“O Deserto de Akin”, do capixaba Bernard Lessa, é um drama queer que explora os dilemas de identidade e pertencimento em um Brasil marcado pela ascensão da extrema direita. A história segue Akin (Reynier Morales), um médico cubano que presta serviços a uma comunidade indígena no Espírito Santo pelo programa Mais Médicos, iniciativa criada no governo Dilma Rousseff e interrompida pelo inelegível. Em 2018, com o fim da cooperação entre Brasil e Cuba, Akin se vê em uma encruzilhada: retornar a Cuba ou permanecer em um país onde sua identidade, cubano, negro e queer, é alvo de ataques sistemáticos. O filme, inspirado em fatos reais, usa essa premissa para refletir sobre imigração e resistência.
Reynier Morales é um destaque como Akin, trazendo uma atuação que combina dúvida e determinação. Sua performance, premiada no Festival do Rio 2024 como Melhor Ator, é o ponto alto do filme, transmitindo as emoções de um homem dividido entre dois mundos. Bernard Lessa dirige com sensibilidade, criando uma narrativa que entrelaça o drama pessoal de Akin com o contexto político de um Brasil polarizado. A escolha de locações no Espírito Santo, como comunidades indígenas e paisagens naturais, reforça a sensação de isolamento e conexão que permeia a história.
O filme homenageia os médicos estrangeiros do programa Mais Médicos, destacando sua importância para comunidades vulneráveis. A interrupção do programa por Bolsonaro, motivada por disputas ideológicas, é o catalisador da trama, expondo as consequências humanas de decisões políticas. Akin, como cubano, negro e queer, personifica os grupos minorizados que se tornaram alvos da extrema direita durante esse período. A obra reflete sobre como o racismo, a xenofobia e a homofobia se intensificaram no Brasil de 2018, oferecendo um retrato crítico e humano desse momento histórico.
A trama também explora os laços que Akin constrói no Brasil, especialmente com Érica (Ana Flavia Cavalcanti) e Sérgio (Guga Patriota), brasileiros que o acolhem em sua jornada. Esses personagens trazem momentos de leveza e afeto, contrastando com a tensão do contexto político. Embora o filme sugira um triângulo afetivo, essa dinâmica não é plenamente desenvolvida, o que pode deixar o público querendo mais profundidade.
A estética de “O Deserto de Akin" é enriquecida pela fotografia de Heloísa Machado, que captura a beleza e a aridez das paisagens do Espírito Santo, simbolizando o isolamento de Akin. A trilha sonora, com canções interpretadas por Reynier Morales, adiciona uma camada emocional à narrativa, conectando as culturas cubana e brasileira.
“O Deserto de Akin” é uma obra sensível e politicamente relevante, que transforma a história de um médico cubano em uma poderosa reflexão sobre imigração, identidade e resistência. O filme se destaca por sua abordagem humana e por jogar luz sobre o impacto do desmonte do Mais Médicos.
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