quarta-feira, 31 de março de 2021

Outra história de amor(Otra historia de Amor, Argentina, 1986)


Primeiro e único filme dirigido por Américo Ortiz de Zarate, que três anos depois faleceu de AIDS, Outra História de Amor foi um dos primeiros filmes argentinos a tratar a homossexualidade, e causou polêmica por mostrar o relacionamento de um chefe, casado e pai de família, com outro homem.

Jorge Castro(Mario Pasik) está há um mês trabalhando na empresa, quando revela a seu chefe Raul Loreras(Arturo Bonin) que se sente atraído por ele. Espantado, o empresário o rejeita, porém começa a ter dúvidas em relação a seus sentimentos.

“Me definir como homossexual seria me limitar” fala Jorge para Raul em uma breve apresentação antes que os dois acabem na cama e comecem a se encontrar clandestinamente e se apaixonar completamente.

As cenas de beijo e sexo são extremamente sutis, afinal o filme foi realizado na América Latina dos anos 1980, ainda assim sofreram cortes em sua montagem original na Argentina, sendo exibido na íntegra na Espanha. A belíssima canção da trilha, Todos sin Vos, de Eduardo Alfonsin, embala uma das cenas mais belas do filme.

Quando Matilde(Alicia Aller) descobre sobre o caso do marido tenta o suicídio, na nota que o filho Beto(Daniel Galarza) lê está escrito o motivo. Com a família destruída e o trabalho em risco, Raul precisará se reconstruir se quiser encarar uma vida como homossexual.

Ganhador do Colón de Ouro de Melhor Filme no Festival de Cine Iberoamericano, em Huelva, na Espanha, em 1986, o longa é pioneiro e necessário. Seus personagens são tão diferentes, que aí está a beleza do filme, enquanto um enfrenta tudo com bom humor o outro sofre com a angústia de ser um homem estabilizado descobrindo uma nova realidade ainda que conte sempre com o apoio de sua Tia Ofélia(Nelly Prono) e o pai, que está num asilo.

terça-feira, 30 de março de 2021

Beijos Escondidos(Baiser cachés, França, 2016)


Produzido para a televisão francesa, Beijos Escondidos, de Didier Bivel, se propõe a escancarar a homofobia velada nas escolas e nas famílias, ao mesmo tempo em que é um filme sobre o amadurecimento de dois adolescentes.

Nathan(Bérenger Anceaux) acaba de se mudar para uma nova cidade com o pai Stephen(Patrick Timsit), um policial. Quando vai a uma festa é fotografado beijando um outro rapaz, não identificado, assim como o autor que posta nas redes sociais gerando uma onda de homofobia entre seus colegas de escola.

Ao contar para o pai Stephen sobre sua homossexualidade, Nathan mostra coragem e honestidade, enquanto seu progenitor de início o renega, mas aos poucos vai percebendo que aquela é a natureza do filho, algo que ele não pode mudar e deve aceitar.

Inteligente, o roteiro mostra os três ângulos de cada envolvido na foto, conforme vão sendo revelados novas situações vão sendo expostas, assim como a descoberta do parceiro de beijo, Louis(Jules Houplain).

Louis vive uma outra realidade, tem uma namorada e inclusive ataca Nathan em uma briga homofóbica no banheiro da escola. Mas quando seus pais Bruno(Bruno Putzulu) e Corinne(Barbara Schultz) descobrem pornografia gay no computador do filho, reagem da pior maneira possível, principalmente o pai, que vê no desprezo uma solução.

Com o posicionamento da escola, cheia de preconceitos através de suas políticas, a onda homofóbica acaba também afetando os seus professores, que tentam levar o bullying para o debate em sala de aula. O professor de inglês chega inclusive a citar Oscar Wilde e tem sua sexualidade questionada. Diante de tamanha crueldade, a professora de matemática sai do armário em sala de aula.

A homofobia, principalmente em países como a França, pode parecer exagerada para os dias de hoje. Mas acho que essa é realmente a intensão,  potencializar algo tão danoso na vida de um adolescente gay. Uma excelente obra, que mesmo feita para a TV, acabou nas salas de cinema da França, onde levou quatro milhões de espectadores.


segunda-feira, 29 de março de 2021

Entre Amigos(Love! Valour! Compassion!, EUA, 1997)


Joe Mantello, que recentemente dirigiu o remake de The Boys in the Band, é também o diretor de Entre Amigos. Sendo assim, é impossível não traçar um paralelo entre as duas obras, já que ambas são adaptações de premiados espetáculos sobre a realidade gay em diferentes contextos históricos: anos 1960 e 1990.

A versão cinematográfica da peça de Terrence McNally, com roteiro do próprio, é tão comovente ao contar a história de oito gays que dividem fins de semana em uma casa de campo, sempre expondo muita tensão, conflitos, questionamentos e ternura.

Ainda mais comovente é a cena em que vários deles vestem fantasias de bailarina para ensaiar uma série de ''Lago dos Cisnes'' em preparação para um evento beneficente contra a AIDS. Sem dúvida, o momento mais icônico da obra.

O fantasma da doença assombra Buzz(Jason Alexander), um fanático por cinema musical que traz referências de Cabaré, A Noviça Rebelde e Amor Sublime Amor. James(John Glover), irmão gêmeo de John, um pianista ranzinza, está morrendo do vírus.


Dirigido com confiança por Joe Mantello, que encenou a produção da Broadway,  Entre Amigos traz o elenco original do espetáculo para a tela, menos Nathan Lane, que interpretou Buzz, mas Jason Alexander combina perfeitamente com o resto do grupo.

E que grupo! Stephen Bogardus recria seu papel de Gregory, o anfitrião bonito e gago, um dançarino e coreógrafo com um olhar distante que esconde uma onda de raiva assustadora. Justin Kirk é seu amante quieto e cego, Bobby, que se envolve com o bonitão latino Ramón(Randy Becker).

O filme cria um clima intenso de tristeza à medida que o grupo de amigos se torna mais do que a soma de suas partes. Enquanto alguns personagens desabrocham outros estão murchando e tudo isso é narrado através de uma beleza singular que está na lua ao lago ou na nudez de seus atores.


domingo, 28 de março de 2021

Uma Cama Para Três(Gazon Maudit, França, 1995)


Josiane Balasko é uma figura do cinema francês, que dirige e co-protagoniza Uma Cama Para três, filme comovente, engraçado e profundamente sexy. Como contadora de histórias, ela tem uma visão fascinante da comédia erótica e humana.

Loli, Victoria Abril tão sensual quanto em Áta-me de Almodóvar, é uma dona de casa que tem um marido mulherengo, Laurent (Alain Chabat) e dois filhos. Quando conhece Marijo(Balasko), uma lésbica robusta e incrivelmente magnética, as duas se envolvem, iniciando um inusitado triângulo amoroso.

Enquanto Laurent faz piadas de caminhoneiro sobre Marijo com seu 'parceiro de crime' Antoine(Ticky Holgado), ela está fumando um e iniciando um romance com sua esposa espanhola. A partir daí, todos os tipos de complicações e permutas cômicas são obtidas.

Como o clássico francês A Gaiola das Loucas, Uma Cama para Três se arrisca num território queer, explorando de forma divertida a sexualidade humana. Victoria Abril não tem problema algum em ter sua nudez explorada.

Os três atores centrais  são fantásticos. Abril, que vinha dos filmes de Pedro Almodóvar, é como uma criança nervosa, com uma forma muito natural de expressar todas as suas necessidades. Chabat é fervilhante e astuto. E Balasko, totalmente a vontade e carismática num papel que criou para si mesma.

 
De certa forma, o longa remonta a uma era anterior do cinema francês, a dos anos 1960 e 1970, quando filmes de Agnès Varda exploravam as possibilidades radicais de novos tipos de relacionamento.

O que é mais divertido no filme é a sensação arejada que ele transmite, de que esses personagens podem literalmente se reinventar o tempo todo. Destaque para participação especial de Miguel Bosé ao final, outro colaborador de Almodóvar.


sábado, 27 de março de 2021

Mr. Leather(Brasil, 2019)


Antes de realizar o ousado Vento Seco, o diretor goiano, Daniel Nolasco, dirigiu Mr. Leather onde adentra a fundo no mundo do fetiche para mostrar os bastidores do concurso Mr. Leather 2018, o segundo realizado no país.

O documentário começa de forma bem humorada apresentando Sr. D, precursor da cena Leather no Brasil. O homem é interpretado por um ator, que segundo o narrador é parente de alguém da produção e está ali por ser gostoso. Quando se muda para São Paulo, o fetichista inicia a cena no Brasil, realizando festas na lendária boate Eagle, em São Paulo.

Utilizando de uma linguagem mais lúdica do que jornalística, o diretor nos apresenta os quatro concorrentes do concurso: Dom PC, Deh Leather, Kake e Maoriguy. Os candidatos disputam pelo posto ocupado por Dom Barbudo, que representou o Brasil no concurso, em Chicago.

Desvendando os códigos por trás da cultura Leather e BDSM, os entrevistados falam com muita propriedade sobre a prática do fetiche e suas inspirações como O Selvagem da Motocicleta, Juventude Transviada e o cartunista homoerótico Tom of Finland, também responsável por boa parte das cenas provocativas que são encenadas.


A moda com poderosas jaquetas de couro, botas, jockstraps, máscaras, quepes e o harness, símbolo da cultura Leather, é apresentada com orgulho pelos concorrentes ao Mr. Leather, que tem uma história para cada uma das peças de seu guarda-roupas. Os trajes também servem para distinguir sua personalidades, completamente diferentes.

Há ainda uma cena onde podemos presenciar uma sessão de BDSM conduzida pela Dom Barbudo. Sexy e claustrofóbica, a sequência é de tirar o fôlego. De repente entramos em um sonho de domínio e submissão que nos leva a um pup play, pelas ruas de São Paulo.

Um dos entrevistados do filme é o estilista Heitor Werneck, que como um dos jurados do concurso e praticante da cena, aconselha os candidatos sobre como se portar e o que é mais relevante para carregar o título de Mr. Leather.

Instigante, o longa culmina num famigerado desfile de jockstraps e no anúncio do ganhador do concurso. Mr Leather é um triunfo, por apresentar uma tribo desconhecida, até no meio gay, e mostrar que para a iconografia do couro se difundir no Brasil, é necessário mais integração e menos carão.


sexta-feira, 26 de março de 2021

Um Estranho no Lago(L'Inconnu du lac, França, 2013)



Ambientando em uma única locação, o thriller homoerótico de Alain Guiraudie, evoca Alfred Hitchcock numa trama cercada de mistério e sedução, para lidar com a marginalização dos homossexuais, em um território hostil: o da 'caça' ao ar livre.


Frank, Pierre Deladochamps, que mais tarde protagonizaria Conquistar, Amar e Viver Intensamente, é um jovem que quer curtir o lago de pegação, transar e flertar. Em suas tardes de sol, ele acaba fazendo amizade com Henri(Patrick d'Assumçao), que frequenta o ambiente sem segundas intenções. Deladochamps ganhou o César de Ator Revelação por sua interpretação.

O lago é como um personagem, e o bosque por trás dele, como um microcosmos do prazer mundano. Lá homens se masturbam e praticam sexo. A abordagem do diretor não poupa na ousadia, vemos, inclusive, um orgasmo em close.

Ao conhecer Michel(Christope Paou), Frank é instantaneamente seduzido. Um crime no lago e suas investigações não abalarão o romance que é alimentado pela fome de sexo. “Se importa de não usar camisinha?” pergunta Frank, e é dessa maneira que ele se mostra completamente exposto aos perigos que rodeiam o balneário.

Com um tom naturalista, o longa, apesar de beber de outras fontes, não deixa de ter sua identidade própria. O diretor coloca o público como Voyeur, de diversas situações que desencadearão em um jogo de tensão e ansiedade.

Atmosférico, sensual e instigante, o filme venceu o Prêmio de Melhor Realização no Festival de Cannes, em 2013, além do Queer Palm, no mesmo evento. O lago que era um refúgio do sexo, acaba se tornando uma prisão de paixões avassaladoras.


quinta-feira, 25 de março de 2021

O Jardim(The Garden, Reino Unido, 1990)


Em O Jardim, Derek Jarman faz uma analogia bíblica para refletir sobre intolerância, cristianismo, AIDS e perseguição aos homossexuais. Evocando os quatro elementos da natureza, o filme tem um visual ousado, conceitual, colorido e mórbido, com uma câmera nervosa e o uso do fundo verde.

Numa mistura peculiar de surrealismo e fúria, O Jardim, é tão misterioso quanto intenso. Há uma imagem dos Doze Apóstolos como 12 mulheres em babushkas, sentadas a uma mesa à beira-mar enquanto correm solenemente os dedos nas bordas de taças de vinho para criar um zumbido sinistro.


Cristo é substituído por um casal gay, que nas cenas iniciais são vistos como amantes inocentes, mais tarde começam a ser assediados e perseguidos, inclusive por uma gangue de papais Noel, que cantam “God Rest Ye Merry, Gentlemen”.


Tilda Swinton, a musa de Derek Jarman, aparece como a Madona, ora vestida de rainha com um bebê, ora sendo fotografada por paparazzis mascarados ou desesperada acompanhando a crucificação dos homossexuais. Maria Madalena é uma drag queen esfarrapada e cintilante. Judas tem dois cartões de crédito.


O senso estético e imersivo do diretor eclipsa facilmente seus talentos conceituais. O Jardim tem uma energia ardente e caleidoscópica para compensar a natureza fácil de alguns de seus pensamentos mais inevitáveis. Além disso, tem a autenticidade da sua  própria condição de soropositivo.


Moderno e com linguagem de videoclipe, o filme que quase não tem falas, ainda invoca imagens de uma usina nuclear, saunas com gays mais velhos e um momento musical Think Pink, que traz um pouco de leveza para um filme irônico e sombrio. As flores do jardim, do próprio Derek Jarman, são usadas como fonte de esperança diante de um cenário assombroso de caos.


quarta-feira, 24 de março de 2021

Febre do Rato(Brasil, 2011)


Sexo, anarquia e poesia! Evocando Chico Science e o movimento mangue beat, Claudio Assis, de Amarelo Manga, mostra uma Recife em desarranjo, fotografada em preto e branco, por Walter Carvalho, e que dá voz aos marginalizados, como é de costume em sua obra.

Através da nudez dos personagens, percebemos que Febre do Rato parte do sexo para estabelecer sua narrativa. Com roteiro de Hilton Lacerda, de Tatuagem, o longa propõe um olhar periférico, porém fascinante das grandes metrópoles brasileiras.

Irandhir Santos é o poeta Zizo, que escreve para um jornal manifesto chamado “Febre do Rato” e quando não está discursando, está transando num tonel com sua vizinha mais velha. Tudo muda quando ele conhece Eneida(Nanda Costa), uma jovem cheia de ideais, porém desinteressada no artista.

A fluidez da sexualidade dos personagens transita por toda a obra, Boca Mole, vivido por Juliano Cazarré, expõe sua nudez sem pudor, enquanto participa de surubas e menáges. Já Paizinho, Matheus Nachtergaele, colaborador recorrente do diretor, está casado como uma trans, mas vive um dilema relacionado à essa questão.

As relações “subversivas” que o filme propõe são provocativas e podem até incomodar a um público mais conservador, no entanto são fundamentais para transmitir a mensagem que o diretor quer passar.

Diante de barracos, botecos, a praia ou o rio o filme vai atingindo seu clímax.  O corpo dividido pelas cópias do Xerox, a brutalidade das metrópoles, os instintos humanos, são símbolos que o diretor usa para promover uma reflexão contemporânea, política e periférica, fazendo de seu Recife, o retrato de um país.


terça-feira, 23 de março de 2021

Mariposa(Argentina, 2015)


O bater das asas de uma mariposa bifurca as vidas de Romina (Ailin Salas) e Germán, Javier De Pietro, de Ausente. O efeito borboleta proporciona uma narrativa complexa e visualmente bonita, no quarto longa do argentino Marco Berger, realizado logo após Hawaii.

Flertando com a ficção científica, o diretor em momento algum deixa de lado seus elementos característicos: o desejo, o amor, e o destino. A diferença é que aqui, pela primeira vez, o casal protagonista é heterossexual, deixando o homoerotismo em segundo plano, com os personagens de Julian Infantino e Justo Calabria.

Em uma das realidades, Romina é abandonada pela mãe e criada por uma família que a encontra na rua, ali cresce com o irmão Germán, que apesar de ter um vínculo divide uma grande tensão sexual, recurso comum na obra do diretor.

Na outra história Romina namora o melhor amigo de Germán e ele namora a melhor amiga dela. Novamente se dará um jogo entre eles, porém desta vez mais inocente, quase saído de um romance teen, eles são homem e mulher que relutam em assumir seus sentimentos.


Sem dúvida é um dos filmes mais complexos da obra de Berger, através de ângulos e truques de câmera que alternam de um enredo para o outro, ele usa de muita inteligência para concretizar seu roteiro.

A homossexualidade se faz presente, porém não é o enfoque do diretor que já provou que consegue ir de thriller à comédias de situação. Mesmo assim as silhuetas, os volumes, os corpos delineados de seus protagonistas seguem em evidência.

Os temas que marcaram sua filmografia estão todos aqui: a repressão, o desejo, a identidade sexual, a busca do verdadeiro amor. Busca essa que será o motor que moverá cada um dos personagens.

Em sua bela estética, na complexidade da narrativa e no grande trabalho dos protagonistas, para diferenciar uma versão da outra, é onde reside o encanto de Mariposa, principalmente por se tratar de uma proposta diferente, criativa e que exige a completa atenção por parte do espectador.


segunda-feira, 22 de março de 2021

O Charlatão(Charlatan, República Tcheca, 2020)


Representante da República Tcheca no Oscar, porém não indicado, O Charlatão da cineasta Agnieszka Holland, conta a história real do curandeiro e herbalista Jan Mikolásek(Ivan Trojan), conhecido em Praga como o ‘oráculo da urina’ por receitar e curar milhares de pessoas através de suas plantas medicinais, com o diagnóstico baseado numa análise detalhada da urina.

Assessorado por Frantisek Palko (Juraj Loj), o curandeiro vive numa mansão, é filantropo e segue realizando seus tratamentos, enquanto a imprensa o acusa de charlatão. O falecimento do presidente do país que o protegia, seguido pela morte de dois homens, supostamente por prescrições do herbalista, o levam à prisão, junto do assistente, onde podem ser sentenciados à morte.

Passado e presente se misturam para mostrar o jovem Mikólasek(Josef Trojan) aprendendo a exercer o seu futuro ofício. Também para explicar o início do romance entre ele e Frantiesk, esclarecendo depois de muita sutileza, sua homossexualidade.

A narrativa de O Charlatão, o lado obscuro de seus personagens, um homem preso por curar pessoas, são elementos que podem causar estranheza ao público, não acostumado com esse tipo de linguagem cinematográfica, porém tudo muda quando o longa começa a falar num idioma universal: o amor.

Além de tudo há o contexto político que se vivia, metade dos anos 1950, num período pós-guerra, a qual Mikólasek vivenciou, curando inclusive alguns nazistas. Uma época extremamente totalitária e que fazia questão de criminalizar a homossexualidade.

Apesar de uma certa lentidão, não espere por grandes reviravoltas, o filme prende até o final, seja acompanhando a agonia do homem injustamente preso ou admirando seu romance com o belo Frantiesk. Sincero e profundo, o longa propõe uma nova perspectiva à narrativa queer.

O roteiro, de Marek Epstein, é cirúrgico ao revelar lentamente aspectos da personalidade desse homem, uma verdadeira personalidade na República Tcheca, enquanto sinaliza o interesse em denunciar a opressão do governo comunista sobre qualquer um que estivesse em desconformidade com seus padrões.



domingo, 21 de março de 2021

Mary e Max - Uma Amizade Diferente(Mary & Max, Austrália, 2009)


Mary & Max: Uma Amizade diferente,
é bom ressaltar, não trata de homossexualidade, mas há tantos temas explorados nele, que nossa sigla acolhe, que seria impossível não reverenciar essa inusitada e criativa animação em stop-motion

Dirigido por Adam Elliot, vencedor do Oscar de melhor curta animado em 2003, por Harvie Krumpet, o filme opta por um visual sombrio, que lembra uma mistura de Tim Burton com As Biciletas de Belleville, para contar a amizade via cartas entre uma menina, de 8 anos, e um estranho homem, de 44, que vive em Nova York.

Em 1976, motivada pela dúvida de onde vêm os bebês na América, pois na Austrália ela acredita que seja em um copo de cerveja, Mary manda uma carta ao primeiro nome que encontra na lista telefônica: Max Jerry Horovitz.

Mesmo sendo quase impedida por sua mãe, a fumante compulsiva e alcoólatra Vera, Mary consegue ler sua resposta, e descobre um mundo fascinante contado através de cada detalhe da rotina de Max. Para ambos é a primeira relação de amizade fora os bichos de estimação.


As cartas vão marcando a narrativa e os acontecimentos. Repletas de fortes emoções as massinhas de modelar transmitem uma humanidade que se dá pela voz de seus protagonistas, Toni Collete e, o saudoso, Philip Seymour Hoffman, mas também pelo apuro técnico e capricho na construção dos bonecos.

Ficando muito nervoso quando Mary toca em assuntos como sexualidade, Max acaba sendo internado e diagnosticado com Síndrome de Asperger. Do outro lado do mundo, a amiga quer estudar psiquiatria para ajudar Max em sua ‘doença’, que ele julga como algo completamente normal e parte dele.

Com um visual riquíssimo, o filme também nos guarda boas surpresas no que diz respeito à referências, há desde Bonequinha de Luxo, Sonny & Cher, Boy George e uma comovente sequência ao som do clássico Que será, será.

Unidos pela solidão, pela paixão por chocolates e pelo desenho animado Noplets, Mary e Max são personagens complexos como poucas vezes se viu em animações. Melancólico e sombrio, o filme vai fundo ao abordar temas como bullying, fobia social, autismo, alcoolismo e suicídio.