terça-feira, 4 de novembro de 2025

País das Fadas (Fairyland, EUA/França, 2023)


A adaptação da obra de Alysia Abbott  por Andrew Durham, com produção de Sofia Coppola, transporta para a tela os anos 70 e 80 em São Francisco, cidade que pulsava entre a utopia e o abismo. O filme começa com a morte da mãe da jovem Alysia (Emilia Jones) e com seu pai, Steve Abbott (Scoot McNairy), assumindo identidade e paternidade em meio à liberação gay e à devastação da AIDS. O ponto de vista da filha organiza a narrativa, alternando infância e amadurecimento com uma delicadeza que transforma a história em testemunho afetivo.

No centro da trama, a relação entre Steve e Alysia revela duas formas de descoberta. Ele se liberta das amarras de uma masculinidade reprimida, enquanto ela aprende a crescer num mundo que julga, mas também inspira. “Fairyland” se distancia do sentimentalismo e aposta na sutileza dos gestos, nos silêncios desconfortáveis e nas pequenas rupturas que constroem um vínculo entre amor, liberdade e culpa.


A força queer do filme está em não tratar a diferença com julgamentos, mas como herança e direito. A juventude de Alysia se desenrola entre amigos, poetas, amantes e fantasmas, todos atravessados pela promessa e pelo medo de existir plenamente. A narrativa celebra a coragem dos que amaram e foram amados em tempos de urgência, transformando o cotidiano em gesto político.

Visualmente “Fairyland” é um presente. A fotografia de Greta Zozula envolve tudo em texturas quentes, quase táteis, como se cada plano fosse retirado de um álbum de memórias. As locações reais e as imagens de arquivo reconstroem uma São Francisco que acolhe e fere, vibrante e espectral, onde a arte e a vida queer se confundem. Andrew Durham dirige com sensibilidade quase literária, permitindo que a nostalgia nunca se torne idealização.


Mesmo com momentos de irregularidade e ritmo hesitante, “Fairyland” mantém coesão emocional. Há passagens que soam previsíveis dentro do arco de amadurecimento, mas o filme compensa com sinceridade e atmosfera. É uma obra que reconhece o peso da perda sem recorrer à autopiedade, preferindo a luz tênue do afeto ao desespero da tragédia. Geena Davis e Cody Fern completam o elenco trazendo arcos afetuosos.


“Fairyland” é, acima de tudo, um poema sobre a sobrevivência queer. Um retrato terno e imperfeito, que encontra beleza naquilo que o tempo tentou apagar. Durham e Coppola constroem uma carta de amor aos que ousaram ser, aos que criaram família fora dos moldes, aos que entenderam que viver com verdade é o gesto mais radical.


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