um drama mexicano devastador que expõe o sistema militar com uma crítica social afiada. A narrativa segue Luís (Santiago Sandoval), um jovem indígena de 18 anos que ingressa no Colégio Militar Heroico em busca de um plano de saúde para a mãe doente. Premiado com o Fipresci no Festival de Guadalajara 2023, o filme disseca a desumanização dos cadetes, revelando um ambiente de violência física e psicológica que molda soldados sob o pretexto de “fazer homens”. A direção de Zonana, aliada à fotografia crua de Carolina Costa, cria uma atmosfera opressiva, com sequências oníricas que flertam com o terror psicológico, capturando a angústia de Luís em um sistema que o destrói.
A escolha do elenco é uma das grandes forças do filme. O diretor escalou não atores, incluindo militares e ex-militares do próprio Colégio Heroico, conferindo um realismo visceral às cenas. Santiago Sandoval, como Luís, entrega uma atuação contida, mas devastadora, transmitindo o peso de um jovem preso entre a necessidade familiar e a brutalidade institucional.
A representação queer em "Heroico" emerge nas tensões homoeróticas e reprimidas entre Luís e Mario, exploradas por Zonana com planos próximos, cenas de nudez e interações físicas entre soldados que intensificam o subtexto sexual. Nos chuveiros e treinos, corpos expostos e olhares prolongados criam uma atmosfera carregada, onde o desejo é sufocado pelo machismo militar. A relação de poder entre Luís e Mario, marcada por toques ambíguos e uma cena de coação com subtexto erótico, sugere uma sexualidade reprimida que se manifesta em violência.
A essência crítica do filme reside na denúncia do machismo e da violência sistêmica. O lema “não vão apenas se tornar oficiais, vão se tornar homens” ressoa como um mantra tóxico, associando masculinidade a brutalidade, humilhação e até assassinato. As mulheres cadetes, excluídas das novatadas, são relegadas a um papel secundário, evidenciando um machismo velado.
A saúde mental é outro pilar central da narrativa, com Luís enfrentando um colapso gradual sob o peso da violência e da culpa. As sequências oníricas, com closes claustrofóbicos e iluminação sombria, traduzem sua deterioração psicológica, enquanto a coação de Mario o isola de seus colegas, criando uma tensão ambígua: o “favor” do oficial é tanto proteção quanto armadilha.
"Heroico" é um filme incômodo, que transcende o gênero militar ao confrontar machismo, violência institucional e saúde mental. Sua estreia em Sundance e prêmios em Guadalajara destacam sua potência crítica. O longa é uma colaboração poderosa ao cinema latino-americano, desafiando normas e expondo as cicatrizes de um sistema que molda não apenas soldados, mas identidades.
Nenhum comentário:
Postar um comentário