terça-feira, 11 de novembro de 2025

LAR (Brasil, 2025)

 

Em “LAR”, Leandro Wenceslau transforma o gesto de filmar em um exercício de acolhimento. O documentário parte do cotidiano de três famílias LGBTQIA+ vistas pelo olhar de seus filhos, mas rapidamente transcende a estrutura observacional para se tornar uma investigação íntima sobre o que significa habitar um espaço de afeto, mesmo em meio ao preconceito e à burocracia do reconhecimento legal.

A escolha de filmar a partir da perspectiva das crianças nasceu de uma inquietação pessoal que, com o tempo, se tornou necessidade artística. “Quando eu ia pesquisar sobre essas famílias, eu não encontrava o ponto de vista dos filhos”, contou o diretor. “Sempre havia uma voz de autoridade, mas raramente o olhar dessas pessoas que também constroem o cotidiano desses lares.” É a partir desse gesto, o de devolver a palavra a quem costuma ser apenas objeto de discurso,  que o filme encontra sua potência política.

Wenceslau confessa que iniciou o projeto movido por um desejo íntimo de formar sua própria família, mas o processo o levou a desconstruir idealizações. “Eu tinha uma visão quase romântica da adoção, e o filme me mostrou outra realidade, mais complexa e mais humana”, afirmou. Essa percepção atravessa cada quadro do documentário, que retrata as famílias sem romantização, deixando que o afeto surja em meio a conflitos, dúvidas e momentos de dúvida.

A fotografia de Ícaro Moreno e a montagem de Armando Mendz foram essenciais para construir essa intimidade sem invadir. “Filmávamos dentro das casas, com uma equipe muito reduzida, e a câmera foi se aproximando aos poucos, conforme a confiança crescia”, explicou o diretor. Essa evolução técnica reflete também o vínculo emocional criado durante os dois anos de convivência com as famílias, um processo de escuta e troca que se traduz em uma linguagem visual cada vez mais viva, mais próxima, mais cúmplice.

“LAR” evita qualquer tom panfletário. Para Wenceslau, “o maior ato político era tentar encontrar a humanidade como forma de construir a narrativa”. Em vez de responder a questões sociais, o filme as apresenta com delicadeza, deixando que os próprios personagens conduzam a reflexão. Isso se alinha ao desejo consciente de fugir do arquétipo trágico que por tanto tempo marcou o cinema queer. “Queria mostrar que a gente vive, que a alegria, o prazer e o desejo também fazem parte das nossas vidas”, contou, citando influências que vão de Gus Van Sant e Apichatpong a Eduardo Coutinho.


O resultado é um retrato que equilibra ternura e denúncia com rara sensibilidade. As tensões e desafios surgem naturalmente, sem imposição: “A maioria das situações de preconceito vieram das próprias famílias, quando elas se sentiram prontas para dividir aquilo”, explicou o diretor. A honestidade dessas partilhas faz com que cada cena tenha um peso emocional próprio, transformando o filme em uma experiência de reconhecimento mútuo, entre personagens, realizador e público.

Mais do que um documentário sobre novos arranjos familiares, “LAR” é uma reflexão sobre o pertencimento. “Essas pessoas são de carne e osso, com desejos, falhas e potências. Cabe todo mundo no mundo”, resume Wenceslau. Em um país que ainda insiste em negar legitimidade a determinadas formas de amor, “LAR” se afirma como gesto de resistência e celebração, um filme que convida a imaginar futuros, onde o cuidado é a linguagem comum e o afeto, finalmente, tem lugar de fala.


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