Zach Cregger, o cineasta que surpreendeu com “Noites Brutais”, retorna com “A Hora do Mal”, um horror em que uma pequena cidade é abalada pelo desaparecimento simultâneo de dezessete crianças, todas de uma mesma sala de aula, às 2h17 da madrugada. A narrativa se desdobra em capítulos autônomos, cada qual focado em um personagem distinto, compondo um retrato fragmentado de uma comunidade mergulhada no medo.
O que Cregger traz de novo ao terror é a combinação ousada de estrutura coral, humor ácido e atmosfera opressiva. Ao invés de um fio condutor único, o diretor constrói uma obra de múltiplas perspectivas, que dialoga tanto com “Magnolia” quanto com o horror de Stephen King. O recurso dos letreiros que apresentam os protagonistas funciona como um dispositivo estilístico marcante, que não apenas organiza a narrativa, mas também confere a cada arco a sensação de pequena antologia dentro de um todo. Entre os temas centrais estão a fragilidade da vida suburbana, a falência das instituições, a violência como herança cultural e o peso do segredo coletivo.
Entre os personagens que ganham destaque estão Justine (Julia Garner), professora da turma desaparecida, Archer (Josh Brolin), um pai desesperado em busca do filho, Marcus (Benedict Wong), diretor da escola e primeiro elo com a misteriosa Tia Gladys (Amy Madigan), um ícone camp do terror geriátrico, Alex (Cary Christopher), o único menino poupado pelo desaparecimento coletivo, e Paul o policial interpretado por Alden Ehrenreich, que joga seu charme mesmo diante do caos.
A presença queer surge de modo breve, mas significativo, na caracterização de Marcus, casado com outro homem. O filme trata essa informação de maneira naturalizada, sem transformar sua identidade em conflito narrativo. Embora não seja o foco da trama, essa inclusão orgânica contribui para a diversidade de perspectivas que compõem “A Hora do Mal”, marcando uma diferença em relação ao histórico do gênero, tantas vezes dependente de queer coding ou estereótipos.
O impacto do filme é duplo: por um lado, reafirma Cregger como um dos nomes mais inventivos do terror atual, capaz de manejar simultaneamente choque, atmosfera e ironia. Por outro, demonstra como é possível que o horror contemporâneo dialogue com questões sociais e representações diversas sem sacrificar a tensão narrativa.
“A Hora do Mal” se ergue como um marco: uma obra que une tradição e inovação, que conversa com o passado do horror sem se prender a ele, e que abre espaço para novas possibilidades de narrativa. É um filme sobre medo, mas também sobre vínculos e fragilidades humanas.
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