terça-feira, 29 de agosto de 2023

M/M(Alemanha/Canadá, 2018)

O thriller experimental M/M, de Drew Lint, se desamarra da narrativa tradicional para ser  um intrincado estudo de isolamento e obsessão. O filme acompanha Matthew (Antoine Lahaie), um jovem de Montreal, enquanto tenta se adaptar em Berlim. Um dia ele conhece e é instantaneamente cativado por Matthias (Nicolas Maxim Endlicher).

Quando Matthias se envolve em um acidente de moto, Matthew vê isso como uma oportunidade de não apenas se infiltrar na vida do jovem, mas de se tornar aquilo que ele deseja. Isso desencadeia uma mistura volátil de paixão e violência enquanto os dois homens se encontram em uma luta pelo poder.

Com uma abordagem minimalista, M/M é um filme ao mesmo tempo desafiador e intrigante. O longa frequentemente borra as linhas entre realidade e fantasia. Assim como Matthew e Matthias lutam para entender o que é real, Lint força o público a questionar o quanto do que eles estão testemunhando é um sonho. 


O uso mínimo de diálogos no filme, Matthew e Matthias, só se falam por mensagem de texto, também aumenta o estado onírico da obra. Despojando sua narrativa queer sobre solidão e narcisismo até sua essência mais primária, M/M é um filme de poucas palavras, mas não de um único fôlego ou imagem desperdiçada.


Lint tem experiência em design de produção, o que não é surpreendente, dada a composição vibrante do filme. Trabalhando principalmente em cores brancas de aparência quase antisséptica que servem como um reflexo adicional do corpo, com espaços a serem preenchidos, de Matthew.

O longa nunca se omite de passar muito tempo em um ambiente, efetivamente criando uma sensibilidade sufocante, e claustrofóbica, que serve à história e nunca exagera na descida gradual do filme ao território do suspense.



sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Anhell69(Colômbia/Polônia/França/Alemanha, 2022)

Um carro funerário no meio da noite entra nas ruas de Medellín com o corpo de um jovem cineasta contando a história do filme que quer fazer com jovens da comunidade queer. Seu cenário é baseado no contexto de uma seita espectrofílica.

Com uma vitalidade híbrida, Anhell69, de Theo Montoya, é uma obra fílmica que parece nascer espontaneamente de si mesma, especialmente do encontro com esses jovens já falecidos que o diretor conheceu para seu projeto cinematográfico, que só se concretizou na forma de um documentário.

A exploração distópica de Medellín invadida por uma seita espectrofílica, que sente atração por fantasmas, convida à narrativa para confrontar a cidade com suas décadas sangrentas, onde a juventude tenta com energia criativa e resiliência sobreviver.


Em torno de um making of documental, Theo Montoya constrói uma exploração cinematográfica em estrutura arbórea. Uma obra criativa e ousada, cuja monstruosidade de uma sociedade empurrada para suas margens é apresentada como um ressurgimento do despertar das consciências.



Mas o ator principal de Montoya, Camilo Najar, que também havia estrelado seu filme anterior, morreu cedo na produção, aos 21 anos - Anhell69 era seu nome no Instagram - atrapalhando os planos. E como se vê, Najar foi uma das oito pessoas no filme que já faleceram, principalmente por drogas, suicídio ou violência nas ruas.


Então, em vez disso, entre o material destinado a fazer parte do filme de zumbis, há inúmeras entrevistas na forma de audições. Najar e outros jovens de Medellín, muitos deles LGBTQ, contam suas histórias. 


A questão da morte sempre paira sobre essas mentes apaixonadas. Os pogroms generalizados e a guerra poderiam ter chegado ao fim. Mas os efeitos persistentes da violência afetam as comunidades mais vulneráveis e marginalizadas da cidade, incluindo a queer. Anhell69 pode ser um trabalho de angústia e tristeza. Ao mesmo tempo, é sustentado por imagens extremamente belas. 


Os visuais de outro mundo de Montoya não parecem estar simplesmente de luto pelas pessoas que perderam. Ele também está de luto pelos sonhos perdidos, possibilidades perdidas e as coisas que eles nunca poderiam ter.



quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Every Body(EUA, 2023)

Every Body é um documentário emocionalmente envolvente e esclarecedor sobre uma questão de direitos humanos pouco debatida: as lutas de pessoas nascidas intersexo. A diretora Julie Cohen se concentra principalmente nas experiências de três pessoas, Alicia Roth Weigel, River Gallo e Sean Saifa Wall, que sincera e generosamente compartilham seus pensamentos e sentimentos.

Alicia, Rover e Saifa têm fortes formações educacionais e são bem-sucedides em suas profissões escolhidas. Todes são intersexo, e foi um longo caminho chegarem a esse entendimento.


O filme centra de todo o coração o trauma da cirurgia não consensual. Durante décadas, crianças nascidas intersexo foram submetidas a mutilações na forma de procedimentos cirúrgicos realizados sob um profundo equívoco. Médicos e pais escolhem o sexo de um bebê nessas circunstâncias, e essas decisões permanecem envoltas em segredo.


Mas esses bebês crescem em crianças cujos corpos lhes contam uma história, enquanto a comunidade médica conta outra. Quando chegam à idade adulta, os personagens do filme descobrem mais sobre quem são e de onde vêm, e que não são uma anomalia. Mas as decisões sobre seus corpos já foram tomadas sem seu consentimento.

Every Body imagina o que esse tipo de ação pode fazer com a saúde mental de uma pessoa à medida que amadurece. O binário está entranhado em nossa psique, mas nada é tão objetivo. Esse é o presente que o filme oferece ao seu público, servindo como ponto de partida para essa conversa e destacando as experiências de vários indivíduos enquanto navegam pela vida.


As histórias de Alicia, River e Saifa são totalmente exibidas em Every Body. Elus são corajoses e lutam para afetar a mudança. Todes se tornaram politicamente atives em desafiar noções ultrapassadas do que significa ser intersexo. Seu objetivo é simples: eliminar a cirurgia no nível infantil e permitir que pessoas intersexo recebam tratamento se optarem  mais tarde na vida. 


A lição mais preciosa de Every Body são as palavras honestas dus três protagonistas e os ensinamentos que elus aprenderam ao se conectar com outras pessoas intersexo. Muito bem ilustrado no filme é o fato de que houve e sempre haverá aqueles nascides fora das "normas" binárias de masculino e feminino. 


quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Three Headed Beast(EUA, 2022)


Three Headed Beast, de Fernando Andrés e Tyler Rugh, retrata uma relação poliamorosa bissexual com delicadeza e empatia, mas seu principal apelo é a tranquilidade. Contada quase sem diálogo, ela gira em torno das três pessoas envolvidas que anseiam por coisas diferentes.

Ambientado na cidade natal dos cineastas, Austin, Texas, o longa acompanha os parceiros Nina (Dani Hurtado) e Peter (Jacob Shatz), que há algum tempo mantém um relacionamento aberto. Ambos são bissexuais e usam isso como uma oportunidade para explorar suas sexualidades enquanto permanecem comprometidos um com o outro.

Enquanto Nina tem alguns amigos com benefícios, Peter tem encontros frequentes com Alex (Cody Shook), um gay orgulhoso de vinte e poucos anos que está em uma fase de viver a vida e buscar experiências sem compromissos.

Seu vínculo parece ser mais forte do que o que Nina tem com seus vários parceiros e parceiras. Apesar da falta de diálogo na primeira metade do filme, os atores são capazes de transmitir seus estados emocionais internos fisicamente sem ter que usar uma palavra. 


Em Three Headed Beast, a abordagem experimental que os cineastas  adotam com a falta de comunicação verbal funciona porque dá aos atores mais uma oportunidade de expressar seu alcance emocional.

A cinematografia de Fernando Andrés ajuda a dar ao filme sua estética audaciosa, graças à sua iluminação natural/prática e movimentos de câmera lúdicos.

A história de Three Headed Beast tem tudo a ver com lidar com as nuances de um relacionamento aberto. Mas também é sobre a individualidade dos personagens na tela e os espaços que eles compartilham.  E é esse estudo de personagem que ajuda a examinar os prós e contras do conceito em questão.




terça-feira, 22 de agosto de 2023

Desde la Última Vez que nos Vimos(Argentina, 2023)

Desde La Última Vez que nos Vimos é um drama romântico do diretor argentino Matias De Leis Correa. Nele, Victor (Patricio Arellano) por acaso esbarra em David (Esteban Recagno), seu primeiro amor, quinze anos desde a última vez que se viram.

O reencontro acende o amor clandestino que eles tinham um pelo outro, se vendo secretamente naquela época, sem contar ao grupo de amigos em comum. David, no entanto, rompeu repentinamente o caso e bloqueou todos os contatos com Victor sem lhe dar nenhum motivo.

Victor estava com o coração partido, mas incapaz de compartilhar sua dor com ninguém, já que o relacionamento deles era secreto.


Eles percebem que atualmente vivem a uma curta distância  na mesma área de Buenos Aires. Ambos estão agora na casa dos trinta anos e David está casado com uma mulher. Victor dorme principalmente com homens, e não tem um relacionamento sério desde David.

Ele ainda está magoado com Davi, mas mesmo assim o convida para ir ao seu apartamento uma noite. Assim começa a reacender o complexo, às vezes tóxico, romance.


Desde La Última vez que nos vimos é uma obra confiante. Sensualmente filmado, a trama se concentra apenas na relação entre os dois homens enquanto eles navegam emocionalmente por águas complexas, dada sua história, suas diferenças e o status de casado de David. 

 


segunda-feira, 21 de agosto de 2023

I Love You More(Kosovo/Albânia, 2023)

O adolescente Ben(Don Shala) tem dois sonhos: escapar da pitoresca e sufocante cidade kosovar em que foi criado e finalmente se unir a Leo, seu namorado online há um ano, mas que ainda não conheceu pessoalmente. 

Leo está chegando da Alemanha em apenas um mês. Tudo deve ser perfeito. Ótima notícia, a mãe de Ben, com quem ele tem uma complexa relação, como nos filmes de Xavier Dolan, surpreende a família com uma oportunidade de mudança de vida, mas Ben simplesmente não pode aceitá-la ainda. Ele precisa conhecer Leo.

Com Leo  chegando em um mês, os sonhos românticos de Ben estão quase ao alcance. Mas quando o protagonista descobre uma oportunidade emocionante e imediata de viajar para o exterior antes da chegada do namorado, seus sonhos são colocados em oposição dramática, deixando-o para tomar uma decisão quase impossível.


Com toda sua melancolia, em I Love You More o desejo tão necessário de amar e ser amado força Ben a colocar sua família e sonhos em risco por alguém que ele nunca conheceu.


Efetivamente justapondo a beleza bucólica de seu cenário rural com as turbulentas emoções interiores e adolescentes de Ben, a estreia em longa-metragem lindamente comedida de Erblin Nushi é uma obra surpreendentemente filmada e emocionalmente cheia de camadas.

Com uma produção de filmes queer tão escassa, ou quase nula no Kosovo, é verdadeiramente inspirador e refrescante ver um tão bem realizado como este.



sexta-feira, 18 de agosto de 2023

GUIA LGBTQIA+ FILMICCA

Para cinéfilos ou não, a FILMICCA é uma maravilhosa opção para fugir ou intercalar com produções mainstream e expandir os horizontes cinematográficos. O streaming brasileiro de cinema de arte mundial, vai do clássico ao contemporâneo, com filmes exclusivos, lançamentos inéditos, obras dos grandes festivais, tesouros restaurados dos mais variados países e cultuados diretores.


Dando um incentivo no que assistir e apreciar, o CINEMATOGRAFIA QUEER preparou uma GUIA LGBTQIA+ da plataforma.


NARRATIVAS QUEER

Do melancólico retrato sobre o HIV, 'O Ano de 1985(2018)', ao hilariante coming-of-age ‘Sweetheart(2021)’, a narrativa com personagens LGBTQIA+ é vasta. Há a excelente biopioc 'Eu, Olga Hepnarová(2016)' e também 'Longe do Paraíso(2002)', um novo clássico dirigido por Todd Haynes. O imperdível ‘Inferninho’, de Guto Parente e Pedro Diógenes e o bucólico argentino Os Membros da Família(2019), de Mateo Bendesky, também estão nesse catálogo que transborda enredos queer.


ROMANCE


Do precursor ‘Falcões da Noite(1978)’, passando pelo new queer cinema de ‘Together Alone’ e o atrevido francês ‘Theo & Hugo(2016)’, o amor fora das convenções heteronormativas está no ar. A homossexualidade feminina também está lindamente representada com nomes como ‘Meu Primeiro Verão(2020)’, ‘Mãe + Mãe(2018)’, e ‘West North West(2015)’.


VISIBILIDADE TRANS


Do clássico da narrativa desconstruída de Toshio Matsumoto, 'O Funeral das Rosas(1968),' passando pelo potente 'Uma Mulher Chamada Thelma(2001)', estrelado por Pascala Ourbih e os belgas 'Lola e o Mar(2019)', de Laurent Michel e Ma Vie en Rose(1997), de Alain Berliner, a plataforma reserva um bom espaço para essas histórias que ainda merecem ganhar cada vez mais voz e visibilidade.


TRILOGIA TERENCE DAVIES

Três curtas-metragens autobiográficos feitos ao longo de sete anos sobre um jovem gay que aceita sua educação católica, sua homossexualidade e culpa, seus pais e suas mortes, desespero e solidão.


ULRIKE OTTINGER

Algumas das principais obras de Ulrike Ottinger, um dos grandes nomes do novo cinema alemão estão no catálogo FILMICCA. Diz-se, que as obras da cineasta  "rejeitam ou parodiam as convenções do cinema de arte e buscam novas maneiras de construir o prazer visual, criando várias posições de espectador geralmente negligenciadas ou marginalizadas pelo discurso cinematográfico". Seus filmes incluem fortes elementos de estilização e fantasia, bem como explorações etnográficas.


RELÍQUIAS


Clássicos restaurados da diretora belga Chantal Akerman, o importante 'Young Soul Rebels(1991)', de Isaac Julien, a obra prima definitiva de Claire Denis, 'Bom Trabalho(1999)'Les Îles(2017), curta alucinógeno de Yann Gonzalez, e a instigantes biopic austríaca, de guerra, 'Coronel Redl(1985)', são apenas algumas das preciosidades disponíveis neste guia.


GOSTOU? Tem muito mais lá na FILMICCA, e os preços e planos são super acessíveis!


quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Tab Hunter Confidential(EUA, 2015)

Tab Hunter Confidential, um documentário sobre o único Tab Hunter, é altamente divertido do início ao fim porque a vida do galã acaba sendo um assunto bastante carismático, honesto, caloroso e sábio.

Ele sabe contar histórias de sua vida articuladamente com muitos detalhes vívidos. O diretor Jeffrey Schwarz adota uma abordagem geralmente padrão para o formato do documentário, combinando imagens de arquivo e entrevistas com Tab Hunter e seus amigos/colegas, ou seja, John Waters, Clint Eastwood e Debbie Reynolds.

Tab Hunter Confidential fornece um vislumbre atrás da cortina de uma forma que não é exploradora ou muito invasiva como os tabloides. O filme também funciona bem porque se move em um ritmo acelerado à medida que passa de uma história para outra. 


Hunter só saiu oficialmente do armário quando escreveu sua autobiografia, em 2006, na qual  o documentário é baseado. O filme inclui extensas entrevistas com Hunter, que ainda parece um tanto reticente em falar sobre sua sexualidade, mas mesmo assim ele se abre sobre sua carreira, seus relacionamentos com nomes como o astro de Psicose, Anthony Perkins, e os encontros forjados pelo estúdio com jovens e belas atrizes.


E então, como uma forma de libertação, veio John Waters, onde ele estrelou com Divine em Poliéster(1981) e depois ainda trabalhou com a drag, em Lust in the Dust(1985). Ele ainda fez mais quatro filmes, mas se aposentou da atuação em 1992.

Tab Hunter Confidential é um ótimo olhar sobre o mundo de Hollywood nos anos 1950, bem como como as estrelas gays naquela época lidavam com estar no armário e conviver com isso.


Haut Perchés(França, 2019)

Uma mulher e quatro homens, que mal se conhecem, encontram-se num arranha céu de Paris. Todos foram vítimas do mesmo dominador. Naquela noite, eles decidem colocar um ponto final nessa história, e superar seus traumas. Por sua vez, eles contam uns aos outros memórias que os prendem a esse homem e entram no único cômodo do apartamento para confrontá-lo. Mas o que acontece lá permanece em segredo.

Em um cenário teatral, Veronika (Manika Auxire), Lawrence (Lawrence Valin), Nathan (Simon Frenay), Marius (Geoffre Couët) e Louis (François Nambot) compartilham suas fantasias e medos. Um deles, na verdade, expressa que não se pode distinguir ficção da vida real; Eles também fazem algumas confissões, revelam expectativas amorosas dizendo que a maioria de suas fantasias são sofrimento e humilhação porque o desejo manipula todos nós.


O filme age como uma peça altamente estruturada de teatro conceitual. Olivier Ducastel e Jacques Martineau criaram um filme que poderia prosperar igualmente bem no palco, dado o seu drama apertado, claustrofóbico e movido a diálogos. 


O roteiro de Haut perchés dá lugar central à palavra: Os cinco personagens foram todos apaixonados pelo mesmo homem e contam seus respectivos sofrimentos, com a garantia de não serem julgados pelos outros. Cada fantasia revela algum tipo de desejo sadomasoquista. 


A câmera fixa cada confissão, mas o reencontro dos personagens com o ser incriminado é filmado fora da tela, o mistério de seus encontros despertando a curiosidade dos personagens, mas também do espectador não é visto. Há realmente alguém nessa sala?

O falso grupo de amigos tenta, de qualquer forma, criar um vínculo, compensando frustrações sentimentais com o desejo de criar novas amizades. Os diretores não evitam platitudes, cinismo gratuito ou redundâncias em uma história que luta para se resolver ao longo do tempo. 


A fotografia, de Manuel Marmier,  dá o tom, assim como as duas sequências solo de dança. Luzes e sombras relacionam-se com os monólogos de cada membro e do grupo como um todo, numa conversa densa e longa durante o filme, guarnecida com vinho.

Se o filme é muito diferente do anterior dos diretores, Theo & Hugo(2016),  isso não impede que haja ligações, e não apenas porque encontramos os dois atores principais Geoffrey Couët e François Nambot, bem como Simon Frenay que foi diretor de elenco.


Freak Orlando(Alemanha Ocidental, 1981)

Virginia Wolf encontra o underground kitsch alemão nesta extravagância performática e estranha de Ulrike Ottinger, um dos principais nomes do novo cinema alemão e influência assumida de Rainer Fassbinder.

Os cinco episódios situam Orlando(Magdalena Montezuma) na loja de departamentos Freak City (junto com seus sete anões), na Idade Média, no final da Inquisição espanhola, em um circo (onde ela se apaixona por irmãos siameses, e em uma grande turnê europeia com quatro coelhos (durante a qual ela aparece em um festival anual de feiura). 


Feminista cult, raro, bizarro e com muitos ares de Jodorowsky com Monty Python, o filme tem como  objetivo retratar a ascensão da civilização com absurdos simbólicos e surrealismos, usando um olhar feminino crítico.

Freak Orlando é leve no diálogo, e metade dele enfatiza performances teatrais e físicas. Orlando aparece em muitas situações e figurinos, incluindo: mamando no peito da mãe natureza, construindo a civilização primitiva batendo uma bigorna em um shopping, levando uma sociedade harmoniosa na floresta, subjugada e torturada pela ascensão do cristianismo com uma massa selvagem correndo em flagelação enquanto seguram um ídolo fálico.

Há uma profeta feminina de duas cabeças, uma Vênus nua é ridicularizada por homens boorish. Esta experiência divertidamente bizarra é uma teatralização constante, uma incursão visual que exala a raiva feminista.



quarta-feira, 16 de agosto de 2023

Um Romance do Além(Guan yu wo han gui bian cheng jia ren de na jian shi, Taiwan, 2022)


Wu Ming-Han (Greg Han Hsu) é um detetive policial homofóbico que trabalha com seu parceiro Lin Tzu-Ching (Gingle Wang) para derrubar o traficante Lin Hsiao-Yuan (Chen-Nan Tsai). Enquanto persegue um suspeito, Wu pega um envelope vermelho, que foi plantado pela avó de Mao Pang-Yu (Austin Lin), um gay que morreu recentemente em um atropelamento. Wu é forçado a passar por um casamento fantasma com Mao e a única maneira de se livrar da situação é realizar seus desejos de morte.

Um Romance do Além é uma comédia co-escrita e dirigida pelo taiwanês Cheng Wei-Hao. O filme é uma mistura queer com elementos policiais, já que o detetive Wu Ming-Han, revelado na abertura do filme como profundamente homofóbico, se vê marido do fantasma de Mao Pang-Yu. Como parte de seus esforços para ajudá-lo a cruzar, Wu decide resolver o atropelamento que matou Mao e descobre laços com o traficante que a delegacia está tentando derrubar.


O confronto de um homofóbico com seu pior pesadelo também não é exatamente original, as piadas às vezes parecem muito familiares. O que é mais interessante é como Cheng cruza diferentes gêneros. Inicialmente, é sobre os dois homens e como eles querem chegar a um acordo com uma vida juntos. Com o tempo, no entanto, mais e mais elementos do crime são adicionados.

Baseado em um estranho costume chinês, o filme funciona como a fusão perfeita do passado e do presente, enquanto suplica ao público que trate as pessoas com respeito e amor. A mensagem principal é simples: as preferências sexuais de alguém não devem ser um impedimento para tratá-lo com gentileza, porque não custa nada ser gentil.

Um Romance do Além impressiona o público com um roteiro divertido que introduz alguns personagens interessantes enquanto faz com que os dois protagonistas experimentem muitas emoções, terminando em adoração e respeito mútuo.



terça-feira, 15 de agosto de 2023

Permanent Green Light(França, 2018)

O novelista Dennis Cooper, é de natureza transgressora e reflete uma sensibilidade queer. Em Permanent Green Light, ele colabora com Zac Farley, para contar sua história. O filme foi originalmente inspirado no caso de um jovem australiano que se juntou ao EI, na Síria, e se explodiu, mas aqui, o jovem bonito, Roman (Benjamin Sulpice), que vive em um subúrbio francês não especificado de paredes gritantes e espaços em branco, não tem aliança política ou muita emoção discernível ou orientação sexual clara.

O estilo é lento e intimista, com apenas música diagética. Cenas envolvendo um prédio desabado, uma piñata, um colete suicida e um fornecedor de explosivos gradualmente levam ao ato radical de autoaniquilação de Roman. Ao longo do caminho, outros três jovens se desfazem de si mesmo.


Mergulhado na cultura e no sentimento da infância e adolescência, o longa é filmado em grande parte em close-ups, Permanent Green Light é contado através dos rostos de seus adolescentes. 


 Muitas vezes, os atos sexuais em que seus protagonistas se envolvem são motivados mais pelo medo e pela incerteza do que pela luxúria animal. 


O sexo só aparece explicitamente no desejo de um dos adolescentes, Guillaume, por Roman. Em uma cena desesperada, Guillaume tenta coagir Roman a dormir com ele depois de saber do plano do garoto de se explodir. 


 O longa é lindamente filmado, uma prova das habilidades de Zac Farley. Permanent Green Light é um trabalho tardio de um punk que manteve seu idealismo por tempo suficiente para retratá-lo, de forma indelével, na tela.



segunda-feira, 14 de agosto de 2023

QUEER LION 2023


O line-up do Queer Lion foi anunciado. São 17 filmes em competição, 3 fora da competição, 6 curtas e 1 restaurado. Todas as obras, com temas, narrativas e personagens LGBTQIA+ relevantes, serão exibidos durante o 80º Festival de Veneza, o ganhador será revelado na noite de 8 de setembro.


A THREAD NO TWITTER, OU X, DO CINEMATOGRAFIA QUEER, COM OS FILMES SELECIONADOS.

 

Fale Comigo(Talk To Me, Austrália, 2023)

Fale Comigo, o novo terror da A24, dos irmãos Danny e Michael Philippou, consegue dar uma nova roupagem ao nicho da possessão demoníaca. No filme, a encarnação é utilizada por adolescentes entediados como uma nova droga e tecnologia.

A vida de Mia (Sophie Wilde), de 17 anos, é completamente virada de cabeça para baixo quando sua mãe morre.A confiança no pai também está se deteriorando cada vez mais. Ela é atormentada pela pergunta se foi suicídio ou acidente. Para tirar a cabeça das coisas, ela passa boa parte do tempo com a amiga Jade(Alexandra Jensen) e seu  irmão Haley, interpretado pelo ator trans, Zoe Terakes, motivo pelo qual o filme foi banido no Kuwait.


A amizade das duas é complicada, do jeito que a vida adolescente pode ser, pelo fato de Jade estar namorando Daniel (Otis Dhanji), que já foi o primeiro namorado de Mia. Tudo isso significa que Mia está mais do que pronta para correr um risco se isso significar que ela pode se tornar o centro das atenções e/ou esquecer seus problemas emocionais por um pouco.


Os personagens principais de Fale Comigo, sentam-se em um semicírculo e se revezam segurando o que parece ser uma escultura de uma mão humana. Enquanto pegam esse totem grafitado, eles podem conversar com demônios, que aparecem por meio de cortes rápidos, e deixar as entidades possuí-los enquanto seus amigos filmam a invasão em seus celulares. 


Tomando o poder da expressão de uma mão feita de cerâmica, Fale Comigo concede o espiritual inteiramente na forma. Dessa forma, ele detém o poder de representar e apresentar a substância ao mesmo tempo em que ela é interpretada. 

A grande conquista do filme é como ele consegue fundamentar a possessão na realidade da vida adolescente moderna. A dissociação que os personagens descrevem enquanto possuídos, de que gozam, soa como a ilusão que se busca pelo uso de drogas ou mais, as redes sociais.


A sensação de turbulência psicológica e trauma, como física por algo como uma praga demoníaca, é igualmente devorada com a alienação do luto. Fale Comigo opera consistentemente como uma sugestiva peça de humor preocupada com as lutas de Mia para manter sua ligação com seu mundo. 


Os irmãos Philippou vêm desenvolvendo seu próprio estilo há anos. Seu canal no Youtube possui mais de 7 milhões de seguidores. Em termos de conteúdo, Fale comigo é solidamente concebido.  Subtramas e diálogos são autênticos e principalmente relacionáveis. Mesmo a ideia não tão nova de uma sessão espírita para falar com os mortos, ela é bem implementada, fresca e perturbadora.