quinta-feira, 27 de novembro de 2025

O Prazer é Meu (El Placer es Mío, Argentina/França/Brasil, 2024)

 “O Prazer é Meu” inaugura a carreira em longas do brasileiro Sacha Amaral com a força de um grito urbano: acompanha Antonio (Max Suen), um jovem de Buenos Aires que sobrevive vendendo drogas e vivendo encontros sexuais casuais, utilizando seu magnetismo para furtos e enganos. A narrativa não romantiza sua vida nem busca redenção. Desde o início, Amaral expõe a dureza da marginalidade, a imprevisibilidade do desejo e o sofrimento de quem habita as sombras sociais, fazendo da sobrevivência uma coreografia de urgência, falta e pulsão.

Mas “O Prazer é Meu” não é apenas um retrato de miséria ou autoflagelação: ele inscreve o desejo e a sexualidade queer como parte intrínseca dessa existência vulnerável. A bissexualidade ou fluidez de Antonio, suas relações com pessoas de diferentes gêneros, sua busca por prazer e por anonimato, se articulam sem moralismo, sem choro de culpa, como potência de existência. Amaral parece afirmar que, mesmo nas margens, há espaço para subjetividades múltiplas, para identidades fluidas e para corpos que se afirmam em seu desejo.

A estética do filme reforça essa lógica. A fotografia de Pedro Knoll privilegia um realismo cru, muitas vezes frio, captando o concreto das ruas, os quartos precários, os corredores urbanos noturnos. Em contraste, os momentos de intimidade, encontros, devoluções de desejo, diálogos tortos, ganham luz própria, uma textura sensual marcada pela vulnerabilidade e pelo risco.

O filme lida com a ambiguidade moral e emocional de seu protagonista sem condenações  e nisso reside parte de sua força. Antonio mente, engana, rouba e manipula; ele não se apresenta como vítima nem como herói, mas como sobrevivente de um sistema que marginaliza e viola. O espectador é forçado a olhar para ele como ser humano complexo, com urgências contraditórias e desejos viscerais. Essa recusa ao julgamento simplista abre espaço para questionar normas de moral sexual, e remete ao cinema cru e indigesto de Eloy de la Iglesia.


Além disso, “O Prazer é Meu” destaca a precariedade social e familiar como elementos centrais na formação da subjetividade queer de Antonio. A relação conflituosa com a mãe (Katja Alemann) revela abandono, ausência de suporte emocional e a necessidade de construir uma família improvisada,  à custa de perigos e de um corpo constantemente exposto. Essa dinâmica faz ecoar as realidades de muitos jovens LGBTQIA+ nas periferias da América Latina: rejeição, exclusão, prostituição, migração interna, fome, desejo de fuga. Amaral não romantiza essa dor: expõe para incomodar, para mostrar que a sobrevivência queer também é luta por espaço, por dignidade, por corpo próprio. 


“O Prazer é Meu” alcança seu impacto ao apresentar a busca por prazer e pertencimento como ato de resistência. O desejo que domina Antonio, instável, voraz, às vezes destrutivo, não é mero escape: é afirmativa de presença, de recusa, de sobrevivência. A ambiguidade moral não diminui sua humanidade, ao contrário: humaniza o marginalizado, torna visível o invisível, dá voz a quem a sociedade prefere ignorar. Amaral entrega um corpo de cinema cru, incômodo, mas vital.

Nenhum comentário:

Postar um comentário