segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Éden & Charlie (França, 2024)


“Éden & Charlie” surge como um desses encontros dentro do cinema onde forma e emoção se articulam de maneira orgânica. Benoît Duvette, artista multidisciplinar com profundo interesse na expressividade do corpo, constrói um média-metragem que trabalha a intimidade como força estética. A atmosfera rural francesa, com sua quietude suspensa, torna-se o cenário ideal para que Éden (Augustin Dewinter) e Charlie(Néven Carron) ensaiem seus primeiros movimentos afetivos em território desconhecido.

A proposta narrativa se estrutura a partir da ocupação de uma casa desabitada, espaço que concentra vestígios de outras vidas. Papeis de parede antigos, madeira desgastada e fachos de sol que se infiltram por janelas abertas formam um ambiente que intensifica a sensação de descoberta. Duvette utiliza esses elementos não apenas como composição visual, mas como parte de uma coreografia emocional que acompanha os dois jovens enquanto exploram seus sentimentos e confrontam seus medos iniciais.


A relação criada entre Éden e Charlie se estabelece de forma gradual, delicada, orientada por gestos pequenos que ganham potência e poesia. Dewinter projeta em Éden uma vulnerabilidade que nunca se confunde com fraqueza, permitindo que sua trajetória seja percebida como um processo de abertura. Carron faz de Charlie um corpo que segurava mundos não ditos, agora disposto a acolher novas possibilidades.

A trilha sonora ocupa papel decisivo na construção desse sensível desenho afetivo. A inclusão de “Dido’s Lament”, em versão que enfatiza a densidade emocional da obra, cria um estado de suspensão entre ferida e cuidado. Esse uso musical contribui para a criação de um clima etéreo, quase místico, que prepara o espectador para acompanhar as hesitações e aproximações dos personagens sem pressa, respeitando o ritmo interno da experiência.


A direção de Benoît Duvette demonstra maturidade ao optar por um cinema de observação, concentrado em detalhes e nas sensações despertadas pela convivência entre dois jovens que se encontram justamente quando precisavam ser vistos. A presença de elementos naturais, animais e luz que se move pelo espaço reforça o lirismo do filme. Há um entendimento claro de que a conexão afetiva se forma pela soma de olhares, toques e confissões que precisam de tempo para emergir.


“Éden & Charlie” alcança potência por abordar o despertar homoerótico com sensibilidade e escuta. É uma obra que entende o afeto como experiência transformadora e que encontra no cinema de câmara um veículo ideal para narrar o florescimento de novos caminhos emocionais. Duvette entrega um filme que reverbera pela precisão estética e pela delicadeza com que trata seus personagens.

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