sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Tudo Vai Ficar Bem ( Cong jin yihou, Hong Kong/China, 2024)

Melancólico e inabalável, "Tudo Vai Ficar Bem"  tem um impacto surpreendente. O diretor Ray Yeung, que trata temas de maturidade, como em "Suk Suk (2019)", deixa os detalhes se acumularem criando um efeito que reverbera silenciosamente.

Ganhador do Teddy, honraria máxima ao cinema LGBTQIA+, no último Festival de Berlim, o longa segue Angie(Patra Au Ga Man) e Pat (Maggie Li Lin Lin). As duas mulheres formam um casal feliz há décadas. Pat possui um certo entusiasmo sonhador pela vida que é contagiante para sua amada Angie, mas também para o resto de sua família. Angie é mais realista, mas muitas vezes se deixa levar pelas ambições de Pat. Até que um desastre acontece e Pat morre inesperadamente.


A morte de Pat não deixa apenas muita tristeza, mas também muitos problemas familiares. Nenhum testamento foi assinado, o que significa que a família imediata tem direito à herança. Embora Angie se dê bem com os parentes, quase tudo foi tirado dela.


À medida que motivos centrados em dinheiro, propriedade e herança tomam forma dentro da família de Pat, seu tratamento com Angie se torna insensível e convenientemente ignorante de sua importância como companheira de vida de Pat. Embora Pat claramente desejasse ser jogada  no mar, a família intervém para reivindicar suas cinzas. 


"Tudo Vai Ficar Bem" fala principalmente sobre o luto e como lidar com uma grande perda. Porém, outro tema importante é o amor. Neste caso, trata-se de duas mulheres loucas uma pela outra. A homossexualidade é legal em Hong Kong desde 1991 e, apesar de se ter uma visão bastante liberal da comunidade LGBTQ+ em comparação com outros países asiáticos, ainda há muito progresso a ser feito. Sem direitos conjugais, a reivindicação de Angie à casa e aos bens compartilhados desaparece, apesar de décadas como família de Pat em todos os status, exceto legais.


A melhor coisa do filme é como ele é comovente sem se tornar excessivamente sentimental. Sutileza define o tom adotado pelo diretor. A  vida tem as suas lutas e muitas vezes é brutal, mas também oferece amor e harmonia: no final tudo vai ficar bem.




quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Transmitzvah (Argentina, 2024)

“Transmitzvah” é uma reflexão excêntrica sobre identidade em relação ao rito de passagem judaico para a vida adulta. Assim como a personagem principal, esta comédia musical argentina, dirigida por Daniel Burman, que escreveu o roteiro com Ariel Gurevich, não segue um caminho simples para ter um Bar ou Bat Mitzvah. 

O filme começa com Ruben, um menino de 13 anos que está prestes a celebrar seu Bar Mitzva. Mas no meio dos preparativos ele avisa à família que não quer fazer isso. Em vez disso, ele quer fazer um Bat Mitzva, o que equivale às garotas, e ela quer ser chamada de Mumy Singer de agora em diante. Mumy para a avó e Singer para a máquina de costura. Porque a família dirige uma empresa: Uma loja de roupas chamada Singman Modas.


“Transmitzvah” salta anos no tempo e Rubén agora é Mumy Singer(Penélope Guerrero), que alcançou considerável sucesso como uma artista iídiche, na Espanha. Voltando para Buenos Aires, com seu parceiro, Sergio (Gustavo Bassini), e seus quatro dançarinos de apoio, Mumy se reúne com seu irmão mais velho, Eduardo (Juan Minujín), sua mãe, Miriam (Alejandra Flechner), e seu pai doente. É um reencontro inicialmente estranho, mas Mumy e o pai discutem o perdão antes que ele morra.


No entanto, quando Mumy perde seu pai, ela também perde sua voz. A única maneira de recuperar sua habilidade de cantar é finalmente ter seu Bat Mitzvah quando adulta. Mumy convida Eduardo para ajudá-la a atingir esse objetivo e assim como temos os eixos da religião e da família, há um elemento fundamental em toda essa história e é o uso da música. Não só vemos a protagonista cantando na primeira parte do filme, mas ela perde a voz na segunda.


Toda essa busca é acompanhada por Eduardo. Juntos eles vão visitar templos em busca de rabinos que possam realizar esta cerimônia , mas nenhum deles se dispõe. E como Mumy está em busca de algo, seu irmão também está. Os problemas de relacionamento estão mais presentes do que nunca em sua vida, mas ele consegue se reconectar com a irmã para resolver suas pendências.


Daniel Burman, fiel ao seu estilo, mergulha nos mitos e rituais fundadores do Judaísmo, sempre com um toque de humor crítico e uma visão sensível de identidade, refletida na complexidade das suas personagens. Ao longo do filme, a trama se transforma, assim como a protagonista, para culminar em uma história de emancipação e autoaceitação.



quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Avant-Drag! (Grécia, 2024)

 “Bem-vindo a Atenas: as estátuas, os policiais, os proprietários, os turistas, os fascistas e os carreiristas iniciantes dão as boas-vindas a você” : a introdução incisiva de Avant-drag! dá o tom do documentário dirigido pelo grego Fil Ieropoulos, que oferece uma série de retratos e depoimentos no seio da cena drag alternativa da capital grega.

O filme é dividido em capítulos, cada um contendo a arte de uma das 10 drag queens retratadas. Em um período razoável de tempo, cada uma consegue relatar seus pensamentos ou histórias íntimas, mas também apresentar seu alter ego fantástico. Imagens provocativas, atenuadas com visuais criativos, surgem na tela enquanto a pessoa por trás do personagem compartilha observações e posições pungentes.


Por Atenas, seguimos entre outras Kangela Tromokratisch com roupas vistosas, peruca cheia de cachos, botas de salto alto disco  e maquiagem de palhaço triste. Ela fala do conservadorismo da Grécia, da ferocidade de valores que já não correspondem à realidade e do fato de o drag ser político.


Todos os performers apresentados são muito diferentes: por exemplo Er Libido, que brinca com a religião, a sexualidade e a sua história de migração, ou Aurora Paola Morado, uma exaltada cantora turbo-folk albanesa, ou o exame sondador e desafiador da masculinidade de Cotsos. Mas são todos radicais, experimentais e artesanais. 


Ao longo das histórias, certos traumas coletivos vêm para fornecer uma perspectiva política sólida. O assassinato de Zackie (Zak Kostopoulos), a quem o filme é dedicado, à luz do dia polarizou os gregos em 2018, e ainda é um assunto perturbador para os membros da comunidade. Também indica o medo e o ódio que essa comunidade enfrenta, e quando colocado ao lado das extravagantes performances drag, torna-se uma história de revolução. 

 

Avant-drag! retorna às raízes de uma contracultura e reivindica a banalização desse tipo de arte. O documentário soa como um grito de guerra, e isso não é coincidência. O artista performático e cineasta Fil Ieropoulos fez não apenas um filme sobre a cena drag local, mas um manifesto transgressivo e punk que assume uma postura desafiadora contra o conservadorismo patriarcal grego. 



terça-feira, 26 de novembro de 2024

ENTREVISTA COM JURU E VITÃ

A categoria é: Bate-Papo. “Salão de Baile: This is Ballroom”, de Juru e Vitã, recebeu a honraria máxima no Festival MixBrasi, o Coelho de Ouro, e com estreia marcada nos cinemas para 05 de dezembro, após ser exibido em mais de 15 países, a página conversou com a dupla de diretoras. O documentário é um mergulho no universo efervescente da cena ballroom do Rio de Janeiro, uma comunidade protagonizada por pessoas pretas e LGBTQIAPN+, que segue a trilha da cultura criada na década de 70, em Nova York.


CINEMATOGRAFIA QUEER: É impossível não traçar um paralelo entre Paris is Burning e Salão de Baile. Houve algum tipo de inspiração no icônico documentário de 1990?


Vitã: Paris is Burning é uma ref incontornável pra qualquer pessoa que faça parte da comunidade ballroom. É um documento precioso que mostra os bailes nos anos 80 e possui depoimentos de icons da nossa cultura. Eu já perdi as contas de quantas vezes assisti! Mas é também um filme que foi muito criticado e discutido, nós tomamos vários cuidado éticos pra não repetir os erros desse projeto, até porque ele foi feito por pessoas que não faziam parte da cena ballroom, e o nosso filme foi feito junto com a cena. Durante o processo de produção, nos afastamos dessa referência, só que na fase de edição nós voltamos ao Paris is Burning e estudamos bastante pra chegar num formato de longa-metragem.


CQ :  A cultura ballroom é relativamente nova no Brasil, como filmar isso, sem que soe como apropriação de uma arte já amplamente divulgada na cena nova iorquina?


Juru: A cena ballroom está presente hoje em países do mundo todo. França, Dinamarca, China, México, Chile, Moçambique. Existe um movimento muito forte de conexão com as pessoas pioneiras tanto de Nova York quanto de Paris, que é um dos lugares mais bem estabelecidos enquanto cultura ballroom fora do EUA. Elas já vieram inúmeras vezes ao Brasil, assim como pessoas daqui já se deslocaram até essas cenas para aprender e trocar com aquelas que pavimentaram e construíram os fundamentos dessa cultura. Lembro de uma oficina com Lasseindra Ninja, aqui no Rio, em que ela disse que devíamos construir a ballroom do nosso jeito, de uma forma que fizesse sentido pra gente, pras nossas questões e nossos corpos. Isso é muito bonito. Akira Avalanx, pioneira da cena ballroom de Campinas, também fala muito disso: temos que entender e respeitar essa cultura que vem de fora, mas é preciso também aprender a como torná-la nossa. Acho que a ballroom brasileira está nesse caminho.


CQ:  As sequências de pistas e os depoimentos dos integrantes das Casas, contrastam principalmente em sua estrutura. A intenção é mostrar duas realidades?


Vitã: Como diz a Legendary Imperatriz Lua Brainer, a ballroom é um mundo paralelo. Ela tem um funcionamento próprio, mas no filme a gente transita entre a realidade e o realness, entendendo que são dimensões que coexistem. Quem é da ballroom, carrega essa cultura no seu dia a dia, 24 horas, a semana toda, e a ball é uma potencialização disso.


Juru: Os bailes são o momento do brilho, do glamour. E também o momento em que algumas rivalidades vêm à tona. Mas é no dia a dia que se constroem os laços, em que se constroem as performances, em que se rala para treinar para as categorias… e é no dia a dia que a vida das pessoas vai se transformando. Na época em que eu competia em Runway, lembro de passar a semana inteira que antecedia as balls em êxtase, treinando, preparando meu figurino. Então o baile é um momento de explosão, de muito brilho, mas só acontece porque tem muita construção que leva até esse lugar. E as entrevistas e as cenas do cotidiano tentam mostrar isso. As entrevistas são um espaço também para as pessoas, elaborarem suas experiências, e nisso achamos um outro tipo de brilho, um lugar menos glamouroso, mas igualmente potente: as formas de dar sentido à vida através da ballroom. Isso é muito poderoso e nos encantou tanto quanto as performances nos bailes.




CQ: O filme tem uma identidade muito brasileira, com as categorias adaptadas, pitadas de funk e pajubá. Como foi salientar esses aspectos?


Juru: Acreditamos que a ballroom fluminense, apesar de recente, já tem sua própria cara. São corpos diferentes, influências diferentes, mas que se conectam com a ballroom por esse aspecto afrodiaspórico. Hellfeti e Legendary Lua Brainer falam bastante disso no filme: a ballroom americana é uma cultura do povo preto LGBT dos EUA, mas essa cultura se conecta também com o funk, com a música preta brasileira de forma geral. A cena daqui tem construído essas pontes. No filme trazemos uma categoria especificamente carioca, o Batekoo, que é uma mistura de funk com twerk e todas as tecnologias de balançar a raba brasileiras. Mas existem outras categorias brasileiras: Brazilian Runway, um jeito específico de modalidade de desfile, Samba No Pé, Capoeira-Vogue, Vogue Funk, entre muitas outras categorias que estão em processo de criação. A ballroom é um lugar em que as coisas estão vibrando e em constante transformação, como diz Upcoming Legend Patfudyda Mamba Negra, no nosso filme.


CQ: Como avaliam a importância das Casas de Acolhimento para pessoas LGBTQIA+ em estado de vulnerabilidade e como isso pode transformar vidas?


Vitã: As casas são famílias alternativas, que vão se construindo por afinidades e afetos. Cada casa tem o seu jeitinho de ser, que tem muito a ver com as lideranças, que podem ser mãe, pai, princesa, príncipe, imperatriz, etc. Fazer parte de uma casa traz uma sensação de pertencimento, você cria laços profundos com aquelas pessoas, que podem ajudar quem estiver passando por uma situação complicada. E é muito comum pessoas LGBTQIAPN+ passarem por atravessamentos com suas famílias biológicas, então a família ballroom funciona como uma rede de apoio poderosa. Mas não podemos romantizar: tem amor, tem afeto, mas tem treta também e é isso.


CQ: Salão de Baile exalta ícones da cultura negra e ballroom como Crystal LaBeija, qual é a importância de apresentar para as novas gerações, pessoas que abriram o caminho, com muita luta, lá atrás?


Vitã: A gente tem poucos registros do início da cultura ballroom, a maior parte do que sabemos sobre o passado foi transmitido de geração em geração pela oralidade. Mas nós temos a consciência da importância de celebrar nossas ancestrais, inclusive nossas transcestrais. É graças a elas que nós estamos aqui hoje. Então no filme a gente fez questão de mencionar a Crystal LaBeija, por ser considerada uma das fundadoras da cultura. Mas em todo baile, logo no início, a gente celebra as vidas das pessoas que são referências e que estão presentes, como pioneires e legends.


CQ: O filme finalmente está chegando aos cinemas em 5 de dezembro. Como é conseguir levar o projeto para o circuito comercial, um espaço ainda limitado para vivências LGBTQIA+?


Vitã: A gente tá muito feliz com esse lançamento comercial, é tipo um sonho que nem sabíamos que era possível de ser sonhado. E agora se tornou real, graças ao trabalho de uma equipe maravilhosa que abraçou o projeto e tá fazendo acontecer. Sabemos que é um desafio levar o público pra sala de cinema, principalmente depois da pandemia, mas o que posso garantir é que no caso de Salão de Baile, vale MUITO a pena ver no cinema, com uma boa projeção, um bom sistema de som. A gente trabalhou bastante nessa parte técnica pra garantir uma experiência de imersão pra quem for assistir. Desde que o filme começou a passar nos festivais, tivemos retornos super positivos do público, de diferentes partes do mundo. As sessões têm sido calorosas, as pessoas interagem com o filme, choram, riem, é muito emocionante.


Juru: Diria que é difícil circular não só com um filme LGBT, mas enquanto filme brasileiro mesmo. É uma conquista enorme chegar aos cinemas. Estamos com previsão de entrar em cartaz em muitas cidades, mas pedimos que as pessoas dos lugares onde ainda não foram anunciadas sessões, que peçam aos seus cinemas locais para programarem. Isso ajuda bastante a gente. E peçam não só sessões do nosso filme, mas de cinema brasileiro LGBT de forma geral. Os distribuidores ainda têm resistência a ambos os recortes, filmes nacionais e filmes LGBTs. Tem muito espaço ainda pra reconquistar, mas as brasileiras, brasileiros e brasileires merecem se ver na tela, é um direito nosso.



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segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Turtles (Les Tortues, Bélgica/Canadá, 2024)

Com todo relacionamento de longo prazo vem um período de turbulência, e “Turtles” empresta um olhar autêntico às complexidades que surgem quando duas pessoas escolhem passar décadas de suas vidas juntas. O drama emocionalmente carregado do roteirista e diretor David Lambert oferece um retrato comovente de um casamento à beira do abismo, um filme de relacionamento sobre um divórcio iminente entre um casal que está pronto para seguir em frente, mas simplesmente não consegue viver um sem o outro.  

O longa explora as vidas de Henri (Olivier Gourmet) e Thom (Dave Johns), um casal gay, juntos a 35 anos, mas à beira do divórcio. Entre as lágrimas, os ataques de gritos e as tentativas de deixar o outro marido com ciúmes, a obra se desenrola.


A aposentadoria de Henri desencadeia depressão nele e ele passa os dias se movendo apaticamente em sua bela casa em Bruxelas, e não demonstra nenhum interesse real em nada, muito menos em Thom. Ele se esforça para se envolver com Henri, mas sem sucesso, e o casal acaba brigando pelas menores coisas.

O ódio consome muito mais energia do que o amor. Os dois começam a usar o Grindr para encontros, mas isso complica as coisas. Thom não desiste de tentar salvar o relacionamento, mas a completa falta de empatia de Henri significa que o quadro parece sombrio e os tribunais de divórcio acenam.


O filme  mergulha fundo em relacionamentos queer de longo prazo. A maturidade LGBTQIA+ é frequentemente marginalizada no cinema, então é revigorante ver esses protagonistas, a exemplo de Nós Duas, assumirem o centro das atenções. Johns e Gourmet são críveis como o casal problemático e Brigitte Poupart faz uma forte performance de apoio como a melhor amiga de Thom e também vendedora de barracas de mercado vintage, Jenny. 


"Turtles" oferece um retrato inflexível do amor em sua forma mais crua, porém inocente, apresentando a realidade do relacionamento de Thom e Henri. É uma união multifacetada de companheirismo, amargura e desejos não ditos que cresceram ao longo dos anos, finalmente atingindo seu ponto de ebulição. É como o amor, imperfeito, confuso, mas que sempre aquece o coração.



domingo, 24 de novembro de 2024

The Binding (Israel, 2024)

Binyamin (Yoav Keren) mora sozinho em um pequeno apartamento no centro de Tel Aviv. Ele se mudou para lá depois de enfrentar a oposição de sua família, que vivia em um pequeno assentamento no deserto israelense, depois de se assumir. Seu estilo de vida de constantes e violentas transas de uma noite muda depois que ele se aproxima do dono do pub onde trabalha. Avinoam(Shimon Mimran) é um homem de fé nacionalista, tem carisma e usa as palavras como arma. Sob seus cuidados, Binyam encontra um espaço seguro até que um acontecimento inesperado muda toda a sua vida.

O diretor Eyal Kantor, de Like Me (2022), cria um thriller atmosférico e sombrio, que destaca a vida Queer em Tel Aviv, enquanto tece comentários sobre desejo, obsessão, fé, identidade, etarismo e trauma. Muitos homens passam pela vida do protagonista, mas somente após a proteção de Avinoam, é  que ele consegue de certa forma se conectar com seu eu espiritual.


Tapa na cara, mordaça, cuspe, nudez explícita, o diretor não poupa cenas de sexo ousadas, que são muito bem filmadas pelo diretor de fotografia Offek Hasid. Sua lente se move pelos corpos, tanto em sequências de sexo selvagem, como momentos mais íntimos e até lúdicos que invadem a imaginação de Binyamin.


Mas enquanto é acolhido por Avinoam, Binyamin se liberta de traumas é inicia o próprio romance com Amir, ainda que com vontade de sentir dor na hora do sexo. Interlúdios com sequências animadas ilustrando fatos da vida do herói, ou até mesmo cenas musicais também estão presentes.

O ponto de virada no entanto, é quanto Avinoam é espancado e Binyamin, precisa lhe prestar auxílio. O personagem mais velho observa na vida do protagonista, aquilo que nunca viveu, o amor livre e estar confortável na própria pele, isso  acaba desencadeando gatilhos.


Yoav Keren,  que já havia trabalhado com o diretor, oferece uma performance forte como Binyamin. O ator está preparado para transmitir as diferentes fases pelo que o  personagem passa, ele não hesita  em mostrar o corpo, mas há profundidade no seu papel, muito bem observados nos diálogos escritos por Kantor.

O filme caminha então para um thriller psicológico sobre as dinâmicas de poder, as relações de confiança e a dependência emocional, com alguns momentos perturbadores, até que chegue em seu desfecho dinâmico e imprevisível.


sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Wicked (EUA/Canadá/Islândia, 2024)

Wicked” é um deslumbre cinematográfico que reimagina a história da notória bruxa de pele verde de um ângulo nunca antes explorado. Baseada no romance original de Gregory Maguire e no musical da Broadway, a versão cinematográfica do diretor Jon M. Chu oferece uma história multifacetada que desafia a narrativa sobre o bem e o mal.

Emergindo do clássico de 1939 "O Mágico de Oz", esta versão vira a narrativa padrão de cabeça para baixo. Em vez de uma simples vilã, Elphaba (Cynthia Erivo) — a mulher que se tornará a Bruxa Má do Oeste — surge como uma personagem matizada e simpática lutando contra a injustiça sistemática. Sua jornada de outsider incompreendida a ativista poderosa se torna uma alegoria marcante para marginalização, intolerância e empoderamento pessoal.


A história é dividida em duas partes, permitindo uma investigação mais aprofundada do mundo de Elphaba, sua amizade inesperada com Galinda(Ariana Grande) e as manobras políticas de Oz que a transformam de uma estudante esperançosa em uma suposta bruxa "má". 


Galinda e Elphaba são colegas de classe na Universidade Shiz, uma escola situada na terra mágica de Oz, onde a feitiçaria pode ser aprendida , e os animais servem como professores. Elphaba é incomum perante os demais, e quando surge uma oportunidade que a levará a conhecer o Mágico de Oz, ela entra numa jornada com Glinda.


A conexão entre Elphaba e Glinda vai além dos arcos narrativos normais. A amizade delas reflete uma transformação profunda, duas pessoas de origens muito diferentes aprendendo a ver além das diferenças superficiais. A união delas desafia o conceito de que os humanos são totalmente bons ou totalmente maus.



A diretora de fotografia Alice Brooks cria um universo visual que é espetacular e íntimo. Uma estética maximalista que combina o tecnicolor dos anos 1930 com técnicas modernas de CGI. Dos campos de papoulas digitais à estrada de tijolos amarelos, cada quadro é uma explosão de detalhes e cores. Essa atenção também se reflete nos figurinos de Paul Tazewell e nos cenários art déco que nos levam de volta à Cidade das Esmeraldas. 


Erivo transmite o conflito interno de Elphaba com sutileza surpreendente: sua angústia é evidente, sua fúria é contida e sua esperança é frágil. Ariana Grande desafia as expectativas como Glinda, demonstrando que ela é muito mais do que apenas uma estrela pop que virou atriz. Seu timing cômico é afiado como uma navalha.


O resto do elenco está à altura das protagonistas. Começando com Jonathan Bailey , que também dá nova vida ao Príncipe Fiyero, transformando-o através de carisma e impulso de quadril em um ícone bissexual irresistível. Michelle Yeoh é pura presença e elegância como Madame Morrible, enquanto Jeff Goldblum leva o Mágico de Oz para seu próprio território, sem esquecer do Bowen Yang, o amigo queer de Glinda.


“Wicked” faz mais do que apenas contar uma história; também a canta, com sequências musicais que são pura eletricidade teatral. “Defying Gravity” é um hino de liberdade pessoal retumbante que representa a mudança total de Elphaba. Não é apenas uma música; é uma declaração de força pessoal.


Com mais de 2h30, o longa é uma adaptação suntuosa e surpreendentemente oportuna, que oferece uma nova perspectiva sobre a dicotomia entre o bem e o mal, questionando as razões da maldade. Dividir a história em duas partes permite um desenvolvimento extensivo dos personagens. 


quinta-feira, 21 de novembro de 2024

A Herança (Brasil, 2024)

Ao receber a notícia da morte de sua mãe, Thomas(Diego Montez) retorna ao Brasil com seu namorado, Beni (Yohan Levy), e descobre ser o único herdeiro de uma casa no interior que pertenceu a uma avó que nunca chegou a conhecer.

Curioso para se reconectar com a história de sua família, eles visitam a casa, onde Thomas é recebido por duas tias, vividas por Cristina Pereira e Analú Prestes, que o tratam como um filho há muito perdido. Enquanto Thomas fica cada vez mais encantado com o lugar, Beni começa a desconfiar que algo maligno se esconde debaixo da fachada de uma vida tranquila no campo.


“Podemos assar um carneiro”, diz uma das tias, na chegada dos dois, dando o tom e pistas de que algo macabro está por vir e elas podem até ser um coven de bruxas. Porém, quanto mais nebulosa fica a história, apenas Bene parece ver que há algo errado e começa a investigar um símbolo que vê com frequência.

O diretor João Cândido Zacharias não subverte o gênero, pelo contrário ele usa de clichês clássicos, para construir uma história que celebra os elementos de casa mal assombrada, enriquecida pela direção de arte, de Elsa Romero, com cada detalhe do casarão no lugar certo e a fotografia de Guilherme Tostes, remetendo aos clássicos filmes da Hammer.


Mesmo que o filme não seja tão reflexivo, ele foca em temas como pertencimento e imigração. Thomas, vindo da Alemanha, agora se sente acolhido em algo que chama de lar. Por mais que na superfícies os vermes estejam corroendo, ele se recusa a ver. Por mais que haja indícios de que o mal se aproxima, ele quer se sentir amado.

A edição de som de Bernardo Uzedo, cria uma crescente de suspense e terror, desde o início, até cenas de sexo que são belamente filmadas, e finalmente quando o filme embarca num terror mais gráfico, com toques de body horror, por porões e criptas.

O fato do longa ser falado grande parte em inglês garante a ele uma universalidade. Tanto no desenvolvimento do tema, como em questões de distribuição. Quem é Thom afinal? Quem são essas senhoras simpáticas que se dizem suas tias? São respostas que só teremos após acompanhar essa jornada sobrenatural.

“O filme é uma conjunção de muitas coisas que fizeram eu me apaixonar pelas narrativas audiovisuais quando criança – dos filmes de terror às novelas da TV. É também um filme muito pessoal, já que lida com questões familiares e os traumas de infância que ajudam a construir os adultos em que nos tornamos. Eu perdi minha mãe durante o processo de desenvolvimento do roteiro, assim como o personagem do Thomas, e a experiência de lidar diretamente com os monstros escondidos da minha família foi essencial para a criação dessa história.”  declara o diretor João Cândido Zacharias.




terça-feira, 19 de novembro de 2024

The Greatest (EUA, 2024)

É a década de 1960, e o típico homem de negócios luta para esconder um segredo profundo no longa-metragem de Ryan Sarno, The Greatest . Para todos os efeitos, Jay McKlien (Isaac Nevrla) está no caminho rápido para realizar o sonho americano. Ele é filho do dono de um negócio de sucesso. Seu pai recompensa seu trabalho duro e perspicácia nos negócios. Ele se casa com sua linda esposa, Beverly (Isabela Jacobsen), que lhe dá um menino saudável.

Durante as férias com sua família, Jay é servido pelo belo Ricky (Sergio Acevedo). O que começa como uma amizade rapidamente se transforma em algo mais intenso. Quando a família retorna para casa, Jay e Ricky começam a se ver mais, se encontrando secretamente nos bares gays locais. Por melhor que Jay seja em esconder o relacionamento entre Beverly e o mundo, as rachaduras começam a se formar.


O relacionamento de Jay com Ricky se desenvolve e os dois passam muitas noites juntos em um bar gay enquanto Jay supostamente trabalha até tarde. Embora os dois homens sejam de lados um pouco diferentes dos trilhos, eles se conectam bem e compartilham uma forte química física. Ricky está muito mais confortável em sua pele queer do que Jay, que ainda está muito no armário. As coisas chegam ao auge uma noite quando o bar é invadido pela polícia e os dois são presos.


A sensação de “Eu já vi isso antes” acaba nesse momento. Quando o filme entra no segundo ato, quando Jay é pego e enviado para um tratamento, é aí que a história decola e faz a diferença.  Nos anos 60, o mundo era proibido e ainda estava em um estado em que ser gay era algo que tinha que ser "curado".


The Greatest  é intransigente em sua verdade e, ainda assim, nunca desnecessariamente descontrolado. Sarno nos mergulha na cultura dos anos 60 com uma trilha sonora familiar, mas maravilhosa, lentes ligeiramente abafadas e naturais de Kareem Atallah que praticamente nos tornam companheiros de viagem.


Isaac Nevrla é  impressionante como Jay, um jovem carismático que possui força e vulnerabilidade. Seu relacionamento com Beverly parece honesto, mas de alguma forma estranho. Isabela Jacobsen captura essa falta de certeza de forma bastante poderosa .


Geoff Burt e David Arturo Sanchez são as versões mais velhas desses homens.. Burt está simplesmente extraordinário aqui, uma vida inteira de lições acompanhadas de amor, perda, supressão e arrependimento desgastados por todo o seu ser. 


segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Feeling Randy (EUA, 2024)

O coming of age, de Dean Lent,  Feeling Randy, baseado em suas próprias experiências é uma aventura curta, divertida e doce. Reid Miller, de Joe Bell (2021), oferece uma atuação maravilhosa como Randy, um adolescente da East Bay, dos anos 1970 que luta contra sua sexualidade enquanto seus amigos heterossexuais falam incessantemente sobre mulheres.

Os amigos pegam um carro emprestado e viajam para um bordel em Nevada, onde cada um se gaba de quão "quente" seu sexo foi, flashbacks de cada encontro contam uma história diferente. Para Randy, a viagem é uma revelação, pois ele percebe que não consegue ter uma ereção a menos que fantasie com outro homem.


Lent, que é mais conhecido por seu trabalho como diretor de fotografia, faz um belo filme recriando a East Bay do final dos anos 1970. Um pôster de Farrah Fawcett adorna a parede do quarto de Randy, e ele assiste "Space: 1999", um programa popular de ficção científica da época, com sua mãe. Calças boca de sino e cabelos longos estão na moda. É a própria história de Lent, e ele a conta em um filme que é evocativo e muito adorável.


Embora essa história seja tecnicamente uma comédia, Lent também explora o lado sombrio da homofobia familiar. O pai de Randy (Jonathan Silverman) é verbalmente abusivo quando o pega passando batom em um momento emo angustiado. 


A jornada de Randy é repleta de desafios. E embora sua história comece com uma busca despreocupada por diversão, ela logo toma um rumo mais profundo enquanto ele silenciosamente luta com sua identidade em uma década de turbulência, marcada por mudanças culturais, quando questões de autoaceitação e descoberta pessoal raramente eram discutidas. 


Com toques de John Hughes e Porkys, o filme força o protagonista a confrontar verdades há muito reprimidas sobre si mesmo, Randy acaba levando a uma revelação profunda e inesperada que remodela não apenas sua vida, mas a amizade entre os rapazes.


domingo, 17 de novembro de 2024

Malu (Brasil, 2024)



"Malu" é um drama familiar íntimo sobre  três gerações de mulheres no Brasil dos anos 1990. Escrito e dirigido por Pedro Freire em sua estreia, o filme gira em torno de Malu, uma atriz impetuosa de 50 anos que luta para realizar seus sonhos artísticos. Embora excêntrica e volátil, Malu abre sua casa dilapidada no Rio de Janeiro para sua mãe idosa conservadora Lili (Juliana Carneiro da Cunha) e sua filha adulta Joana (Carol Duarte), recentemente vinda do exterior.

Os dias de gloria de Malu podem estar no passado, mas ela ainda tem grandes sonhos de transformar o prédio em ruínas em um teatro comunitário. No momento, no entanto, é o lar dela e de sua mãe cuja personalidade igualmente forte a coloca em oposição quase constante com sua filha. Morando ao lado delas está o amigo negro e queer de Malu, Tibira (Átila Bee), que habita uma das dependências ainda mais precárias do conjunto habitacional. Lili está preocupada com o hábito de fumar maconha de sua filha, um medo que é ainda mais alimentado pelo racismo e homofobia da mulher mais velha em relação a Tibira.


O que se desenrola é um retrato de amor com traumas latentes e choques ideológicos que estouram em explosões emocionais entre Malu, Lili e Joana, cujas diferenças abrangem eras políticas e ambições artísticas. No entanto, uma afeição inegável também as une novamente, incapazes de se separar apesar da mágoa mútua. 


Malu está sempre no fio da navalha de suas emoções. Seus humores mudam rapidamente entre otimismo alegre e ressentimento amargo, tanto em relação ao mundo quanto ao seu próprio destino na vida. No entanto, mesmo em seus momentos mais cruéis, Novaes instala na protagonista uma humanidade ferida.



Num sutil comentário político, a própria Malu possui a maior profundidade na compreensão de como sua concepção de arte foi afetada pelos anos tumultuados da ditadura militar. Em suas memórias ela relembra Tônia e Plínio Marcos.


As acusações voam rápido enquanto Lili culpa as lutas artísticas de Malu pelo uso de drogas, enquanto Malu se ressente do racismo e da homofobia de sua mãe em relação aos colegas artistas de Malu.


Em uma performance fenomenal, Yara de Novaes faz de Malu uma mulher imprevisível e viva. Ela habita completamente as ânsias pela vida e a excentricidade da protagonista de Pedro Freire, criando uma caracterização magnética que ganha empatia, mesmo nas tendências mais autodestrutivas.


Inspirado por sua própria mãe e seus relacionamentos tumultuados, Freire atiça as chamas desse drama familiar ao manter sua câmera próxima às performances fascinantes do trio. Com empatia e autenticidade, Malu coloca questões ponderadas sobre o ciclo de ressentimento passado entre gerações de mães e filhas.



quinta-feira, 14 de novembro de 2024

O Intruso (The Visitor, Reino Unido, 2024)

Com O Intruso, o sempre controverso, porém autêntico Bruce LaBruce oferece um olhar cyberpunk e explícito para o clássico de Pasolini, Teorema (1968).  Conhecido por seu estilo ousado e subversivo, LaBruce explora a chegada de um misterioso refugiado à vida de uma família rica em Londres. O visitante, cuja origem e propósito são incertos, abala os alicerces da família ao envolver-se em relações sexuais explícitas com cada um dos seus membros, desencadeando uma série de revelações e caos.

O Intruso abre com uma imagem impressionante: um homem negro nu emergindo de uma mala nas margens do Rio Tâmisa, em Londres. Ele é um dos vários homens idênticos que misteriosamente aparecem na praia dentro da bagagem, como refugiados chegando a uma nova terra. 


Bishop Black, que interpreta o  intruso, apresenta uma atuação intrigante, personificando uma figura enigmática e sedutora que desencadeia um turbilhão de emoções e desejos reprimidos. Também conhecemos o Pai (Macklin Kowal), a Mãe (Amy Kingsmill), a Filha (Ray Filar), o Filho (Kurtis Lincoln), a Empregada (Luca Federici), o sem-teto ( John Foley ) e a voz de Adrian Bracker.   A narrativa visual surpreendente é dividida em segmentos (Chegada, A  Família, Sedução, A Empregada, A Mãe, O Pai...) e letreiros que saltam na tela, marcas registradas do diretor, são uma constante ao longo do filme.



O Intruso usa essas relações para explorar temas de desejo, repressão, imigração e quebra de normas sociais e familiares. O  filme investiga a provocação e a exploração dos limites da decência e da moralidade dentro de uma estrutura tradicional. LaBruce usa esta narrativa para desafiar as normas sociais e expor as hipocrisias subjacentes numa sociedade abastada.

O canadense sempre se declarou portador de mensagens altamente políticas e representativas do mundo queer, recorrendo muitas vezes à provocação. Cenas de sexo explícito são propostas como fonte de excitação consciente de uma mensagem que vai além da representação comum, na fotografia evocativa de Jack Hamilton, que às vezes remete a Gaspar Noé.


Como Teorema, ou até Sitcom (1998) de François Ozon, O Intruso principalmente critica a pretensão da classe alta. Antes da chegada do Visitante, a família desempenha o papel de aristocratas respeitáveis ​​que residem em uma casa de vidro, autocontida e superior. Mas ele penetra essa ilusão. Sua presença expõe o vazio sob suas maneiras, quebrando tabus de incesto e coprofagia. 


Aguçando o ataque aos sentidos, LaBruce utiliza luzes estroboscópicas, cores saturadas e uma trilha sonora de sintetizadores pulsantes. Ele filma algumas cenas de sexo em luz negra, dando aos corpos um brilho sobrenatural. A trilha sonora pulsa com uma batida hipnótica, como se estivesse levando o espectador a um estado de transe para a libertação.