segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Bird (Reino Unido/EUA/França, Alemanha, 2024)

Bailey ( Nykiya Adams) vive em uma família fraturada nos arredores de uma cidade costeira no sul de Londres com seu irmão Hunter ( Jason Buda ) e seu jovem pai desempregado Bug ( Barry Keoghan ). Sua mãe ( Jasmim Jobson ), que mora em outra casa com três dos outros irmãos mais novos de Bailey, praticamente a abandonou com o pai, para iniciar um relacionamento com um parceiro abusivo com quem Bailey entra em conflito continuamente.

O filme mergulha profundamente na experiência de crescer em um ambiente desfavorável, explorando a vida de uma menina de 12 anos, abordando temas como abandono, busca por liberdade, e a transição da infância para a adolescência, abraçando a luta de Bailey para encontrar seu lugar em um mundo onde as chances parecem escassas.

A presença de Bird, um personagem enigmático e etéreo, interpretado por Franz Rogowski,, adiciona uma camada de fantasia à narrativa, oferecendo uma fuga ou talvez uma visão mais otimista da realidade para Bailey.


Andrea Arnold mantém seu selo de realismo social, característico de seus filmes anteriores, mas com "Bird" ela incorpora elementos de fantasia, criando uma mistura que tanto surpreende quanto emociona. A fotografia, assinada por Robbie Ryan, utiliza contrastes altos e uma estética que oscila entre o realismo cru e momentos de beleza etérea, refletindo a dualidade da vida de Bailey.




Nykiya Adams brilha como Bailey, trazendo uma autenticidade e vulnerabilidade que tornam a personagem palpável e cativante. Sua performance, ao lado do magnetismo de Franz Rogowski como Bird, cria uma dinâmica que é ao mesmo tempo bizarra e profundamente humana. 


O personagem Bird, desafia as normas de gênero tradicionais. Ele usa saias, o que sugere uma fluidez de gênero ou pelo menos uma desconformidade com as expectativas tradicionais de masculinidade. A relação entre Bailey e Bird é carregada de uma cumplicidade que pode ser interpretada como uma formação de fraternidade queer. 


O filme explora a vida de personagens que vivem à margem da sociedade. Esses elementos combinados criam uma narrativa rica em simbolismo e subtexto queer, destacando a capacidade de Arnold de explorar temas complexos de identidade, comunidade e pertencimento de maneiras que são tanto visíveis quanto sutis.


"Bird" é um filme que, ao mesmo tempo, reflete a dura realidade de muitos jovens e oferece uma janela para a esperança e a imaginação. É uma narrativa que se propõe a transcender os limites do realismo social, buscando na fantasia uma forma de resistência e libertação. 


TOP 10 FILMES LGBTQIA+ 2024

 

Lista é lista! É pessoal e gera debate e desacordo. Eis que com muito esforço, consegui eleger os meus 10 favoritos de 2024, que foi um ano marcado por narrativas, não apenas queer, mas que saíram da caixa.

2024 foi lindo para o cinema queer, com filmes ganhando visibilidade por todos os lados.  Foi um ano onde nosso cinema mais uma vez ganhou reconhecimento internacional e que filmes de temática LGBTQIA+ tiveram mais espaço, tanto em festivais, quanto nas Salas de Cinema, ainda que com distribuição limitada.


A lista inclui filmes de 2023 e 2024, majoritariamente lançados esse ano, e alguns ainda inéditos em circuito.


10 - Love Lies Bleeding - O Amor Sangra(Love Lies Bleeding, Reino Unido/ EUA, 2024)



Juntas, Kristen Stewart e Katy O’Brian, as mulheres do filme de Rose Glass, explodem com uma paixão que não é mostrada apenas em suas cenas de amor, mas com a conexão de seus espíritos. Lou e Jackie imediatamente apoiarão uma à outra, não importa o que aconteça. 




Salão de Baile, de Juru e Vitã, oferece um olhar da favela para a cultura ballroom. Originária das comunidades periféricas de Nova York, essa manifestação artística ganhou o mundo, mas demorou para que tal visibilidade chegasse, mesmo com um hino POP que a exaltava.


"Emilia Pérez", de Jacques Audiard, é uma história de transformação. A música permite que os personagens transcendam limitações e voem alto por ambientes obscuramente iluminados pela fotografia de Paul Guilhaume. Ela traz a mensagem abrangente da história de empoderamento por meio da autenticidade.


07 - Sem Coração (Brasil/França/Itália, 2023)



O filme, de Tião e Nara Normande,  é um microcosmo da própria vida repleto de momentos únicos e inesquecíveis, retratando um espectro de experiências humanas, da alegria à tristeza, da perda ao ganho, do medo do desconhecido à descoberta do amor profundo.



A animação em stop-motion, de Adam Elliot, se desenrola na Austrália dos anos 1970 e acompanha a vida de Grace Pudel, uma jovem melancólica e colecionadora de caracois, romances e porquinhos-da-índia. Após a morte prematura de sua mãe durante o parto, Grace e seu irmão gêmeo, Gilbert, são criados por seu pai, Percy, um ex-jongleur paraplégico e alcoólatra. A tragédia volta a assombrar a família quando Percy morre, levando à separação dos irmãos, que são enviados para lares adotivos diferentes.



O filme conta a história de um artista drag queen chamado Jules (Nathan Stewart-Jarrett), que se torna alvo de um ataque homofóbico nas mãos de Preston (George MacKay) e seu grupo de amigos. Meses depois, Jules reconhece seu agressor em uma sauna gay e decide se vingar.


04 - Todos nós Desconhecidos (Reino Unido/EUA, 2023)



Muita gente não irá concordar, eu, porém convivo com o luto desde a infância e a conexão com o personagem Adam, de Andrew Scott foi imediata. O longa de Andrew Haigh é um acerto de contas com o passado, mas também um conto sombrio e melancólico sobre solidão e lidar com traumas.


03 Queer (Itália/EUA, 2024)



Com "Queer", Luca Guadagnino cria uma das adaptações literárias mais ousadas da memória recente. Ele pega a estranha e inacabada obra dw William Burroughs e a transforma em uma experiência cinematográfica sensorial, quase palpável que supera o livro. O filme permanece intensamente íntimo. Nas mãos habilidosas do diretor, "Queer", que pode ser considerado seu melhor trabalho até agora, transcende suas origens não convencionais para se tornar um retrato assustador da obsessão humana

02 - Baby(Brasil/França/Países Baixos, 2024)



"Baby", o segundo longa-metragem do diretor Marcelo Caetano, conhecido por "Corpo Elétrico",  narra a história de Wellington, um jovem recém-libertado de um centro de detenção para menores, que se encontra perdido e sem rumo pelas ruas de São Paulo. Em um cinema pornô, Wellington, agora apelidado de "Baby", conhece Ronaldo, um garoto de programa mais experiente que o toma sob sua proteção para ensiná-lo as artimanhas da sobrevivência na cidade.


01 - Caminhos Cruzados (Crossing, Suécia/Dinamarca/França/Turquia/Geórgia, 2024)


Em uma jornada de autodescoberta e aceitação, duas mulheres de gerações distintas se encontram por acaso. Uma delas, uma jovem transgênero que presta assessoria a outras mulheres trans em Istambul, e a outra, uma mulher mais velha que busca pela sobrinha desparecida, uma mulher trans renegada na Georgia. Juntas, elas embarcam em uma viagem emocional que as leva a explorar seus próprios caminhos cruzados, enfrentando preconceitos, descobrindo segredos familiares e encontrando uma conexão profunda que transcende as barreiras sociais.


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quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Baby (Brasil/França/Países Baixos, 2024)


"Baby", de Marcelo Caetano, ambientado no centro de São Paulo, narra a história de Wellington, (João Pedro Mariano), um jovem recém-libertado de um centro de detenção para menores, que se vê sem rumo nas ruas da cidade após seus pais terem se mudado sem deixar vestígios.

A trama se desenvolve quando Wellington, apelidado de "Baby", visita um cinema pornô e conhece Ronaldo, vivido por Ricardo Teodoro, um garoto de programa mais experiente que se torna uma figura paternal e, eventualmente, um interesse amoroso para Wellington. A relação entre os dois é complexa, cheia de contradições, oscilando entre proteção e exploração, cumplicidade e ciúmes.


"Baby" é um retrato vibrante da juventude marginalizada tentando sobreviver no ambiente urbano de São Paulo. O filme explora temas como solidão, a busca por identidade e a formação de novas famílias em contextos de abandono e marginalidade. A direção de Caetano traz uma abordagem sensível e meticulosa, explorando as nuances das relações humanas, o desejo e a vulnerabilidade em meio ao caos da metrópole.


A performance dos atores, especialmente de Ricardo Teodoro, que recebeu o prêmio de Melhor Ator Revelação em Cannes, adiciona profundidade e humanidade aos personagens. Além disso, "Baby" foi reconhecido em outros festivais, como no Festival de Lima, onde foi eleito como Melhor Filme LGBTQIA+, e no Festival de San Sebastián, onde recebeu o prêmio Sebastiane Latino como Melhor Filme Latino Queer do Ano.




Personagens coadjuvantes como a de Ana Flavia Cavalcanti como Priscilla e Bruna Linzmeyer como Jana mostram as famílias como uma tábua de salvação. É aqui que o diretor volta ao seu aclamado "Corpo Elétrico (2017)", e trata novamente sobre famílias escolhidas.


 Em "Baby", as sequências se desenvolvem entre os perigos das ruas, o tráfico de drogas, as boates gays, a vingança e os ambientes familiares semi-desestruturados. Há uma cena, na famosa boate Bailão, cuja Marcelo Caetano, já havia realizado um curta sobre.


Os diretores de fotografia Joana Luz e Pedro Sotero enquadram São Paulo em toda a sua beleza e feiura. As tomadas se prolongam para capturá-la, de vitrines coloridas a multidões navegando por ruas estreitas. 


"Baby" é uma obra que ecoa com sua análise de relações humanas, afeto e resistência na comunidade queer no Brasil, enquanto  normaliza experiências LGBTQIA+ que ainda enfrentam opressão no mundo todo. Personagens simplesmente vivem como são, encontrando laços que elevam seus espíritos. 



Elton John: Never too Late (EUA/Reino Unido, 2024)

"Elton John: Never Too Late" é um documentário biográfico eletrizante, comovente e esclarecedor sobre o lendário cantor/compositor e pianista Elton John. Os codiretores RJ Cutler e David Furnish, marido de Elton, combinam filmagens de arquivo, imagens contemporâneas, fotografias, animações entrevistas e filmagens de shows para mapear a ascensão de Elton John à fama, sua infância traumática até sua turnê de despedida Farewell Yellow Brick Road Tour.

Apesar de falar muito sobre as lutas emocionais do artista, o filme não se detém nelas; é mais sobre sua resiliência e como ele conseguiu vencer as adversidades, apesar de vir de um lar abusivo. Ele discute abertamente sua sexualidade e como ele nem mesmo a explorou e descobriu até os 20 e poucos anos.

Ao se preparar para escrever suas memórias , Elton John teve uma série de conversas com o jornalista Alexis Petridis. Os cineastas utilizam suas  declarções ao longo do filme. Um breve lembrete de sua popularidade durante o início dos anos 1970: ele gravou 13 álbuns entre 1970-1975, com sete discos alcançando o primeiro lugar nas paradas da Billboard. 


O filme fala sobre se assumir na década de 1970 e as repercussões negativas iniciais que isso teve em sua carreira. Mas ele fala sobre sua determinação em permanecer fiel a si mesmo, não importando as consequências. As conversas abordam sexo e pornografia. O vício também é um grande tópico do filme. Elton John que está limpo e sóbrio desde 1990, fala sobre seu uso de cocaína e não hesita em analisar os aspectos bons e ruins de sua experiência.


O documentário concentra-se naturalmente nos grandes sucessos, mas também se concentra en sua relevância atemporal, que é ainda mais enfatizada ao mostrar um encontro com Dua Lipa ou preparando a versão de Hold Me Closer, um dueto com Britney Spears, no estúdio. 


Do vazio do estrelato à descoberta de propósito por meio da família e da sobriedade, sua jornada oferece inspiração.  Ao entrelaçar o brilhantismo passado de Elton com suas reflexões posteriores, o filme lança luz sobre o presente duradouro de um artista para o mundo embalado por canções inesquecíveis que continuam comovendo pessoas em todas as gerações. Never Too Late ilumina Elton John em cores vivas, criando um tributo comovente.



terça-feira, 24 de dezembro de 2024

Season's Greetings from Cherry Lane (Canadá, 2024)


 "Season's Greetings from Cherry Lane" é um filme de Natal da Hallmark+ dirigido por Gail Harvey. O longa faz parte de uma trilogia de sequências de "Christmas on Cherry Lane" lançado no ano passado. A narrativa é estruturada em três linhas temporais distintas na mesma casa: 1951, 2003 e 2024, cada uma com sua própria história que se conecta de maneiras inesperadas.

No ano de 1951, o Dr. Charlie (Corey Cott) tenta criar um Natal especial para sua esposa Joan (Annabelle Borke) antes de ser enviado para a Guerra da Coreia. A trama de 2003 envolve um casal recém-casado, Sarah e Luke Chen (Sarah Dugdale e Shannon Kook), que enfrentam desafios ao hospedar os sogros pela primeira vez. Finalmente, em 2024, Mike e Zian (Jonathan Bennett e Vincent Rodriguez III) tentam surpreender um ao outro com presentes de Natal, mas enfrentam dificuldades para manter os segredos. 


O elenco é bastante elogiado, especialmente Bennett e Rodriguez, cuja química na tela é um destaque novamente. O filme consegue capturar o espírito natalino de cada época com precisão, desde a decoração até a música, criando uma atmosfera autêntica e acolhedora. A escolha de músicas natalinas, incluindo uma nova canção de Jaymes Vaughan, adiciona uma camada extra de charme à produção.


"Season's Greetings from Cherry Lane" recebeu uma avaliação mista, daqueles que procuram algo além da fórmula tradicional. Alguns espectadores se encantaram com a narrativa interconectada e a mensagem de união, enquanto outros sentiram que a execução da história de 2003 não foi tão eficaz quanto poderia ter sido.


O filme é uma adição digna para quem ama filmes de Natal da Hallmark, oferecendo uma mistura de coração, humor e a tradicional moralidade de filmes feitos para a TV. Sem profundidade ou inovação narrativa, pode ser visto como mais um filme dentro do molde familiar da emissora. A conexão entre as gerações e a continuidade da história de "Cherry Lane" são pontos fortes que podem atrair fãs do gênero.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Simón da Montanha (Simón de la Montaña, Argentina/Chile/Uruguai, 2024)

A relação entre Simón ( Lorenzo Ferro ) e sua mãe ( Laura Nevole ) não é das melhores. E seu amigo Agustín ( Agustín Toscano ) também não consegue se aproximar dele, embora tente conseguir um lugar em sua empresa de mudanças. Simón se sente muito mais confortável com Pehuén ( Pehuén Pedre ) e com os demais da escola, que foi criada para pessoas com neurodivergência. Além da tensão sexual com o melhor amigo, ele se sente especialmente atraído por Colo ( Kiara Supini ). Só há um problema: Simón não tem nenhuma deficiência, apenas finge poder ficar com as pessoas que considera como família.

O filme, de Federico Luís, levanta questões sobre quais são os limites entre a “normalidade” e a deficiência de Simón. Aos vinte e um anos, o protagonista parece sentir-se mais confortável entre pessoas com deficiência, apresentando-se como um jovem solitário que assume cada vez mais a sua simulação, o que parece representar algum tipo de transtorno psicológico.


A narrativa subverte a ideia de normalidade, mostrando como Simón, que inicialmente poderia ser percebido como "normal", encontra na neurodiversidade um novo entendimento de si mesmo e do mundo ao seu redor. A montanha, como personagem metafórica, representa um espaço de reflexão e encontro com o outro, longe das convenções sociais urbanas, desafiando as noções de "normalidade".


Embora o filme pudesse ter focado apenas no engano e no dilema moral de Simon, o diretor  habilmente tece temas mais profundos de identidade, comunicação e pertencimento. Ele trata o elenco, muitos dos quais vivem com deficiências, com grande respeito, permitindo que suas performances comoventemente naturais conduzam a narrativa.




Lorenzo Ferro, de O Anjo (2018), demonstra uma potência transformadora e emocional ao interpretar Simón. Sua performance é destacada pela capacidade de transmitir tanto a complexidade física quanto a mental do personagem, especialmente em suas interações com Pehuén Pedre e Kiara Supini. Ferro consegue equilibrar de forma convincente a ambiguidade, que oscila entre a normalidade e a farsa.


De volta a casa, Simon entra em choque com sua mãe autoritária, que luta para entender as mudanças em seu filho. Ela descarta sua nova identidade, vendo apenas os problemas que ele causa. Mas para Simon, o tempo gasto com sua comunidade nas montanhas foi transformador. Ele agora sabe quem quer ser.


A aceitação prova ser o tema mais relevante. Recompensado pela amizade na montanha, Simon encontra julgamento em casa, mascarando feridas mais profundas. Federico Luis sugere como abraçar nossas verdades, não papeis predeterminados, pode curar feridas.


"Simón da Montanha" oferece um terreno fértil para uma análise queer ao desafiar normas, celebrar a diversidade e incentivar uma reavaliação do que significa ser "normal" ou "diferente" na sociedade contemporânea. Através de sua narrativa, o filme convida o espectador a reconsiderar suas próprias percepções de identidade, relações e inclusão.


sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

O Quarto ao Lado (The Room Next Door, Espanha/EUA, 2024)

Pedro Almodóvar volta a flertar com a morte em O Quarto ao Lado, seu primeiro longa em inglês, adaptado do romance de Sigrid Nuñez. Ganhador do Leão de Ouro, no Festival de Veneza, o filme segue a narrativa almodovariana ao explorar temas profundos e complexos através de uma rica e emocional lente visual 

O Quarto ao Lado gira em torno de duas mulheres, colegas de profissão em uma revista no passado, Ingrid(Julianne Moore) e Martha(Tilda Swinton), que se encontram cada uma lidando com suas próprias tragédias pessoais. Ingrid é uma escritora, cujo trabalho expões seus medos sombridos, enquanto Martha é uma repórter de guerra, enfrentando um câncer terminal.


O melodrama dá o tom dessa transição de Almodóvar para a língua inglesa, trabalhando com duas das maiores atrizes da atualidade. Curiosamente Swinton e Moore são conhecidas por trabalhos queer, uma musa de Derek Jarman e outra de Todd Haynes, e a química em tela é da mais pura cumplicidade e solidariedade.


A troca do diretor de fotografia, José Luis Alcaine, por Eduard Grau, também colabora com uma mudança de nuances. Os cenários característicos, e as cores extravagantes do diretor, estão todas lá, porém tudo muito suavizado, como numa melancólica nevasca. Há muito destaque em tonalidades de azul, por exemplo, do que no próprio vermelho.



Martha está prestes a morrer e convence Ingrid a lhe acompanhar em uma casa, onde ficara no “quarto ao lado”, até que a decisão da eutanásia seja tomada. Almodóvar, que em seu último longa abordou os desaparecidos da guerra civil espanhola, aqui defende o direito à morte. 

A relação entre as duas personagens principais destaca como a conexão humana pode oferecer conforto e uma nova perspectiva diante da dor. Através de flashbacks, Almodóvar evoca a natureza caótica da memória e do trauma. No entanto, o relacionamento com a filha de Martha, ao contrário dos outros filmes do diretor, é pouco explorado, revelando-se apenas em um momento pontual.

Almodóvar tece, a partir de uma adaptação, um roteiro repleto de sutilezas, mas que ainda assim carrega muito de seus elementos, em diálogos, passagens rápidas, e destaca a sua habilidade de narrar histórias universais. O filme em muitas vezes lembra a obra prima, de 2002, Fale com Ela, principalmente com as mulheres recostadas em cadeiras.


Conhecido por suas reviravoltas emocionais, o diretor espanhol ainda conta com a participação de John Turturro no elenco, apesar dos holofotes estarem sempre em suas protagonistas. O Quarto Ao Lado analisa a condição humana e reflete sobre a dor e a cura, encapsulando, ainda que um olhar forasteiro, toda a beleza do cinema de Almodóvar.


BRASILEIRO ‘ALMA DO DESERTO’ VENCE 2 IMPORTANTES PRÊMIOS NO FESTIVAL DE HAVANA, EM CUBA

A coprodução Brasil e Colômbia, ALMA DO DESERTO, venceu dois importantes Prêmios no Festival de Havana, o Prêmio Especial do Júri da Competição de Documentários e o Prêmio Arrecife, que é dado ao melhor filme com temática Queer. Dirigido por Mônica Taboada-Tapia, o longa ganhou também data de estreia nos cinemas brasileiros: 30 de janeiro de 2025.

A diretora relata que “a força motriz e o coração de 'Alma de Deserto' é a história de Georgina Epiayú, sua vida real foi a semente de uma jornada cinematográfica de oito anos. Não é apenas uma história inspiradora e esperançosa para a comunidade LGBTIQA+ ou para aqueles que se identificam com o queerness, mas também nos ajudou a mergulhar no âmago de uma parte da comunidade Wayúu que a Colômbia desconhece e que não podemos continuar ignorando porque apela ao nosso sentido de humanidade. O filme pode ressoar com o espírito de muitas pessoas em diferentes lugares do planeta. Ganhar o ‘Queer Lion’ nos dá uma visibilidade que pode ajudar a gerar mudanças positivas nas crenças de muitas pessoas de diferentes públicos, também por meio da conexão emocional, e isso é uma grande oportunidade.”

ALMA DO DESERTO acompanha Georgina, uma mulher trans da etnia Wayúu, que luta para obter seu direito básico de ter uma identidade reconhecida. Após perder seus documentos em um incêndio criminoso, provocado pelos próprios vizinhos que não aceitavam sua presença, Georgina embarca em uma jornada de resiliência e coragem para recuperá-los. Apenas com seus documentos recuperados, ela pode exercer direitos civis fundamentais, como o direito ao voto nas eleições colombianas.

O longa aborda questões de gênero, etnia e resiliência, trazendo uma história poderosa de superação. A International Cinephile Society descreveu como “um documentário poderoso, comovente e cativante... um dos filmes mais marcantes sobre a identidade queer dos últimos anos”.

O documentário será lançado nos cinemas brasileiros em 30 de janeiro de 2025 pela RETRATO FILMES, distribuidora focada em longas independentes com perfil autoral, com o objetivo de ampliar a distribuição de obras brasileiras e coproduções latinas.


Fonte: Sinny Comunicação

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Carnage for Christmas (Austrália, 2024)

Influenciada pela estética de Buffy, a Caça Vampiros , a jovem e prolífera Alice Maio Mackay, vem explorando diversos subgêneros do terror, utilizando-os para abordar temas como homofobia e transfobia com protagonistas que transcendem o representação heteronormativa, e ao longo do caminho oferece um espetáculo lúdico influenciado por algumas referências clássicas do gênero, principalmente dos anos setenta.

Quando a podcaster de crimes reais e detetive Lola (Jeremy Moineau) visita sua cidade no Natal pela primeira vez desde que fugiu e fez a transição, o fantasma vingativo de um assassino histórico e lenda urbana aparentemente surge para matar novamente. Ela está enfrentando não apenas um assassino psicótico, mas uma cidade assombrada por segredos.


Enquanto Lola se instala de volta em Purdan para o Natal, uma série de assassinatos horríveis abala a pequena cidade. Cada vítima é encontrada brutalmente morta por alguém vestido de Papai Noel, imitando a antiga lenda urbana do assassino Toymaker, que aparece em forma de animação no começo do filme. A polícia local parece desinteressada (ou incapaz) de resolver os crimes, o que deixa a comunidade aterrorizada e sem respostas.


Apesar disso, Lola não está sozinha em sua busca por justiça. Ela se apoia em seus amigos dedicados, incluindo seu namorado solidário Charlie (Zarif) e sua irmã Danielle (Dominique Booth). Juntos, eles formam uma equipe improvável, usando a experiência de Lola em crimes reais e sua própria desenvoltura para juntar as pistas e desmascarar o assassino.


Este é um slasher , dentro do subgênero de terror natalino, que a diretora australiana envolve em seu estilo característico de cores saturadas que oferecem uma visão quase onírica da realidade. E é também o filme mais sangrento de sua filmografia, embora sem se deter especialmente nos assassinatos, que mostra principalmente através de uma edição fragmentada, com alguns flashes psicodélicos, fornecida pela editora Vera Drew, de People’s Joker (2022).


Aborda, claro, a transfobia e os muitos preconceitos contra as pessoas trans. Como os assassinatos começam após a chegada de Lola, ela quase imediatamente fica sob suspeita, e basta ouvir o desdém nas vozes dos personagens quando usam pronomes femininos em relação a ela para entender que essas suspeitas não se baseiam em nenhuma evidência.


Carnage for Christmas é tanto uma homenagem às estrelas indie do cinema underground quanto uma ode aos clássicos filmes de terror de Natal. Este é um slasher, então é tudo sobre um assassino vestido com uma  fantasia de Papai Noel doentio , que sai por aí matando pessoas. 


Embora este tenha todas as características estéticas dos filmes anteriores de Mackay também é um passo em uma direção diferente. Carnage parece mais "adulto". Enquanto a maioria de seus filmes anteriores gira em torno de adolescentes, aqui eles estão todos na faixa dos 20 anos, totalmente imersos em carreiras em ascensão e conquistando seus lugares no "mundo real".



Nascida para Você (Nata Per Te, Itália, 2023)

Luca ( Pierluigi Gigante ) é um assistente social, trabalhando em apoio a pessoas com Síndrome de Down. Ele está em um relacionamento de longo prazo com seu namorado Lorenzo ( Alessandro Piavani ). Luca realmente quer ter filhos, mas Lorenzo está menos interessado e o belo casal eventualmente se separa por isso. Sem se deixar abater, Luca persegue sua busca pela paternidade e faz perguntas sobre a adoção de Alba, uma bebê com Síndrome de Down que foi abandonada por sua mãe ao nascer em um hospital local.

Baseado no livro homônimo de Luca Mercadante e Luca Trapanese Nata Per Te, de Fabio Mollo,  conta a história da adoção de Alba, uma recém-nascida com síndrome de Down abandonada no hospital, e de Luca, um homem solteiro, homossexual e católico, lutando para obter a guarda e adoção da menina. O Tribunal de Nápoles procura uma família para Alba, mas quantas famílias “tradicionais” terão de dizer não antes que Luca possa ser levado em consideração?


Como indica a sua advogada Teresa (Teresa Saponangelo), Alba provavelmente permanecerá no hospital durante algum tempo, porque os casais heterossexuais geralmente não têm interesse. Luca rebate que não vê Alba dessa forma. Assim começa uma busca jurídica.


A história de Luca e Alba é muitas coisas juntas: é a história de uma batalha jurídica, claro, uma investigação sobre o estado das leis que regulam o acolhimento familiar e a adoção na Itália, mas é também a história de uma comunidade, ou associação para pessoas com deficiência em Nápoles, e o homem pouco convencional que a criou. 


Tudo em Nascida para Você está no lugar certo: o ritmo, o tom, o enredo, o elenco e a música . Os flashbacks também proporcionam enriquecimento e profundidade. Eles não existem apenas para um efeito dramático, mas também têm uma função clara. O passado e o presente voltam a estar interligados,

O filme de Fabio Mollo descreve claramente o ponto de atraso na Itália, as leis relativas à adoção, quais as possibilidades que uma única pessoa tem de poder candidatar-se, os direitos dos casais homossexuais que desejam ter filhos, e a questão da deficiência, que ainda assusta. 


Nascida para Você torna visíveis as formas encobertas de discriminação, mas sem ser um panfleto. Luca às vezes tem reservas em relação ao seu caso e até duvida se está fazendo a escolha certa. Embora a advogada se envolva avidamente em uma luta maior pela comunidade LGBTQIA+, ele simplesmente anseia pela paternidade. Ele não quer que sua filha adotiva se torne um símbolo para a comunidade. Ele é ele mesmo e quer que ela seja ela mesma.