quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Companheiros de Viagem (Fellow Travellers, EUA, 2023)

Washington, DC, 1952. Hawkins Fuller (Matt Bomer), heroi de guerra, um oficial do Departamento de Estado e com o influente senador Wesley Smith (Linus Roache) como padrinho, está bem posicionado para o sucesso na carreira. Encontros sexuais secretos casuais são, para ele, o nome do jogo. Com McCarthy e o infame Roy Cohn (Will Brill) tendo declarado guerra aos “subversivos e desviantes sexuais" , a homosexualidade pública de Fuller é mantida firmemente no armário com conexões emocionais sob controle. Até que ele conhece o mais jovem e bonito Tim Laughlin (Jonathan Bailey), ingênuo, idealista, católico e trabalhando como auxiliar no escritório de McCarthy (Chris Bauer).

A voz do senador Joseph McCarthy vem do rádio: Existiam teorias da conspiração em torno dos homossexuais; McCarthy e o Secretário de Estado John Peurifoy alertam para um “submundo homossexual” que está a promover a alegada conspiração comunista mundial; Além do medo do “perigo vermelho” veio o “perigo pervertido” ou “susto lavanda”. É por isso que, a partir da década de 1950, os homossexuais foram investigados em todo o país.


Companheiros de Viagem, de Ron Nyswaner, lança luz sobre este capítulo sombrio da história americana. Dado o clima social restritivo, os personagens lidam com sua orientação sexual de forma muito diferente. Fuller frequenta banheiros de bares.  Depois de conhecer Laughlin e conseguir um emprego para ele no Estado, ele ainda insiste em raramente, ou nunca, aparecerem juntos em público. Laughlin inicialmente luta contra sua fé cristã. Mais tarde, porém, ele admite seu amor por Fuller e anseia por mais do que apenas encontros secretos.


O showrunner Ron Nyswaner estende a “leitura queer” da história cultural americana ao passado político dos EUA. Isto anda de mãos dadas com o fato das especulações se transformarem em fatos narrativos. O advogado de McCarthy, Roy Cohn, e o próprio McCarthy são interpretados como gays enrustidos cuja sexualidade é usada como alavanca num complexo jogo de poder. Fuller, que trabalha para um senador rival, chantageia os oponentes com fotos comprometedoras.


Frequentes e picantes cenas de sexo entre os homens,  naturalizam a homossexualidade, o que não era considerado na época, embora alguns momentos dos primeiros episódios pareçam mais soft porn do que uma série de drama.


Ambientada durante 30 anos, a série conta como os dois se reencontram na década de 1980, durante a crise sanitária da AIDS. Fuller agora é casado, tem filhos e vive em um subúrbio conservador, enquanto Laughlin está morrendo em um apartamento em São Francisco e só é cuidado por sua irmã. Quando Fuller fica sabendo da saúde debilitada de companheiro, ele imediatamente viaja para vê-lo. As velhas feridas da abnegação e da negação dos outros reabrem mesmo depois de anos. Na década de 1980, a questão da coragem moral apresentou-se de uma forma diferente. 


Adaptado do romance de 2007 ,de Thomas Mallon,  o tom da série oscila de forma semelhante entre nostalgia e paranoia. Ali, onde os amantes estão completamente consigo mesmos, a utopia do amor brilha brevemente. Isto se deve principalmente à grande interação entre os atores Matt Bomer e Jonathan Bailey . Quando os dois estão na mesma sala, há uma tensão no ar que, sem controle, irrompe de forma violenta, erótica ou terna. 


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segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

TOP 10 BRUCE LABRUCE

Pela estreia de “O Intruso” no Brasil, via Imovision, por sua homenagem no Festival MixBrasil, e por tudo mais, já era hora de fazer um TOP 10 do Bruce LaBruce. Conhecido por seu trabalho transgressor e provocativo, o canadense é um dos maiores expoentes do cinema queer underground, abordando em suas produções temas como desejo, subversão e liberdade sexual. Seu estilo cinematográfico, rompe o sistema normativo, com uma abordagem crua e ousada de uma forma única.


10 - L.A. Zombie (EUA/Alemanha, 2010)



O zumbi extraterrestre, que emerge do mar, interpretado pelo astro pornô francês, François Sagat, com seu avantajado falo, pode trazer pessoas mortas de volta à vida - enfiando a parte nas feridas e depois ejaculando sobre o corpo. O diretor mistura zumbis e pornografia para emoldurar a figura do homossexual.


09 - No Skin off my ass (Canadá, 1991)



Primeiro longa do diretor é um dos grandes exemplos presentes no movimento New Queer Cinema por transgredir padrões culturais e tabus sexuais, além de romper com a heteronormatividade. Filmado em preto & branco, e em 8 mm, se tornou um filme cult e curiosamente era favorito de Kurt Cobain.

08 - The Raspberry Reich (Alemanha, 2004)


Uma gangue queer liderada pela revolucionária Gudrun sequestra Patrick, filho de um homem rico mas que não pagará um centavo por ter descoberto que o filho é gay. Em meio a cenas de sexo e discursos inflamados sobre a revolução homossexual o diretor insere letreiros perturbadores numa montagem frenética que lembra a linguagem de videoclipe.


07 - The Misandrists (Alemanha, 2017)


LaBruce, que frequentemente trabalha na Alemanha escalou a atriz e colaboradora cotidiana Susanne Sachße como Gertrudes, também conhecida como Big Mother. Fundadora do Exército de Libertação Feminina, um pequeno grupo separatista radical, ela preside uma casa cheia de professoras bizarras e mulheres mais jovens que se vestem de freiras e colegiais sempre que as autoridades locais aparecem.


06 - Hustler White (Canadá/Alemanha, 1996)


Em 1996, junto de Rick Castro, LaBruce realizou O Michê vestia Branco, um filme erótico que explorava a figura dos garotos de programa de Los Angeles, com cenas de nudez, sexo explícito e uma boa dose de bizarrices. Lindo, Tony Ward, conhecido na época por ser toy boy de Madonna, interpreta o protagonista, Montgomerry. Seu corpo escultural é explorado a exaustão e cobiçado por Jurgen, que passa a persegui-lo para devolver uma camiseta ensanguentada.




Em Otto; ou viva gente morta, Bruce LaBruce, usa os zumbis como uma moldura para a homossexualidade. O longa conta a história de Otto (Jey Crisfar), um zumbi homossexual que ressuscita dos mortos, vaga por Berlim, come animais e atrai garotos. Sexo, vísceras e carnificina chamam a atenção da cineasta sociopolítica lésbica, Medea Yarn, que resolve explorar o caso.


04 - Pierrot Lunaire (Alemanha/Canadá, 2014)


O cenário é Berlim 1978; Pierrot Lunaire conta a história de Pierrot (Susanne Sachøe) como um trans homem que deseja se casar com sua amante, Columbine (Maria Ivanenko), mas quando o pai "porco capitalista" de Columbine descobre que Pierrot nasceu como uma mulher , ele fica indignado e os proíbe de se verem novamente. 


03 - The Visitor (Reino Unido, 2014)


Pasolini. Blasfêmia. Sexo Explícito. Humor e Crítica Social. Com O Intruso, LaBruce explora a chegada de um misterioso refugiado à vida de uma família rica em Londres. O visitante, cuja origem e propósito são incertos, abala os alicerces da família ao envolver-se em relações sexuais explícitas com cada um dos seus membros, desencadeando uma série de revelações e caos.


02 - Saint Narcisse (Canadá, 2020)


Saint Narcisse, é um dos trabalhos mais bonitos de Bruce LaBruce, é original, belo e esteticamente coerente e eroticamente delicado, além de nos apresentar um roteiro bem elaborado e bastante criativo ao criticar a igreja, e falar de fé, incesto e narcisismo.


01 - Gerontophilia (Canadá, 2013)


Em Gerontophilia, Bruce LaBruce troca o sexo explícito e escatologias por um romance inusitado. Lake(Pier-Gabriel Lajoie) é um jovem de 18 anos que tem uma namorada, porém descobre uma atração por homens não mais velhos, mas idosos. Um dia ele se candidata para uma vaga em uma casa de repouso, onde pode lidar com os pacientes e de certa forma satisfazer seus desejos. Quando conhece o Sr. Peabody(Walter Borden) cria afeto, além de atração sexual.


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sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Linda (Argentina/Espanha, 2024)

Linda, a estreia na direção de um longa-metragem, de Mariana Wainstein, utiliza uma premissa muito parecida com o clássico Teorema (1968), de Pasolini.  O filme apresenta uma narrativa envolvente sobre uma família abastada aparentemente perfeita e a mulher que chega inadvertidamente expõe as rachaduras em sua fachada. 

Linda (Eugenia “China” Suárez) é contratada como empregada doméstica para substituir sua prima, que está se recuperando de uma lesão. A família para a qual ela vai limpar é extremamente rica. É Luisa (Julieta Cardinali), a matriarca da família, quem conhece Linda pela primeira vez. O tempo que passam juntas é agradável e profissional, mas a tensão sexual começa a ficar palpável. O resto da família, o pai Camilo (Rafael Spregelburd), a filha Matilda (Minerva Casero) e o filho Cefe (Felipe Otaño), todos caem em um feitiço semelhante quando Linda olha para eles


A protagonista entra nos interiores brilhantes de uma casa em Buenos Aires como mais do que apenas uma empregada doméstica substituta. Ela é uma força transformadora que imediatamente energiza a dinâmica doméstica. Linda entra no mundo da família rica como um ciclone silencioso, sua presença afeta imediatamente todos os relacionamentos.


Linda provoca reações distintas de cada membro da família, mas todos compartilham uma atração quase hipnotizante por ela. A conexão mais profunda se forma com Luisa, a mãe da família. O relacionamento delas progride da hostilidade inicial para uma compreensão íntima.



O longa tece uma rede sexual, socioeconômica e de poder que emerge com uma crítica matizada do relacionamento entre uma família e a ajuda contratada.  O ritmo lento e intencional do filme e os movimentos rítmicos da câmera ajudam a intensificar a ação magnética que Linda emana ao seu redor.

A fotografia de Marcos Hastrup é brilhante, aproveitando bem a variedade de tomadas para destacar os da casa, piscina e jardins, além de detalhar a ação dramática com alguns closes. A cinematografia transforma o filme em uma sinfonia visual de emoções reprimidas e tensão elétrica. 


O tema central da narrativa é a dinâmica de poder. Linda não se infiltra simplesmente na casa; ela desmantela meticulosamente sua estrutura hierárquica. Sua indiferença intencional se torna uma arma, interrompendo relacionamentos típicos entre empregador e empregado. Ela transforma o anseio da família em uma arma, tornando-os vulneráveis ​​e dependentes, ao mesmo tempo em que mantém completo distanciamento emocional.


Linda é uma releitura livre de Deolinda Correa, uma famosa história sul-americana de uma mulher que atravessou o deserto com seu bebê em busca do marido. Diz a lenda que ela morreu de fome e sede, mas o bebê sobreviveu porque o peito de Deolinda ainda estava produzindo leite. Enquanto a versão de Linda envolve algum sacrifício porque ela tem que deixar seu filho para trás, o filme reformula a história como uma história de desejo e transformação.



quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Nighthawks (Reino Unido/Alemanha Ocidental, 1978)

CRÍTICA | Nighthawks: Entre a marginalização e a liberdade do desejo

Por José Marcelo Morato 

Nighthawks é um artefato cinematográfico e culturalmente fascinante que captura um momento muito específico da história queer britânica: o ano é 1978, onze anos após a aprovação do Sexual Offences Act de 1967, que descriminalizou parcialmente os atos homossexuais entre homens com 21 anos ou mais, desde que ocorressem de maneira privada e consensual, e há apenas três anos do advento da epidemia de HIV/AIDS. Nesse contexto, o diretor britânico Ron Peck oferece não apenas um reflexo de sua época, mas também um testemunho das tensões e transformações que moldaram a identidade queer no Reino Unido. 

O filme investiga as fronteiras entre liberdade sexual e medo do desconhecido, além de abordar a marginalização e o desejo de aceitação das identidades dissidentes na sociedade inglesa. Com uma abordagem quase documental, a direção de Ron Peck e a fotografia de Joanna Davis constroem uma obra experimental que combina drama e reflexões sobre a vida noturna, identidade sexual e busca por conexão, capturando com sensibilidade o cenário urbano de uma Londres em transformação, em meio a intensas mudanças sociais e culturais. 

Derek Jarman, figura central na cena cinematográfica queer britânica, contribuiu significativamente no elenco para o feito de Nighthawks. Participando do do filme, ele retrata a vida noturna queer de Londres com uma sensibilidade única. Sua performance, marcada por intensa emoção, reforça seu estilo de abordar temas pessoais e políticos, consolidando sua relação com o cinema independente britânico da época. Mais do que uma mera participação, a atuação de Jarman - seja como artista ou colaborador criativo - simboliza o cinema como espaço de insurgência. Identidades queer encontram ali voz e imagens para expressar histórias marginalizadas, desafiando normas estabelecidas. Sua presença no filme também reafirma o papel do cinema queer como um movimento estético e social, que ressignifica narrativas e projeta novas possibilidades de existir e resistir. 


O protagonista Jim, interpretado com uma contenção intensa por Ken Robertson, é o espelho vivo dessa contradição. Dividido entre seu trabalho como professor em uma escola secundária - um espaço inescapavelmente heteronormativo - e o vibrante, porém vulnerável, mundo dos bares e discotecas da emergente vida noturna queer da Londres dos anos 1970. Durante o dia, Jim apresenta-se como um homem discreto e profissional. Ele é respeitado pelos alunos e colegas, mantendo uma postura que reflete o decoro esperado de um educador. No entanto, há um subtexto de distanciamento emocional em suas interações na escola. Embora Jim seja competente e dedicado, ele quase nunca permite que os outros se aproximem de verdade. Essa separação é uma estratégia de autopreservação, já que revelar sua sexualidade em um ambiente predominantemente heteronormativo poderia trazer consequências profissionais e sociais severas. No entanto, sua aproximação com a também professora secundarista Judy (Rachel Nicholas James), Jim começa a experimentar outras relações sociais. A relação entre ela e Jim começa como uma amizade que, ao longo do filme, revela camadas de uma conexão mais complexa, marcada pela busca por intimidade e pela luta contra os padrões heteronormativos. A vida não-normativa de Jim faz Judy repensar seu papel como mulher na sociedade britânica, confrontando as limitações impostas pelas expectativas sociais. Isso a leva a questionar a repressão e as normas de gênero, estimulando uma reflexão sobre sua liberdade de expressar desejos e identidade fora do conformismo social. 


À noite, nos clubes e bares gays, Jim adota um comportamento mais descontraído e em busca de intimidade com outros rapazes, mas ainda assim marcado por um senso de reserva emocional. As conversas despretensiosas, embora regadas pela música alta e pelas luzes neon que dominam os espaços noturnos, muitas vezes, são permeadas por uma sensação de efemeridade. As conexões que ele tenta estabelecer são frequentemente superficiais, limitadas a encontros casuais que não oferecem o tipo de vínculo emocional profundo que ele deseja, mas hesita em buscar de forma direta. Essa dualidade é emblemática da experiência de muitos homens gays da época, que precisavam equilibrar a conformidade com as expectativas sociais e a busca por autenticidade em suas vidas privadas. Assim, nota-se que Jim é um retrato autêntico de uma vida vivida em compartimentos estanques, uma vida em que a autoaceitação é um privilégio que ele mal ousa tocar. 



Nessa Londres Pré-HIV/Aids, Peck cria um contraponto ao "universo queer", excessivamente, fetichizado e estereotipado de Cruising (1980), do cineasta estadunidense William Friedkin, oferecendo, em vez disso, um retrato cru e profundo das forças psicológicas e sociais que coagem homens gays a existirem em um limbo, entre a fachada e o anseio pela autenticidade de sua sexualidade. Peck e o roteirista Paul Hallam optam por um realismo quase documental, que insere o espectador em uma narrativa sem artifícios ou glamourização, um cenário em que o peso do armário é traduzido em olhares furtivos, diálogos hesitantes e uma busca por conexão que, paradoxalmente, permanece restrita ao anonimato. Peck não procura provocar nem dramatizar; ele permite que Jim transite por seus dias e noites com uma normalidade entorpecida, expondo o espectador a uma intimidade que, de maneira irônica, reflete a completa impossibilidade de ser genuinamente íntimo. A atmosfera quase insular do filme faz com que Londres pareça uma bolha de tensão latente e resignação, cada espaço que Jim ocupa parece marcá-lo com o peso de uma vida reprimida, uma existência construída na aceitação passiva da marginalização. Dessa maneira, o filme desafia o espectador a perceber, sentir o desconforto e, até talvez, refletir sobre as rachaduras que o preconceito social e o silêncio de suas vítimas causam no processo da experiência humana. 


Além de sua contribuição narrativa e estética, o som exerce uma função essencial na construção das cenas noturnas nos bares e discotecas queer que Jim frequenta. Os sons diegéticos, como as jukeboxes, as conversas abafadas e o som das pistas de dança, são elementos que não apenas situam o espectador no ambiente londrino da época, mas também criam uma experiência sensorial imersiva, permitindo uma conexão direta com a vida noturna e social do protagonista. Esses sons, provenientes diretamente do espaço diegético (ou seja, dentro do universo da narrativa), desempenham um papel vital em revelar a complexidade da identidade de Jim e as dinâmicas sociais de sua vivência.


A sobrecarga de sons - desde o som do público conversando até os ritmos pulsantes da música eletrônica e disco - sugere a efemeridade das conexões e encontros nas cenas sociais. Aqui, o som funciona como um símbolo do dinamismo externo desses ambientes, ao mesmo tempo em que ressalta a solidão interna de Jim, que permanece afastado e distante, mesmo cercado por outras pessoas. Ainda mais, os sons presentes na trilha sonora de Nighthawks ecoam a estética das bandas indie britânicas do final dos anos 1970, refletindo um momento de grande experimentação musical. O movimento indie, com suas influências do pós-punk e do new wave, estava começando a ganhar força, com o uso de sintetizadores e outras texturas eletrônicas que simbolizavam uma ruptura com os padrões musicais tradicionais. Essa estética experimental ressoava com o espírito de transformação cultural da época e com a tensão entre liberdade e repressão nas questões de sexualidade e identidade. Ao incorporar esses sons, o filme não só insere seu protagonista dentro de um momento cultural específico, mas também dialoga com as mudanças sociais e políticas que estavam sendo vividas naquele período. Assim, Nighthawks se torna um exemplo de como o som no cinema não é apenas um recurso de ambientação, mas um elemento fundamental na construção da narrativa, ajudando a expressar a complexidade da identidade, da solidão e da busca por pertencimento. 


Para aqueles interessados em entender como o cinema reflete e questiona o contexto histórico e social, Nighthawks se apresenta como uma obra essencial do cinema queer. A produção não apenas explora as contradições de sua época, mas também incita uma análise profunda sobre os desafios contemporâneos ligados à liberdade sexual, à discriminação contra minorias e à luta por respeito e inclusão das diversas identidades na sociedade. Com uma narrativa marcada, muitas vezes, pelo silêncio e repleta de subtextos, a obra transcende seu tempo, funcionando como um espelho e, simultaneamente, um catalisador para discussões a respeito de gênero e de sexualidade. 


Desse modo, ao desbravar o território entre o acolhimento e a marginalização, o filme convida o público a reavaliar suas próprias percepções e a refletir sobre o caminho ainda a ser percorrido na luta por um futuro mais inclusivo e compreensivo. Para os amantes do cinema e os estudiosos da cultura queer, Nighthawks é uma peça essencial, capaz de abrir novas portas para discussões que permanecem tão relevantes hoje quanto há 40 anos.




quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Out (Países Baixos, 2024)

'Out', de Dennis Alink, segue Tom (Bas Keizer) e Ajani (Jefferson Yaw Frempong-Manson), que estão secretamente em um relacionamento. Eles vivem em Twente, uma cidade que não é muito favorável à pessoas LGBTQIA+. O filme tem um forte caráter autobiográfico, já que o próprio Alink cresceu como pessoa queer em Twente, na Holanda.

Uma vez morando em Amsterdã, eles são incluídos em um grupo de pessoas LGBTIQA+ que conhecem enquanto saem. Dentro desse grupo, Fernando (Fjodor Jozefzoon) e Julian (Robbert Rodenburg) desempenham um papel especialmente importante. Gradualmente fica claro que a cena gay de Amsterdã combina melhor com Ajani do que com Tom e a questão é se o relacionamento deles sobreviverá.


Tom percebe que os dias em que ele e Ajani faziam curtas-metragens juntos, sozinhos, já se foram. Eles começam a se distanciar e começam suas próprias jornadas para construir suas identidades na vida inebriante da cidade grande.


O diretor Dennis Alink conta com arte a história de revelação de seus personagens, não apenas por sua sexualidade, mas também por seus lugares na cultura gay e nas comunidades holandesas. Apesar do cenário do filme, a história é universal.


Lindamente filmado em preto e branco, a produção  conta uma história cativante sobre jovens queer tentando descobrir onde eles pertencem no mundo. O filme apresenta performances fantásticas dos dois atores principais, retratando os jovens personagens que enfrentam as novas cenas gays emocionantes e confusas.


Uma jornada tão selvagem de amadurecimento em que os protagonistas provincianos têm que lutar pela liberdade não é nada novo, mas Alink trilha o caminho do gênero já percorrido com diálogos espirituosos e muito talento visual.



terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Salomé (Brasil, 2024)

Cecília (Aura do Nascimento), uma jovem modelo de sucesso, retorna a Recife, sua cidade-natal, para passar o natal com a mãe. Certa noite, um vizinho que ela não vê há muito tempo, João, lhe mostra um misterioso frasco contendo uma substância verde tóxica. Cecília começa a se apaixonar por João (Fellipy Sizernando), mas também descobre que ele está envolvido com uma estranha seita ao redor da figura de Salomé, a sanguinária princesa bíblica.

Com essa premissa, o pernambucano, André Antônio, do coletivo Surto &Deslumbramento, realiza seu segundo longa. Ele volta seu olhar para referências, como José Mojica Marins, Derek Jarman, Kenneth Anger, Julio Bressane, para subverter a mítica figura de Salomé e a levar para Recife.

Renata Carvalho é Helena, a mãe devota à filha, e a todos os santos, o que traz boa parte da iconografia religiosa que o filme utiliza. O interesse de Cecília por João, é logo premeditado pela mãe como algo que pode acabar em tragédia.


Em Salomé, o Loló é um elixir do amor, que traz cenas de sexo que superam qualquer tipo de convenção ou normatividade. O diretor filma os corpos banhados por uma luz verde, a mesma cor do fluido que provoca sensações por hora prazerosas, e outras monstruosas.


O filme exalta a fotografia como forma de arte, é numa dessas sessões, onde Cecília deve invocar Salomé, é que a personagem começa a se manifestar. Todos os indícios da peça e da passagem bíblica, passam então a ganhar novas nuances, com uma história que também fala de maternidade, almas, fetiches e prostituição.

André Antônio, que também assina o roteiro conta que o maior desafio ao escrever foi transpor essa mítica personagem para um cenário bem específico: Recife, sua cidade. “Meu filme não é uma adaptação da peça de Wilde, apenas toma a peça como ponto de partida. O conflito entre alguém cosmopolita e descolada como Cecília e o universo suburbano e provinciano da sua família - conflito sem dúvida compartilhado por muitas existências queer - é algo que permeia o filme através de situações e sensações que vêm da minha própria história pessoal como alguém que veio de uma família pobre mas que acabou, pelos acasos e sortes da vida, realizando o sonho de fazer filmes.”

Em SALOMÉ, finalmente há personagens e um elenco trans protagonizando uma narrativa que não é sobre a experiência da transição de gênero e da violência advinda do preconceito, temas aos quais essas artistas trans são sempre associadas, não lhes permitindo voos em outras propostas estéticas.


Com visuais e figurinos de tirar o fôlego, uma narrativa bem amarrada, Salomé entrega suspense, melodrama, luxúria, e um final para gravar na memória. É um triunfo underground e cintilante, que busca com suas luzes estroboscópicas e trilha atmosférica, uma nova leitura ao clássico escrito por Oscar Wilde, em 1893. 

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

O Professor (English Teacher, EUA, 2024)

Criado, escrito, dirigido e estrelado por Brian Jordan Alvarez, como Evan Marquez, “O Professor”  é uma aula de como fazer uma sitcom. A atração eleva questões como direitos LGBTQIA+, política de armas e liberdade acadêmica, além de pessoas navegando pelas vivências cotidianas.

A série tece com humor inteligente comentários sociais. Ela aborda tópicos importantes do domínio do educador, mas sem didatismo. Em vez disso, as questões emergem das diversas perspectivas dos personagens.


Embora não sejam os protagonistas, os estudantes evitam qualquer tipo de clichê. Sua maturidade oscila entre o cinismo e a inocência natural da juventude, com atitudes mudando, mas mantendo a ideologia inconstante do que das contradições da vida. 


Enquanto Evan navega pelos seus relacionamentos, especialmente com o excêntrico Malcom (Jordan Firstman), questões dentro e fora da escola são abordadas, de um ponto de vista livre de julgamentos e aberto a reflexões. A drag superstar Trixie Mattel faz uma participação.


Embora seja uma obra direcionada e que principalmente agradará o público LGBTQIA`+, "O Professor" se destaca rapidamente por meio de narrativas, priorizando substância e habilidade em vez de um humor fácil. A série apresenta uma história promissora, e uma representatividade dos 35+ que dialoga muito bem na vibrante trilha sonora.


"O Professor" tem muito em comum com "Abbott Elementary" . Essa série também enfocou a influência da política no cenário de uma escola primária. E enquanto a "Abbott Elementary" frequentemente se concentrava na desigualdade de classes nas escolas públicas, "O Professor" se concentra mais, porém não exclusivamente, em tópicos LGBTQIA+.