Esta análise aborda “No Dogs Allowed”, um filme que trata da pedofilia com foco na prevenção e na complexidade psicológica, sem romantizar ou justificar o tema. A análise busca discutir a representação cinematográfica, incentivando reflexões sobre saúde mental e apoio, não endossando o assunto.
Hesitei em publicar este texto, mas se Gregg Araki enfrentou o tema em “Mistérios da Carne” (2004) e Marco Berger flertou com ele em “Ausente” (2011), por que não usar coragem para expor, sem exaltar, uma obra que provoca no contexto do cinema queer? "No Dogs Allowed", estreia do diretor Steve Bache,vai de cabeça no tema espinhoso da pedofilia, abordando-o sob a perspectiva de Gabo (Carlo Krammling), um adolescente de 15 anos que descobre, para seu desespero, ser atraído por crianças mais novas, como Sam (Sammy Schrein), o irmão caçula de seu melhor amigo Sebbo (Sean Douglas). O filme combina elementos de um drama de amadurecimento com um thriller psicológico, desafiando o espectador a confrontar um assunto que raramente é tratado com nuances no cinema.
Gabo é um adolescente comum: vai à escola, joga videogame e lida com os conflitos familiares com sua mãe, Susanne (Katharina Marie Schubert), e sua irmã, Emi (Bineta Hansen). Sua luta interna, porém, o isola. Incapaz de compartilhar seus desejos proibidos com quem o cerca, ele encontra refúgio em fóruns online, onde conhece Dave (Robin Sondermann), um homem carismático, mas manipulador, que também é pedófilo.
O filme acerta ao tratar Gabo como uma figura complexa: vítima de seus próprios impulsos, mas consciente de sua gravidade. A narrativa, inspirada em fatos reais, enfatiza a importância da prevenção e da desestigmatização para evitar que pessoas com inclinações pedófilas se tornem de fato abusadores.
Um dos maiores méritos de ‘No Dogs Allowed’ é sua tentativa de abrir um diálogo sobre um tema tabu, mostrando como a falta de apoio psicológico pode tornar jovens como Gabo vulneráveis a influências perigosas. Mas há um risco, o filme escorrega ao incluir cenas que, embora realistas, podem ser interpretadas de forma voyeurística por pedófilos, como momentos em que crianças são filmadas em contextos aparentemente inocentes, mas potencialmente gatilhos sexualizáveis. Essa contradição sugere uma falta de cuidado.
Além disso, o filme apresenta um dilema binário para Gabo, buscar ajuda e expor sua condição ou reprimir seus desejos, correndo o risco de se tornar um agressor. “No Dogs Allowed" é um filme provocativo que merece crédito por sua ousadia, mas é com certeza indigesto. Ele abre uma janela necessária para um tema difícil, apesar de algumas escolhas limitarem o impacto, Bache entrega um cinema que desafia preconceitos e provoca reflexões desconfortáveis, destacando a necessidade de mais diálogo sobre prevenção e apoio psicológico.