terça-feira, 31 de março de 2020

The Politician(EUA, 2019)


Ryan Murphy é a mente por trás des ótimos Pose, American horror story e The Assassination of Giani Versacce, por isso sua chegada à Netflix veio acompanhada por muito expectativa. The Politician, sua primeira série para a plataforma têm co-criação de Brian Fachuk e Ian Brennan, seus mesmos colaboradores de Glee, série essa que The Politician se assemelha em alguns aspectos: é high school e é quase musical com um momento ou outro.


O ótimo ator Ben Platt vive Payton, um incansável candidato ao grêmio estudantil, que planeja um dia ser presidente. O personagem é uma alegoria de Murphy para identificar os mais ricos, mas sobretudo fazer uma sátira política em um momento tão delicado em seu país. A campanha é realmente agitada e gera as mais diversas controvérsias.


Para vice Payton convida Infinity uma jovem que pensa ter câncer mas na verdade é enganada pela avó, vivida brilhantemente por Jessica Lange. Gwineth Paltrow, com quem Murphy havia trabalhado em Correndo com Tesouras, também está no elenco como a serena mãe de Payton.


Minorias, identidade de gênero, ecologia e claro política são propostas a discussão nessa série, porém parece que patina e acaba mostrando só mais um adolescente amadurecendo. Me parece que faltou algo da identidade de Murphy aqui. No último episódio temos a participação luxuosa de Bette Midler e a promessa de uma nova temporada.

quarta-feira, 25 de março de 2020

Rocketman(EUA, 2019)


Depois do sucesso recente de Bohemian Rapsody, cinebiografia de Freddie Mercury, outro ícone LGBTQIA+ ganhou homenagem nas telas do cinema. Rocketman conta a história de Elton John, um musical incomum que é construído com uma narrativa muito simples, mas cheia de fantasia e estética de videoclipe.


O longa começa quando Elton John interpretado brilhantemente pelo ator Taron Egerton adentra uma sala de AA todo montado e inicia a narração de sua história. Desde a infância quando era Reginald Dwight e sofria com a indiferença do pai e já era um prodígio no piano, passando pela ascensão, sucesso, drogas e frustrações.


A transformação de Reginald em Elton vai acontecendo através do figurino, que faz toda a diferença na construção do personagem. No início ele é sempre acompanhado por Bernie, com quem compôs Your Song, seu letrista e um dos melhores amigos até hoje, mas as circunstâncias vão trilhando outro caminhos.


As cenas musicais são belas e lúdicas mesmo nos momentos de drogas e sexo. Elas ilustram 

fatos da vida e carreira do astro por meio de seus grandes clássicos. São nesses musicais que o diretor Dexter Fletcher cria um clima imersivo e faz lembrar obras como Velvet Goldmine e Rocky Horror Picture Show.


Achei muito criativa e corajosa a solução do roteiro de narrar por meio de uma reunião de AA toda a vulnerabilidade, a crise com a sexualidade, a relação abusiva do empresário e amante, seus enlaces familiares e fazer através desse ponto de partida um filme que tem a cara e a alma de Elton John.

terça-feira, 24 de março de 2020

Má Educação(La Mala Educación, Espanha, 2004)


Novamente, como em obras anteriores,  Pedro Almodóvar faz uso de recortes e sobreposição de imagens nos créditos iniciais do filme. Porém, os recursos tecnológicos permitem que a abertura aconteça de forma mais moderna e menos artesanal, com papéis que são rasgados entre um crédito e outro.  Ao som de uma música dramática, o início de Má Educação mostra um quadro negro ao fundo com desenhos obscenos, sobreposto a isso estão imagens típicamente católicas com santos e Jesus Cristo. Junto dessas imagens, símbolos que remetem a homossexualidade, drogas, catolicismo e violência, são inseridas fotos dos atores principais.

Após o crédito de Direção e Roteiro para Pedro Almodóvar, a imagem se transforma em Direção e Roteiro: Enrique Goded. Este é o nome do personagem cineasta do filme. Após uma série de imagens desconcertantes, o diretor apresenta seu herói que no longa exerce suas mesmas funções, ainda que este não seja autobiográfico.

Em seguida a câmera mostra Enrique Goded(Fele Martinez) em seu escritório com uma tesoura na mão lendo notícias de um jornal e fazendo recortes daquelas que poderiam vir a tornar-se um filme. As cores predominantes do escritório são o azul, amarelo e vermelho.

Quando o personagem de Gael García Bernal adentra o escritório, vemos na parede um pôster de La Abuela Fantasma, filme fictício de Enrique Goded. Esse, porém se tratava do argumento do longa posterior de Pedro Almodóvar, Volver. A imagem aparece como uma espécie de easter egg do que está por vir.


Bernal se apresenta como Ignacio, aquele que na infância foi apaixonado e correspondido por Enrique. Ao cineasta ele diz ser ator e apresenta ainda um relato chamado La Visita, baseado na infância dos dois.

Ignacio vai embora e Enrique se põe a ler o roteiro. Somos remetidos então aos anos 70, época em que a história se passa. O cenário mostra o submundo das travestis onde Paquita(Javier Cámara) se apresenta e chama pelo show de Zahara(Gael García Bernal).

A cena em que Bernal aparece dublando Quizás, Quizás, Quizás na voz de Sarita Montiel, remete imediatamente a outra obra de Pedro Almodóvar, De Salto Alto. Se identifica aqui algumas semelhanças com a transformista Letal interpretada por Miguel Bosé, além de ambas as cenas serem ambientadas em bares gays. O figurino de Zahara é de autoria de Jean Paul Gaultier que também trabalhou com Almodóvar no vestuário da personagem Andrea Cortada, de Kika(1993).

Em seguida é apresentado o lado marginal da personagem, que sai do bar com um homem para o motel. Quando este pega no sono ela tenta roubá-lo até que descobre que se trata de Enrique, porém o fictício. Zahara lhe escreve então uma carta onde diz ser Ignácio.

Na cena seguinte vemos Enrique, o verdadeiro diretor envolvido pelo roteiro de La Visita. Volta para a história de Zahara. Ela está na frente da igreja cheirando cocaína com a amiga Paca. As duas entram e vemos pela primeira vez, Padre Manolo, o pedófilo da história. As travestis roubam a sacristia e Zahara o chantageia.

Na cena a seguir, Pedro Almodóvar mostra por meio de metáfora a perda da inocência dessa criança. Ele volta no tempo para mostrar os abusos do padre. Padre Manolo toca violão enquanto o menino Ignacio canta em espanhol a canção Moon River, de Bonequinha de Luxo. O menino resiste aos abusos do padre, corre e cai no chão, sua testa sangra e sua cara se divide em duas partes onde no meio aparece a fisionomia do padre.

Logo depois se insere na história o amor entre os dois meninos: Ignacio e Enrique. Ambos estudam no mesmo colégio e se submetem aos métodos ditatoriais do padre. A cena de amor entre ambos é representada quando vão ao cinema assistir um filme de Sarita Montiel, grande ídolo do cinema espanhol e da juventude de Pedro Almodóvar.

Enrique Goded, o cineasta decide então filmar La Visita. É aí que descobrimos que as imagens antes mostradas, se tratam do filme dentro do filme, que aqueles personagens são referentes ao passado, mas porém estão sendo representados em um filme metalinguístico. O suposto Ignacio passa então a brigar pelo papel principal do filme, o da travesti Zahara.

O cineasta vai até o povoado de Ignacio para descobrir a verdade. Conversando com sua mãe descobre então que ele morreu, que havia se tornado travesti e morrido de overdose. O falso Ignacio se tratava de Juan, seu irmão mais novo, que roubou a história do irmão/irmã e passando-se por ele tentou convencer Enrique a filmar. O diretor porém resolve seguir adiante e enquanto mantém um caso com Juan roda La Visita.


No último dia de rodagem do filme, uma homenagem póstuma ao verdadeiro Ignacio, o verdadeiro Padre Manolo(Luis Homar) aparece no set. Ele vêm para contar sobre como Ignacio morreu, somos apresentados então a verdadeira Zahara, uma autêntico transexual. Seduzido por Juan, Manolo que já não é mais padre decide matar Zahara para que a mesma pare de chantageá-lo.

Má Educação termina com a discussão de Juan e Enrique que o desmascara. Antes da entrada dos créditos finais, um letreiro explica o final de cada um dos personagens. Enrique Goded seguiu fazendo cinema com muita paixão.

Este filme e A Lei do Desejo de 1987 estão intimamente ligados. Ambos tem como protagonista um cineasta que se envolve com um psicopata. Nos dois há a história da transexual que sofreu abusos por parte de um padre, ainda que no primeiro essa trans seja interpretada por uma mulher(Carmen Maura). Existem muitas diferenças mas também muitas semelhanças entre ambos os filmes.

Tal retorno ao passado e o uso de diversos elementos faz com que Má Educação seja para Pedro Almodóvar uma obra auto-referencial. Ele visita o passado dos tempos de Sara Montiel e o colégio de padres, além de ter como protagonista um diretor de cinema homossexual.


segunda-feira, 23 de março de 2020

Madame Satã(Brasil, 2002)


"Eu sou Janaci, a famosa entidade da floresta, filha de Tapunã e de Bernardete" foi com esse monólogo e tantos outros momentos brilhantes que Lázaro Ramos se lançou ao estrelato, fazendo com que sua atuação visceral em Madame Satã seja um de seus melhores personagens até hoje.

A história de João Francisco dos Santos, que já havia inspirado o alegórico Rainha Diaba, em 1974, com Milton Gonçalves, é novamente base para um longa-metragem. Na obra de 2002, o então estreante Kairin Ainouz realiza um filme mais realista, cru e fidedigno.

A primeira cena do filme já nos impacta por mostrar um Lázaro Ramos desfigurado enquanto uma voz em off narra todas as suas acusações, as mais graves são justamente ser preto, pobre e pederasta.

No Rio de Janeiro dos anos 1930, vemos o cenário marginal das noites da Lapa, bairro o qual o personagem central habita sempre movido pelo seu lado emotivo e agressivo que faz com que tenha conflitos com os demais. Nas primeiras cenas temos uma participação luxuosa de Renata Sorrah, que interpreta uma cantora no melhor estilo da época.

A trilha sonora, a propósito, faz parte da narrativa do filme com momentos intercalados por sambas da época e clássicos da fossa. São nas cenas musicais, nos shows de Madame Satã, que a fotografia de Walter Carvalho se torna imersiva e embriagante.

A participação dos amigos inseparáveis, Laurita uma prostituta e Tacu, um homossexual afeminado é fundamental para mostrar o lado mais humano de João, é também com eles e com sua paixão voraz por Renatinho, que os diálogos mais poderosos são destilados.

Apesar de tratar de uma vida marginal e um período extremamente difícil para homossexuais o longa é um filme acima de tudo belo, tanto pela crueza de suas cenas de sexo, pela sua direção de fotografia delicada e a direção primorosa. Madame Satã já é um clássico do novo cinema nacional.


segunda-feira, 16 de março de 2020

Judy: muito além do Arco-íris(Judy, EUA, 2019)


Renéé Zellwegger dá vida com tanta intensidade à Judy Garland que ganhar o Oscar pelo papel parecia inevitável. Judy: muito além do arco-íris não chega a ser uma cinebiografia da estrela de O Mágico de Oz, é um recorte de sua fase mais decadente que aborda em especial sua turnê de despedida, realizada no Reino Unido em 1968, pouco antes da sua morte.

Zellwegger cria uma versão tão convincente do ícone LGBTQ que acaba se confundindo com a própria. É uma imitação das mais bem feitas, que nos faz lembrar que a atriz também experimentou da decadência e ressurge justamente em um papel como esse.

Cada número musical, formado por clássicos de Garland, nos dá nuances da personagem e ressalta sua complexa personalidade. Os filhos, o vício em remédios, álcool, em homens mostram o quão vulnerável a atriz e cantora foi sempre se deixando ser levada por suas emoções.

No final, Judy: muito além do arco-íris pode parece um filme de atuação e realmente é seu grande trunfo para contar uma história delicada e triste sobre declínio, solidão e esquecimento.

Elite Terceira temporada(Espanha, 2020)


Estamos de volta à Escola Las Encinas, palco do crime que movimentou a primeira temporada e do mistério que rodeou a segunda.  Dessa vez a série espanhola, produção original da Netflix, retoma o 'quem matou?' e todos são suspeitos da morte de Polo, o assassino de Marina.

Com ainda mais sexo, drogas e reviravoltas Elite continua sendo uma espécie de Rebelde para maiores. Não chega a ser uma trama sofisticada e tampouco adulta, mantém o mesmo ritmo de filmes como Meninas Malvadas e séries como Gossip Girl, mas tudo isso falado em espanhol o que dá um charme especial à trama.

Novas camadas são adicionadas aos personagens e a entrada de novos alunos também movimenta a trama fazendo com que esses sirvam como apoio para o conflito dos protagonistas. A mexicana Danna Paola novamente segue roubando a cena como a imbatível Lucrécia, dessa vez menos má e mais humanizada pelas consequências do caso que teve com o irmão Valério.

Nessa terceira temporada o casal Omar e Ander ganham mais destaque e o relacionamento dos dois acaba se tornando mais complexo após Ander descobrir que está com câncer. Novas nuances são dadas aos personagens que deixam de ser apenas o casal gay da história. Dessa vez também há um trisal, formado por Valério, Cayetana e Polo.

A narrativa não linear da história faz com que tentemos juntar os pedaços a cada um dos oito episódios para saber quem matou Polo. O último episódio, porém revela tudo o que gostaríamos de saber com um final fechado, ainda assim há um gancho para uma nova temporada. Basta saber se após a formatura a série ainda têm fôlego para um quarto ano.

sexta-feira, 13 de março de 2020

Jonas(França, 2019)


Jonas (Félix Maritaud) é um homem de trinta e poucos anos, sexualmente seguro, que age por impulso, mas não consegue escapar dos demônios de seu passado. Um acontecimento de sua adolescência o persegue e contribui para que ele vagueie pela vida em busca de sentido. Ele decide encarar seu passado de frente, o que o leva a uma jornada que conecta sua vida atual com a culpa que carrega desde a adolescência.

Jonas abre com uma cena que realmente chama sua atenção e te prende no filme imediatamente. Dá um vislumbre da culpa que Jonas carrega quando adulto e, ao longo do filme, o incidente de sua adolescência é revelado lentamente. Contado em duas linhas do tempo, o filme mostra Jonas (Nicolas Bauwens) quando jovem, aceitando sua sexualidade e se apaixonando por seu imprevisível colega de classe Nathan (Tommy-Lee Baik), e mostra Jonas adulto entrando em brigas e sem rumo


O que o escritor/diretor Christophe Charrier faz tão bem é mantê-lo interessado em ambas as linhas do tempo. Ele choca você e lhe dá muito o que pensar. Charrier também faz você sentir que está vivenciando os eventos do filme como se estivesse andando no lugar de Jonas. Você fica com o personagem enquanto o filme desvenda sua história e você sente por ele muitas vezes.


A caracterização de Jonas é brilhante. Quando adolescente, ele é tímido, sem confiança e um pouco desajeitado, mas sempre muito cativante. Como adulto, ele é muito mais difícil, visivelmente perturbado e lutando para seguir em frente com sua vida. Ambos os atores que interpretam Jonas são excelentes. Bauwens traz à tona o lado vulnerável do personagem enquanto Maritaud é hipnotizante como a versão adulta agressivamente sexy.

Jonas  uma exploração fascinante de como os eventos moldam nossas vidas e podem mudar nosso curso. O Jonas que conhecemos no começo definitivamente não é o que nos resta no final. É difícil não percorrer os vários cenários de como a vida de Jonas poderia ter acontecido, se o incidente não tivesse ocorrido.



AJ AND THE QUEEN(EUA, 2020)


Embarcando no sucesso que RuPaul's Drag Race faz em seu catálogo e nos diversos Emmys conquistados pelo reality, a Netflix resolveu lançar uma série estrelada e criada pela queen mais famosa do planeta.

Na série acompanhamos as aventuras da drag queen Ruby Red, que depois de levar um golpe de seu namorado michê, parte em uma turnê pelos Estados Unidos em uma espécie de road movie a la Priscilla a rainha do deserto. O que Robert/Ruby não esperava era a companhia de AJ(Iggy Z) uma menina que foi abandonada pela mãe dependente química. AJ é o retrato da criança insuportável nos primeiros episódios, mas aos poucos vai criando laços com a protagonista e ganhando mais carisma.

Cada episódio representa a passagem por uma cidade e temos a oportunidade de ver RuPaul saindo da sua zona de conforto para aparecer performando em diversos momentos memoráveis, ainda que com movimentos limitados as cenas de shows garantem alguns dos melhores momentos da série.

Conhecedores de Drag Race têm vantagem ao assistir a série por já estarem familiarizados com o universo da queen e identificar a participação de diversas participantes do reality. Se destacam os personagens de Latrice Royale e Chad Michaels, maiores e mais ricos que o restante das girls.

O roteiro co-escrito por RuPaul não é nenhum primor mas cumpre bem seu objetivo de entreter e até comover em certos momentos. Os vilões porém, parecem saídos de algum desenho animado. O forte mesmo está na relação criada pelas duas protagonistas e as inúmeras referências ao universo queer prestando homenagens, por exemplo, à Cher e ao legendário estilista Bob Mackie.

AJ and the Queen pode não ser nenhuma obra prima, mas é uma produção correta e que satisfaz o público da apresentadora do Drag Race por mostrar ao público um lado mais vulnerável da estrela. Infelizmente o cancelamento já foi confirmado pela Netflix e pela própria RuPaul.

Quem ainda não conhecia o lado atriz/ator de RuPaul pode conferir mais em uma participação especial na quinta temporada de Grace and Frankie, também da Netflix e também em longas como Starbooty e Nunca fui Santa. Atualmente a Drag se encontra no comando da 12a temporada de seu premiado reality.

quarta-feira, 11 de março de 2020

Paris is Burning(EUA, 1990)

Quando RuPaul ressuscitou a expressão “The Category is” em seu popular reality “RuPaul’s Drag Race” poucos sabiam que o termo se referia a uma época específica, onde Nova York era o centro dos ballrooms, uma cultura muito particular que é o tema de Paris Is Burning, de Jennie Livingston.
O filme de 1990 é um dos maiores ícones do cinema gay e representa o início do movimento new cinema queer. O documentário retrata a cultura dos bailes gays no final dos anos 1980 no Harlem. Sua abordagem faz com que se abram discussões sobre gênero, ativismo negro e estudos trans.
Em Paris is Burning é possível conhecer as ‘famílias’ que eram grupos de gays marginalizados que se uniam em uma comunidade capitaneada por uma ‘mãe’. Somos transportados a uma época onde ser gay era tabu e gay negro ainda pior. Essas pessoas encontravam nos bailes uma saída para as amarras impostas pela sociedade. Os bailes traziam categorias onde os integrantes de cada família desfilavam disputando por troféus.
As entrevistas revelam personalidades ricas como de Pepper La Beija que mesmo diante de um presente decadente vive em toda sua complexidade apegada ao luxo de outrora.  Os depoimentos de jovens e veteranos contextualizam o conceito das famílias e dos bailes. Venus Xtravaganza é outra personalidade que têm destaque na narrativa construída pela diretora.
O espectro que rodeia o filme porém não é de glamour e traz uma atmosfera sombria. Naquela época se vivia o auge da epidemia da AIDS e apesar disso não ser abordado no filme, está muito subentendido naquele ambiente marginal.
Paris is Burning também nos mostra que Vogue, imortalizado por Madonna começou como uma dança  onde queers disputavam na pista de dança fazendo carão e poses da famosa revista. O coreógrafo mais celebrado do movimento representava a casa Ninja e inclusive coreografou pra Madonna. Mais sobre esse fenômeno pode ser visto no documentário Strike a Pose, também disponível na Netflix.
Recentemente Paris is Burning e o período em que aconteceu serviu como inspiração para a série Pose de Ryan Murphy. A série popularizou ainda mais o filme e é um sucesso tendo o maior elenco formado por atrizes trans retratando com originalidade e realismo os conflitos da época. Legendário!

Dor e Glória(Dolor y Gloria, Espanha, 2019)



Após se auto referenciar ao longo de sua filmografia recente, o diretor espanhol Pedro Almodóvar apresenta em Dor e Glória(2019) seu filme mais íntimo, onde se entrega ao público mostrando a si mesmo em uma espécie de autorretrato.

Além do personagem central, Salvador Mallo, ser um alter ego de Almodóvar, interpretado com bravura por Antonio Banderas, indicado ao Oscar, resgata à infância do diretor, sua complexa e próxima relação com a mãe, seus bloqueios e vícios.

A propósito a morte da mãe de Almodóvar lhe provocou um bloqueio criativo, isolamento e solidão que resultaram em Dor e Glória. A figura da mãe é interpretada brilhantemente por Penélope Cruz e pela veterana Julieta Serrano, inesquecível por seu papel em Mulheres a beira de um ataque de nervos. É essa mãe de Penélope que protagoniza uma das sequências mais belas do filme, onde mulheres lavam roupa no rio enquanto cantam. A cena têm participação da cantora Rosalía e em muito remete ao neorrealismo italiano e os filmes de Fellini.

Não é a primeira vez que Pedro Almodóvar traz um diretor de cinema como protagonista, isso já aconteceu antes em A Lei do Desejo, Má Educação e Os abraços partidos, mas é desta vez que fica mais evidente que ele está falando de si mesmo, trazendo inclusive fatos conhecidos do público como quando cantava vestido de mulher em uma banda punk nos anos 80 e até mesmo por arquivo fotográfico. Um dos personagens que centraliza a paixão de Salvador é Federico, interpretado pelo argentino Leonardo Sbaraglia.

Quanto às tão conhecidas cores de Almodóvar, o vermelho está lá e se faz sempre presente mesmo que este não seja um filme colorido como estamos acostumados em sua cinematografia, a fotografia de José Luis Alcaine se mantém sublime. Há também muito mais drama do que seu característico humor o que qualifica a obra com um tom melancólico.

Com Dor e Glória Almodóvar faz um filme lindo, cheio de momentos delicados e memoráveis. É um resgate à sua vida, seus sucessos, devaneios e fracassos. A 21ª obra do diretor pode causar certo estranhamento no início mas é um deleite para qualquer fã que vê na tela seu ídolo mostrando vulnerabilidade.