sexta-feira, 18 de julho de 2025

Superstar (Espanha, 2025)


 “Superstar”, minissérie de Nacho Vigalondo, reimagina a ascensão de Tamara/Yurena, nascida María del Mar Cuena Seisdedos, com uma explosão de surrealismo, sátira pop e camadas queer. Produzida por Los Javis, a série de seis episódios, cria um universo radiante que explora conflitos entre figuras públicas que definiram a TV espanhola dos anos 2000. Inspirada em Tamara/Yurena, a estrela pop que brilhou com “No cambié” antes de enfrentar controvérsias e um retorno triunfal nos anos 2010, “Superstar” é uma montanha-russa emocional. Com uma estrutura antológica, cada episódio foca em um personagem, de Tamara a sua “gangue de freaks” , mudando de linguagem e estética, o que é o grande acerto da atração.

O primeiro episódio estabelece o tom fantasioso com a infância de Tamara, interpretada pela jovem Sofía Gonzáles como “Tamarita”, a visão eternamente infantil que sua mãe, Margarita Seisdedos (Rocío Ibáñez), tem dela. Ao som de Culture Club, a garota, caracterizada com roupas e trejeitos da futura Tamara rouba a cena, evocando uma nostalgia comovente e surreal. A relação entre Tamara e Margarita, uma mãe navegando os altos e baixos da carreira da filha, transforma-se em um refúgio para mães em crise existencial, mantendo a narrativa emocionalmente ancorada.

Cada episódio é um universo visual próprio, com mudanças radicais de estilo que servem ao propósito de pintar o mundo de Yurena. O segundo episódio, centrado em Leonardo Dantés (Secun de la Rosa), evoca “O Estranho Caso do Dr. Jekyll e Mr. Hyde”. O de Loly Álvarez (Natalia de Molina) é lynchiano, mas cheio de cor, enquanto o de Paco Porras (Carlos Areces, de “Os Amantes Passageiros”), um ex fake de Tamara, remete a “De Olhos Bem Fechados”, só que Camp e com fetiches queer. A saga de Tony Genil (Pepón Nieto), com saunas gays e darkrooms, adiciona camadas representativas, enquanto o episódio de Arlequín (Julián Villagrán) e o final, com Marimar, uma Yurena que nunca foi estrela, lembram Tim Burton e Michel Gondry. O surrealismo permeia todos, mas o último episódio costura imagens de arquivo reais, criando um impacto emocional que une ficção e realidade.

O elenco é um luxo! Ingrid García-Jonsson arrasa como Tamara/Yurena, capturando sua extravagância e fragilidade. Areces, como Paco Porras, cuja missão era “silenciar” Yurena, entrega uma performance magnética, misturando humor e caos. Pepón Nieto, como Tony Genil, enriquece com uma perspectiva caricata e com os momentos mais gays da série, em seu episódio próprio, enquanto a participação de atrizes trans como Ángeles Ortega, Samantha Hudson, Alex Saint e Juani Ruiz, marcas de Los Javis, adiciona genuinidade e representatividade, indo além do fanatismo pop.

“Superstar" condensa a vida de Yurena, de sua ascensão sem apoio das grandes gravadoras a seu status de “brinquedo quebrado” da TV, ao lado de Loly, Margarita, Arlequín, Leonardo, Paco e Tony. Cada episódio funciona como um filme fragmentado, unido por um fio condutor que ilumina figuras marginalizadas. Para quem busca fatos, a Netflix oferece o documentário "Eu Ainda Sou Uma Superstar", mas a minissérie é para quem quer uma sobrecarga sensorial fantástica.

Os pontos fracos são poucos. O tom surreal pode desafiar quem espera uma biografia linear, e referências culturais espanholas podem ser nichadas, mas é justamente aqui que a atração ganha força. Apesar de capítulos longos, a série nunca perde o espectador, graças à sua forte linha emocional. “Superstar” é uma celebração enérgica e respeitosa de uma era televisiva selvagem, humanizando ícones pop com humor, fantasia e um toque muito queer. 

quinta-feira, 17 de julho de 2025

Oh! Otto (Bélgica, 2025)


"Oh! Otto" é uma série belga, dirigida por Stijn van Kerkhoven e co-escrita por Emiel Van Wouwe e Ditte Jacoby,  com uma abordagem realista e sensível da comunidade queer, com uma narrativa rica em drama e comédia. Ambientada em uma Bruxelas radiante e inclusiva, a série acompanha Otto (Jonathan Michiels), um jovem de 26 anos que, após ser abandonado pelo primeiro amor, Boris (Gijs De Corte), só lhe sobra a melhor amiga, Lente (Jennifer Heylen).

Ele embarca em uma jornada de autodescoberta, utilizando um alter ego digital, Otto explora a cena queer da cidade, mergulhando em bares gays, noites de drag e encontros anônimos, enquanto busca preencher o vazio emocional deixado por suas perdas. 


A narrativa de "Oh! Otto" é habilmente construída, equilibrando momentos de humor ácido com reflexões profundas sobre identidade, amor e pertencimento. A jornada de Otto é universal, mas profundamente ancorada em experiências queer, o que a torna uma obra relevante e necessária. A série aborda temas maduros, como a repressão de desejos e as lutas internas, usando o cenário queer de Bruxelas como um espaço de liberdade e autodescoberta. Com episódios de 25 minutos, cada capítulo funciona como uma vinheta íntima, explorando diferentes facetas da vida do protagonista e da comunidade ao seu redor.

A representação da comunidade LGBTQIA+ é um dos maiores acertos de "Oh! Otto". A série oferece uma visão multifacetada e genuína da vida queer, explorando tanto as alegrias quanto os desafios de se ser quem é. Elementos como drag, couro e encontros anônimos são integrados de forma orgânica à narrativa, refletindo a diversidade da cena de Bruxelas.

Com direção segura, roteiro sensível e atuações memoráveis, “Oh! Otto” celebra a comunidade LGBTQ+ enquanto reflete sobre a busca por identidade e amor. O equilíbrio entre humor e drama, aliado à exploração de temas universais, torna a série relevante.

quarta-feira, 16 de julho de 2025

Miley Cyrus: Something Beautiful (EUA, 2025)

“Miley Cyrus: Something Beautiful” dirigido pela cantora em parceria com Jacob Bixenman e Brendan Walter, este projeto é uma cacofonia controlada, onde sons tão díspares quanto o rugido de um motor de motocicleta, os licks de guitarra inconfundíveis de Flea (Red Hot Chili Peppers) e até um monólogo dramático de Naomi Campbell, reminiscentes de Vincent Price em "Thriller", coexistem em perfeita harmonia. Cyrus, com sua voz rouca e presença magnética, assume o comando total dessa jornada artística de dois atos, revelando-se uma superestrela no auge de seu controle criativo.

A estética é bastante imersiva. Técnicas como dissoluções lentas, lentes de foco suave, fundos projetados e imagens refratadas constroem uma psicodelia visual que amplifica a potência das músicas. Faixas como "End of the World", com Cyrus em um minivestido verde-esmeralda Bob Mackie e "Easy Lover/ Interlude 2", com dançarinas de apoio em figurinos minimalistas destacam-se como ápices visuais e sonoros. Já em "Golden Burning Sun" e "Pretend You're Good", o uso de ventiladores adiciona um toque teatral, enquanto "Something Beautiful" eleva o rock progressivo a um nível explosivo.

A moda é um pilar essencial. Cyrus brilha em alta costura vintage, desfilando desde calças de penas turquesa, até peças históricas de Alexander McQueen e Thierry Mugler. A influência dos anos 90 permeia o projeto, evidente em faixas como "Reborn", com sua estética pixelada em preto e branco que remete a comerciais da Calvin Klein, e em "Walk of Fame", um riff dançante que ecoa o hino "Smalltown Boy" de Bronski Beat, com participação de Brittany Howard. Outro destaque é "Every Girl You’ve Ever Loved", onde Cyrus e Naomi Campbell entregam um pas de deux na passarela, capturado pelas lentes do diretor de fotografia Benoît Debie.

Embora “Something Beautiful" não siga uma narrativa linear tradicional, a obra se revela como uma coleção coesa que reflete a evolução artística de Cyrus. Há ecos de seus trabalhos anteriores, como os "Bangerz" de outrora, mas também uma abordagem experimental que a consolida como uma artista confiante e versátil.
“Miley Cyrus: Something Beautiful" é uma aula íntima de criatividade, onde Cyrus, ao lado de diretores talentosos e colaboradores como Flea, Campbell e Debie, transforma sons e imagens em uma celebração de sua trajetória. É uma obra que dói, lamenta e seduz, enquanto encanta com seu apelo estético e ousadia sonora. 

Cazuza: Boas Novas (Brasil, 2025)

"Cazuza: Boas Novas", de Nilo Romero e Roberto Moret, retrata um dos períodos mais marcantes da vida de Cazuza, ícone da música brasileira. Entre 1987 e 1989, o cantor enfrentava o diagnóstico de AIDS e um declínio severo de sua saúde, enquanto vivia um momento de intensa criatividade: lançou três álbuns, recebeu diversos prêmios e realizou mais de 40 apresentações do memorável show "O Tempo Não Para". O filme explora essa fase de resiliência e genialidade, oferecendo um olhar íntimo sobre o artista em um Brasil culturalmente efervescente dos anos 80.

Nilo Romero, que também roteiriza o filme, traz uma perspectiva próxima, construída a partir de sua relação pessoal com Cazuza. Isso se reflete em imagens de arquivo inéditas e depoimentos de nomes como Ney Matogrosso, Gilberto Gil, Frejat, Leo Jaime e Lucinha Araújo, mãe do cantor. A narrativa foca nos bastidores da vida de Cazuza, mostrando sua fraqueza diante da doença e sua força nos palcos.

A montagem, feita por Jordana Berg com apoio de Bianca Peres, alterna entre cenas de palco e momentos pessoais, valorizando performances de músicas como "Codinome Beija Flor", "Blues da Piedade", "O Tempo Não Para" e "Um Trem para as Estrelas". Um dos pontos altos é o show dirigido por Ney Matogrosso, cujas imagens de arquivo em VHS dos bastidores trazem um toque nostálgico e genuíno. Uma cápsula do tempo!

O filme trata a luta de Cazuza contra a AIDS de maneira sutil e comovente, sem transformá-la no foco principal. Depoimentos como o de Lucinha Araújo sobre a internação em Boston e os desafios nas gravações de "Burguesia" emocionam. A entrevista concedida a Marília Gabriela, na qual Cazuza nega estar com a doença, é incluída, evidenciando o estigma que o acompanhava e que, até hoje, permanece associado a ele. Ainda assim, o documentário prioriza a arte e a resistência do cantor, o que torna a homenagem mais delicada e humana.


"Cazuza: Boas Novas" destaca a resistência de Cazuza em um contexto de transformações no Brasi. O filme oferece uma janela histórica valiosa e celebra a força criativa do artista, alcançando tanto fãs quanto novas gerações, mesmo sem dialogar diretamente com o presente. Diferente da cinebiografia "Cazuza: O Tempo Não Para" (2004), que cobre toda a vida do cantor, o doc foca em um recorte específico, com um tom mais íntimo e depoimentos exclusivos.

O documentário é uma homenagem íntima e emocionante a um dos maiores nomes da música brasileira. Com imagens exclusivas e uma trilha sonora marcante, o filme resgata a memória de Cazuza de forma sutil e comovente, e com respeito, mas sem fazer dela o centro da narrativa. É uma obra tocante, que celebra a genialidade e a força do artista.

terça-feira, 15 de julho de 2025

Al Margen (Espanha, 2024)

“Al Margen”, de Eduardo Casanova, é um documentário que explora a história de Moisés, um homem que botou fogo em si mesmo em Madrid, explorando as motivações por trás desse ato extremo. Filmado em segredo ao longo de cinco anos, o projeto reflete a ousadia de Casanova, um cineasta que já havia abordado a deformidade física em “Peles” (2017) e a complexidade das relações em “La Piedad" (2022). A figura de Moisés, inspirada parcialmente em um personagem secundário de “Peles”, torna-se o centro de uma narrativa que combina realidade crua com elementos oníricos, uma marca do estilo do diretor. Este trabalho, se diferencia pela abordagem documental, que evita julgamentos e prioriza a exposição de uma vida esquizofrênica à margem da sociedade.

O filme estrutura-se como um prisma, revelando camadas da existência de Moisés sem oferecer respostas fáceis. A narrativa explora temas como saúde mental, dependência química, violência e teorias conspiratórias, mantendo o foco na complexidade do protagonista sem transformá-lo em objeto ou espetáculo. Casanova, conhecido por sua habilidade em abordar o desconforto, consegue equilibrar a densidade emocional com uma estética que transita entre o realismo e o surrealismo.

A direção demonstra precisão ao construir uma trama que não se desvia de seu propósito, mesmo diante de um tema tão delicado e difícil. A escolha do formato documental permite ao cineasta refinar seu estilo, mantendo a essência de sua filmografia, que frequentemente desafia convenções. No entanto, a utilização recorrente da lente olho de peixe, embora inicialmente interessante por sua distorção visual, torna-se um recurso excessivo, mas não seria Casanova senão tivesse exageros!

O ritmo de “Al Margen" é contido, com uma duração que evita prolongamentos desnecessários. O filme mantém um equilíbrio delicado entre documentar a realidade e incorporar elementos estilizados, como coisas queimando, sem jamais ceder à tentação de explorar o sofrimento de Moisés de forma sensacionalista. Temas como sua esquizofrenia, ou o uso de cocaína desde os 12 anos, são abordados sem filtros.

A ausência de imagens explícitas, como uma fotografia do ato de Moisés, reforça a decisão do diretor de priorizar a dignidade do protagonista, e suas consequências. Essa escolha é coerente com a proposta de documentar sem julgar, deixando as cinzas do fogo falarem por si.


“Al Margen” é indigesto e difícil de assistir. Eduardo Casanova é um cineasta que vai além da direção, assumindo o papel de artista e observador da condição humana. O filme é um estudo sobre uma sociedade que marginaliza o diferente, utilizando Moisés como um espelho de suas contradições.

segunda-feira, 14 de julho de 2025

Femme (Reino Unido, 2021)

"Femme" , de Sam H. Freeman e Ng Choon Ping, é um curta-metragem que, em apenas 18 minutos, entrega uma experiência intensa e envolvente. A trama, que em 2023 se transformou num potente longa, segue Jordan (Paapa Essiedu) que entra no carro de um traficante (Harris Dickinson) e logo se vê em uma situação perigosa. O que começa de forma equilibrada rapidamente ganha camadas de tensão. A habilidade do filme em desafiar o previsível é um dos seus maiores êxitos.

Paapa Essiedu está simplesmente incrível como Jordan. Ele traz o carisma necessário para  um personagem que, em tão pouco tempo, conquista o espectador. Do outro lado, Harris Dickinson dá vida ao traficante com uma intensidade crua, encarnando a masculinidade tóxica de um jeito que arrepia e complementa os temas do filme. A química entre os dois é elétrica, carregando a história com uma energia que faz toda a diferença.

O estilo visual de "Femme" é um show à parte. Com cores vibrantes e uma cinematografia afiada, o filme cria uma atmosfera que intensifica a tensão e a energia da narrativa. A direção de Freeman e Ping injeta um movimento dinâmico e uma vibe jovem que tornam tudo mais fascinante. Não é só um pano de fundo bonito, os visuais trabalham junto com a trama, puxando ainda mais pra dentro da história.

O lance queer em "Femme" é tratado com respeito e coragem. O curta adentra em temas pesados como homofobia e masculinidade tóxica, mas foge dos clichês batidos que já conhecemos. A abordagem é fresca e provocativa, cutucando feridas de um jeito inteligente e sem medo.

A direção e o texto são o motor de "Femme". Sam H. Freeman e Ng Choon Ping constroem uma narrativa que começa tranquila e vai acelerando aos poucos, com um controle impressionante da tensão. Tudo cresce de forma orgânica até o clímax. Mas como aqui, o tempo é limitado, é catarse pura, enquanto no longa os diretores conseguiram expandir o universo dos personagens. 


Exibido em Festivais e premiado no British Independent Film Awards "Femme", de 2021, é um achado, para quem como eu, ama “Femme”, de 2023.  É visceral, ousado, intenso e surpreendente, do início ao fim. É o tipo de cinema que provoca e realmente deixa muitas margens para a criação de um longa.

domingo, 13 de julho de 2025

As Núpcias de Drácula (Brasil, 2018)

Matheus Marchetti subverte Bram Stoker com "As Núpcias de Drácula", seu longa de estreia, uma releitura audaciosa e experimental do clássico, publicado em 1897. Ambientada em uma paisagem exuberante da América do Sul, longe das sombras góticas da Transilvânia, o filme transporta o Conde Drácula (Daniel Simioni) para um cenário tropical, onde ele caça jovens amantes, tanto homens quanto mulheres, em uma busca que transcende o simples desejo por sangue. A proposta de Marchetti é reimaginar o mito vampiresco com uma narrativa que explora sexualidade, poder e identidade.

Visualmente, o filme é deslumbrante, trazendo as marcas visuais características do diretor, como o uso de neon, simbolismos e piscinas, combinadas a uma estética artesanal.  Filmado em locações como a Praia do Camburizinho, em São Paulo, "As Núpcias de Drácula" utiliza a beleza natural como pano de fundo para a escuridão do vampiro. A fotografia, de João Paulo Belentani, cria uma atmosfera onírica, sedutora e ao mesmo tempo perturbadora, captando a dualidade entre luz e trevas.

Rodado totalmente de forma independente após o curta  “Bosque dos Sonâmbulos”, o filme contou com equipamentos emprestados pela FAAP, onde Matheus se graduou em 2017. A maneira como o filme foi feito, coletivamente, onde atores também exerceram funções técnicas, sem receber por isso, reflete a paixão nesse que é o trabalho financeiramente mais enxuto de Marchetti.

Evocando o universo de Jean Rollin e Jess Franco, “As Núpcias de Drácula” explora temas como sexualidade e poder de maneira inovadora. Aqui, Drácula não é apenas um predador, mas um ser que constrói um harém de vítimas e amantes, entre eles Jonathan (Henrique Natálio) e Mina (Isabella Melo). O homoerotismo, especialmente na relação entre o Conde e Jonathan, moderniza o mito do vampiro e o torna relevante para discussões atuais sobre identidade e desejo, além de traçar um paralelo com o HIV, o que adiciona uma leitura social.

A abordagem criativa de Marchetti oferece mais beleza do que sangue, mas quando o vermelho aparece, ele reverencia os clássicos da Hammer e seus ídolos góticos.

O olhar pessoal de Marchetti, traz uma interpretação única, com muita música erudita, outra de suas marcas, refletindo sua visão sobre o mito do vampiro.

“As Núpcias de Drácula” amplia os horizontes do terror nacional e consagra Matheus Marchetti como um talento promissor no cinema queer. Ao trasladar o Conde Drácula para os trópicos com ousadia, o filme reimagina a lenda do vampiro sob uma ótica fresca e profundamente pessoal. Com sua estética hipnótica e temas contemporâneos, a obra solidifica a reputação de Marchetti, que já prepara uma nova releitura de “O Retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde, prometendo continuar sua trajetória inovadora e única no cinema.

sexta-feira, 11 de julho de 2025

Vera e o Prazer dos Outros (Vera y el placer de los otros, Argentina, 2023)


"Vera e o Prazer dos Outros", de Federico Actis e Romina Tamburello, segue Vera (Luciana Grasso), uma adolescente de 17 anos em pleno despertar sexua, com os hormônios bombando,  aluga um apartamento para que outros jovens façam sexo enquanto ela escuta de fora, explorando seus próprios desejos e curiosidades.

O filme ganhou prêmios no circuito LGBTQIA +, um dos mais importantes foi o Vancouver Queer Film Festival de 2024, onde conquistou o Prêmio do Público para Melhor Longa-Metragem Internacional. Além disso, Luciana Grasso, recebeu o Iris Prize de Melhor Desempenho Feminino no Iris Prize LGBTQ+ Film Festival, em Gales.

Os aspectos queer se manifestam de forma orgânica explícita no desejo voyeur de Vera de observar dois homens tendo relações sexuais. Esse aspecto da narrativa não só desafia convenções heteronormativas, mas também explora a fluidez do desejo de maneira provocativa. O voyeurismo de Vera é apresentado como uma extensão natural de sua curiosidade sexual, permitindo que o filme aborde questões de consentimento e intimidade.

Outro elemento central é a bissexualidade de Vera e suas descobertas poliamorosas. Esses traços de sua identidade emergem como parte integrante de sua jornada de autodescoberta, retratados sem estereótipos. A narrativa sugere que a sexualidade de Vera é um espectro em evolução, e suas experiências poliamorosas enriquecem a trama, oferecendo uma visão multifacetada de como os jovens navegam suas identidades e relacionamentos em um mundo em transformação.

A combinação desses elementos,  o desejo voyeur, a bissexualidade e o poliamor, fortalece a representatividade queer do filme, posicionando-o como uma obra que transcende rótulos. "Vera e o Prazer dos Outros" celebra a diversidade sexual com uma abordagem sensível e destemida, criando um espaço onde os personagens podem explorar seus desejos livremente.

A encenação sensual de Actis e Tamburello, marcada por close-ups e uma trilha sonora sofisticada, destaca com maestria o desejo voyeurístico de Vera e seus sentimentos mais profundos. O feito notável do filme está em nunca cruzar a linha do voyeurismo, um equilíbrio especialmente impressionante considerando a idade da protagonista. 



quinta-feira, 10 de julho de 2025

Cris Miró (Ela) (Cris Miró (Ella), Argentina, 2024)

"Cris Miró (Ella)" é uma série biográfica que explora a vida de Cris Miró, a primeira vedete transgênero argentina a conquistar fama nos anos 90, deixando um legado inabalável na cultura e na comunidade LGBTQI+. Dirigida por Martín Vatenberg em colaboração com Javier Van de Couter, a produção traça a trajetória de Cris desde seus primeiros passos na discoteca Gaslight até seu estrelato nos principais teatros de Buenos Aires, como o Maipo. Mais do que uma narrativa sobre sucesso, a série destaca sua luta para afirmar sua identidade em uma sociedade marcada pelo machismo e seu impacto como pioneira.

A produção, em 8 episódios, reflete o cuidado de honrar a memória de Cris Miró. Martín Vatenberg, que também coescreveu o roteiro com Lucas Bianchini, traz uma perspectiva pessoal ao projeto, inspirado por sua admiração pela vedete desde a infância. O resultado é uma série que evita o sensacionalismo, focando na essência da protagonista e em sua influência cultural.

A escalação do elenco é um dos grandes pontos da série, com Mina Serrano arrasando no papel principal. A atriz espanhola, radicada em Paris e reconhecida na comunidade LGBTQIA+, entrega uma interpretação profunda e emocionante, capturando tanto a força quanto a fragilidade de Cris Miró.

A narrativa vai além da ascensão de Cris ao estrelato, explorando os desafios que enfrentou como mulher transgênero em um contexto social hostil. A série aborda sua relação complexa com a família, especialmente com a mãe, Nilda (Katja Alemann), e o apoio mais empático do pai, Sergio, interpretado por César Bordón, bastante conhecido do público brasileiro, e os obstáculos impostos por uma sociedade que a celebrava no palco, mas a julgava fora dele. Sua visibilidade como vedete abriu portas para a comunidade trans, mas também a expôs a pressões, como a exigência de cirurgias para se adequar a padrões de feminilidade.

A verdade é um pilar da série, sustentada pela performance protagônica e pela inclusão de imagens de arquivo, como entrevistas reais com figuras como Mirtha Legrand e Suzana Gimenez, que expõem os preconceitos dos anos 90.  Embora a série por vezes se concentre demais em recriar momentos públicos de Cris, ela ganha força ao explorar sua intimidade, como sua relação com o namorado Federico (Vico D’Alessandro) e seu mentor Marito (Marcos Montes). Esse equilíbrio entre glamour e gragilidade torna a produção envolvente e significativa.


"Cris Miró (Ella)" é um tributo poderoso a uma figura mítica que desafiou normas e pavimentou caminhos para a visibilidade trans na Argentina. Com uma produção cuidadosa, a obra se destaca para compreender a história recente do país e os avanços na representatividade, olhando para o passado para projetar um futuro glorioso.

FIRQ+ 2025: Uma Celebração do Cinema Queer em Pelotas!

Entre 23 e 25 de julho, o Festival Internacional de Cinema Ruídos Queer+ (FIRQ+) ilumina as telas da Universidade Federal de Pelotas com uma programação que pulsa cinema, resistência e diversidade. Em 2025, o festival reafirma sua missão de amplificar narrativas audiovisuais que desafiam normas, cruzam fronteiras e celebram identidades plurais, com uma curadoria afetuosa, insurgente e transformadora.

Realizado pela Coletiva Transperformática Ruidosa Alma, com apoio do Projeto de Extensão Universitária Transpoéticas, da Associação Transbordamos e do Cine UFPEL, o FIRQ+ é um espaço de luta cultural. A programação inclui oficinas, exibições inéditas, sessões temáticas como “Encantarias Encarnadas” e “Tramas Parentais”, mediações críticas e uma premiação de R$18.800 distribuídos entre 11 categorias.

Com 28 filmes na competição, avaliados por um júri de cineastas e especialistas, o festival destaca a excelência cinematográfica e a representatividade LGBTQIAP+.


Mãe, de João Monteiro

Confira os destaques da programação:


1º DIA – QUARTA-FEIRA (23.07)

  • 14h-18h: Oficina de Produção Audiovisual

  • 19h: Abertura com fala de curadores e apoiadores + Lançamento do eBook

2º DIA – QUINTA-FEIRA (24.07)

  • 16h-17h30: Sessão Encantarias Encarnadas
    “Redenção” (Toni Dri) | “Lamento da Força Travesti” (Renna Costa) | “Ebó de Xuxu” (Myra Gomes) | e mais!

  • 19h-20h30: Sessão Inéditos-Viáveis
    “Se Eu Tô Aqui É por Mistério” (Clari Ribeiro) | “Neon” (Daniel Luciancencov Petrillo) | e outros.

  • 20h30-22h: Sessão Corpo-Fronteira: Saúde e Luta
    “A Cura dos Corpos” (Diego Trevisan) | “Poder Falar – Uma Autoficção” (Evandro Manchine) | “Travando Lutas” (Beni Campos).

3º DIA – SEXTA-FEIRA (25.07)

  • 14h-15h30: Sessão Fogueira em Alto Mar
    “Desesquecer” (Mayara Ferrão) | “Kokum’s Love” (Bianca Rêgo) | “Mururé” (Gabriela Luz) | e mais.

  • 16h-17h30: Sessão Atos para (Re)Existir
    “Todo Lo Que Se Transforma” (Fran Caffarel) | “Chimera” (Gael Jara, Martín André) | “God’s Daughter Dances” (Sungbin Byun).

  • 19h-20h40: Sessão Tramas Parentais
    “Mãe” (João Monteiro) | “Reflorescer Maternidade Lésbica” (Isabella Graça) | “Soy Una Niña” (Richard Zubelzu).

  • 20h45: Divulgação dos premiados

O FIRQ+ 2025 é uma explosão de arte, ancestralidade e resistência, convidando todes a mergulhar em histórias que emocionam e transformam. Saiba mais no site oficial do FIRQ+ e no Instagram @ruidosqueer.


Memórias de um Espião (Another Country, Reino Unido, 1984)

 "Memórias de um Espião", adaptação da peça de Julian Mitchell, é um filme que explora a vida de Guy Bennett (Rupert Everett), inspirado no espião Guy Burgess, na Inglaterra dos anos 1930. Dirigido por Marek Kanievska, o filme mantém o espírito teatral. A história mostra a pressão de uma escola inglesa de elite, onde privilégio e regras rígidas moldam os personagens, e a traição e a chantagem aparecem como peças-chave na criação de um espião. É uma trama que não envelhece, falando de lealdade, identidade e poder de um jeito que ainda faz sentido hoje.

A representatividade é um dos pontos mais fortes do filme, tratada com cuidado para a época. A homossexualidade de Guy Bennett não é só um detalhe, mas o que o coloca em conflito com o sistema. O suicídio de Martineau, um aluno pego em um relacionamento com outro garoto, deixa claro o peso da repressão na escola e na sociedade. O filme não tenta romantizar a experiência queer, mas mostra como ela revela a hipocrisia de um sistema que exige que todos sigam a mesma linha. A relação entre Bennett e Harcourt (Cary Elwes) é delicada e cheia de emoção, trazendo à tona a solidão e a fragilidade de viver sob homofobia, um tema que ainda ecoa.

O filme se destaca pelo charme visual, pelo roteiro quase perfeito de Mitchell e pelas atuações incríveis. Rupert Everett em seu primeiro papel no cinema, é carismático, sensível e rebelde. Colin Firth, como Tommy Judd, traz uma energia intensa como o amigo idealista e comunista, e a química entre os dois, que já haviam feito a peça juntos, é um dos pontos altos.

O que faz "Memórias de um Espião" especial é como ele mistura temas pesados, sexualidade, política, privilégio e traição, sem perder o lado humano dos personagens. O romance entre Bennett e Harcourt, mesmo sendo ficcional, dá um toque emocional forte.
"Memórias de um Espião" vai além do seu tempo, falando de coisas que ainda importam, como identidade, resistência e sacrifício. As atuações  junto com o texto afiado de Mitchell, transformam o filme em algo maior que uma simples adaptação. Ele critica a homofobia e a desigualdade de classe de um jeito que ainda faz pensar, tornando-se um marco do cinema britânico que continua relevante para falar sobre poder e privilégio.

quarta-feira, 9 de julho de 2025

Los Domingos Mueren Más Personas (Argentina/Itália/Suíça, 2024)

 

"Los Domingos Mueren Más Personas", dirigido, escrito e estrelado por Iair Said, é uma tragicomédia argentina que combina humor e melancolia de maneira sutil. A história acompanha David (Iair Said), um homem judeu, gay, na casa dos 30 anos, que retorna de Roma a Buenos Aires após a morte de seu tio. No entanto, o verdadeiro peso da trama está na revelação de que o pai de David está em coma há um ano, e sua mãe, Dora (Rita Cortese), planeja desligar o respirador. Enquanto lida com o fim de um relacionamento amoroso, David parece mais afetado pela perda romântica do que pelos eventos familiares.

A homossexualidade de David, um cara acima do peso, é um aspecto importante, mas não o centro da narrativa, sendo tratada com naturalidade. Ele tenta se reconectar com outros homens após o término, frequentando encontros casuais. No entanto, esses momentos são retratados de forma mais melancólica do que celebratória, refletindo a vulnerabilidade de um homem em crise. 


A família de David traz um contraste vibrante à sua apatia. Dora entrega uma atuação intensa, quase teatral, enquanto a irmã Elisa (Juliana Gattas) e a prima Silvia (Antonia Zegers) complementam o elenco com energia e emoção. Essas mulheres lidam com o luto de maneira expressiva, enquanto David permanece reservado, quase alheio às tragédias ao seu redor.

O filme opta por um tom contido, alinhado à personalidade introspectiva de David. Não há grandes explosões emocionais ou diálogos memoráveis; a morte e o luto são tratados com uma certa leveza, quase cotidiana. Essa abordagem reflete a forma como as pessoas enfrentam tragédias na vida real, mas carece de um momento de catarse.


Visualmente, "Los Domingos Mueren Más Personas" adota um estilo naturalista, com uma fotografia que não busca embelezar a realidade. A escolha combina com a figura de David, um homem comum, fora dos padrões estéticos idealizados do cinema. Ainda assim, a simplicidade da estética destaca a humanidade dos personagens, especialmente as fraquezas de David, que sustenta a empatia do espectador.


O longa é uma obra que valoriza a sutileza, capturando a complexidade das emoções humanas sem recorrer a grandes gestos dramáticos. O título, que faz referência à tradição judaica de realizar enterros no domingo quando a morte ocorre no Shabat, é um detalhe simbólico que enriquece a narrativa. A história de David, com sua fragilidade e busca por conexão, cria uma empatia genuína, mesmo que às vezes seja atrapalhada pelo ego do diretor.

Los domingos mueren más personas, comedia para atragantarse

terça-feira, 8 de julho de 2025

Las Noches de Tefia (Espanha, 2023)

"Las Noches de Tefía", série espanhola da Atresplayer, é uma criação de Miguel del Arco que combina drama, comédia e elementos musicais para iluminar um capítulo sombrio da história da Espanha: a Colonia Agrícola Penitenciaria de Tefía, em Fuerteventura, que entre 1954 e 1966 funcionou como campo de concentração franquista para "reeducação" de homossexuais, dissidentes políticos e outros marginalizados. A produção, composta por seis episódios, destaca-se por sua abordagem sensível e inovadora, trazendo à tona a repressão sofrida pela comunidade LGBTQIA+ durante o regime de Franco.

A narrativa segue Airam Betancor, interpretado por Marcos Ruiz (jovem) e por Jorge Perugorría, do eterno "Morango e Chocolate" (1993), (na versão madura), que, em 2004, reflete sobre sua experiência no campo na década de 1960. Baseada no romance “Viaje al centro de la infamia”, de Miguel Ángel Sosa Machín, a série retrata os abusos físicos e psicológicos impostos aos internos sob a justificativa de correção moral. Contudo, a trama também celebra a resiliência dos presos, que criam um espaço imaginário, o music hall Tindaya, onde se expressam livremente, evocando suas identidades e sonhos, muitas vezes por meio de performances drag que desafiam a opressão.

Um dos maiores méritos da série é sua habilidade de mesclar gêneros narrativos através de sua estética, preto e branco para o campo de concentração, colorido vibrante para as cenas de 'fuga'. A combinação de drama histórico, comédia e números musicais resulta em uma experiência que equilibra a dureza dos temas com momentos de leveza e esperança. Essa abordagem permite que a série trate de questões como repressão, trauma e resistência de forma acessível, humanizando os personagens e criando uma conexão emocional com o público. A direção de Miguel del Arco e Rómulo Aguillaume, aliada a uma fotografia que utiliza luz e cor de maneira expressiva, reforça o contraste entre o ambiente opressivo do campo e a liberdade sonhada no Tindaya.

O elenco entrega atuações marcantes, com destaque para Marcos Ruiz, que dá vida a Airam e seu alter ego drag, La Bambi, com vulnerabilidade e força, e Patrick Criado, como La Vespa, cuja energia carismática carrega camadas de dor. Atores como Miquel Fernández (Charli), Israel Elejalde (Don Anselmo) e José Luis García Pérez (El Andaluz) complementam o grupo com interpretações que evidenciam a camaradagem e as tensões entre os internos.

A relevância de "Las Noches de Tefía" reside na contribuição para a memória histórica e a visibilidade da comunidade LGBTQIA+, na Espanha. Ao abordar a perseguição sofrida por homossexuais durante o franquismo, a série resgata histórias silenciadas e reforça a importância de reconhecer as injustiças do passado para construir um futuro mais inclusivo.

Premiada com um GLAAD, entre outros, a atração é uma obra essencial que alia compromisso histórico, sensibilidade artística e audácia narrativa. Sua capacidade de transformar uma história de dor em uma celebração da resistência e da identidade a torna uma inclusão poderosa ao catálogo de narrativas queer, ainda que não esteja oficialmente disponível no Brasil.