terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Salomé (Brasil, 2024)

Cecília (Aura do Nascimento), uma jovem modelo de sucesso, retorna a Recife, sua cidade-natal, para passar o natal com a mãe. Certa noite, um vizinho que ela não vê há muito tempo, João, lhe mostra um misterioso frasco contendo uma substância verde tóxica. Cecília começa a se apaixonar por João (Fellipy Sizernando), mas também descobre que ele está envolvido com uma estranha seita ao redor da figura de Salomé, a sanguinária princesa bíblica.

Com essa premissa, o pernambucano, André Antônio, do coletivo Surto &Deslumbramento, realiza seu segundo longa. Ele volta seu olhar para referências, como José Mojica Marins, Derek Jarman, Kenneth Anger, Julio Bressane, para subverter a mítica figura de Salomé e a levar para Recife.

Renata Carvalho é Helena, a mãe devota à filha, e a todos os santos, o que traz boa parte da iconografia religiosa que o filme utiliza. O interesse de Cecília por João, é logo premeditado pela mãe como algo que pode acabar em tragédia.


Em Salomé, o Loló é um elixir do amor, que traz cenas de sexo que superam qualquer tipo de convenção ou normatividade. O diretor filma os corpos banhados por uma luz verde, a mesma cor do fluido que provoca sensações por hora prazerosas, e outras monstruosas.


O filme exalta a fotografia como forma de arte, é numa dessas sessões, onde Cecília deve invocar Salomé, é que a personagem começa a se manifestar. Todos os indícios da peça e da passagem bíblica, passam então a ganhar novas nuances, com uma história que também fala de maternidade, almas, fetiches e prostituição.

André Antônio, que também assina o roteiro conta que o maior desafio ao escrever foi transpor essa mítica personagem para um cenário bem específico: Recife, sua cidade. “Meu filme não é uma adaptação da peça de Wilde, apenas toma a peça como ponto de partida. O conflito entre alguém cosmopolita e descolada como Cecília e o universo suburbano e provinciano da sua família - conflito sem dúvida compartilhado por muitas existências queer - é algo que permeia o filme através de situações e sensações que vêm da minha própria história pessoal como alguém que veio de uma família pobre mas que acabou, pelos acasos e sortes da vida, realizando o sonho de fazer filmes.”

Em SALOMÉ, finalmente há personagens e um elenco trans protagonizando uma narrativa que não é sobre a experiência da transição de gênero e da violência advinda do preconceito, temas aos quais essas artistas trans são sempre associadas, não lhes permitindo voos em outras propostas estéticas.


Com visuais e figurinos de tirar o fôlego, uma narrativa bem amarrada, Salomé entrega suspense, melodrama, luxúria, e um final para gravar na memória. É um triunfo underground e cintilante, que busca com suas luzes estroboscópicas e trilha atmosférica, uma nova leitura ao clássico escrito por Oscar Wilde, em 1893. 

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