quinta-feira, 25 de julho de 2024

Estranho Caminho (Brasil, 2023)

Grande vencedor do Festival de Tribeca, em 2023, o filme do diretor cearense Guto Parente segue um jovem cineasta que mora no exterior há vários anos e retorna ao Brasil para estrear seu último filme em um festival de cinema experimental. David (Lucas Limeira) reencontra Fortaleza e seus velhos amigos, mas também recupera o contato com seu pai Geraldo (Carlos Francisco, de Marte Um, e premiado no Festival), um homem solitário com quem não fala há dez anos.

A história se passa no início da pandemia do coronavírus, e as ordens de confinamento impedem que David consiga lançar seu filme ou deixar o país, ficando preso na casa onde seu pai mora. Mas Estranho Caminho  não é um filme sobre o coronavírus, ele usa o contexto da pandemia e o sentimento alienante que ela provoca, para construir uma história que fale sobre laços familiares rompidos e, principalmente, a relação entre um pai e um filho cuja comunicação nunca foi tão próxima. 


Guto Parente já havia adotado uma narrativa queer em obras anteriores como Doce Amianto(2013) e Inferninho(2018), aqui porém o ponto está na sutileza. Em um tom quase autobiográfico e numa atmosfera documental, a obra narra a difícil comunicação entre pai e filho, um tema comum entre pessoas LGBTQIA+


Com o passar dos dias, as interações de Davi com o pai tornam-se cada vez mais tensas e surreais. Geraldo gasta cada hora digitando algum tipo de manuscrito, um conteúdo  que ele se recusa a discutir com Davi. Sempre que Davi pergunta alguma coisa, Geraldo retruca com raiva, ameaçando expulsá-lo. 


O uso de sequências oníricas que refletem o estado de espírito de David, e devaneios que o colocam em um ambiente familiar diferente, acabam elaborando um olhar pessoal e íntimo. Há também um senso de humor que olha com ironia para as situações absurdas ocorridas durante a pandemia.


O roteiro de Guto Parente também remete à incerteza de familiares isolados em hospitais e à perda de entes queridos, de modo que finalmente um filme que usa a pandemia como pano de fundo para temas muito mais universais tornando um dos melhores vislumbres dos transtornos causados pelo vírus.


Apesar do comportamento de Geraldo, de suas excentricidades e de suas falhas, a realidade de seu vínculo é dependente de atos silenciosos e não expressos de ternura que são realizados quando, talvez, seja tarde demais.  NOS CINEMAS EM 1º DE AGOSTO VIA EMBAÚBA FILMES.

quarta-feira, 24 de julho de 2024

Onda Nova (Brasil, 1983)

Segundo longa de uma trilogia dos diretores Ícaro (Francisco) Martins e José Antonio Garcia, em que constam os premiados O Olho Mágico do Amor (1981) e Estrela Nua (1985), ONDA NOVA será exibido, em cópia restaurada e remasterizada, no Festival de Locarno, que acontece entre 7 e 17 de agosto, na Suíça. A obra faz parte da seção “Histoire(s) du Cinéma”, espaço do festival dedicado ao resgate de clássicos raros e filmes que lançam uma nova luz sobre a história do cinema.

ONDA NOVA teve sua primeira exibição no Brasil na 7ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 1983. Logo em seguida, foi proibido pela Censura do regime militar e só pôde ser lançado quase um ano depois, o que prejudicou muito sua carreira comercial.


Protagonizado por Carla Camurati e Cristina Mutarelli, o filme, que tem roteiro assinado pelos diretores, traz a história das jogadoras do Gayvotas Futebol Clube, no ano em que o futebol feminino foi regulamentado no Brasil, após ter sido banido por 40 anos, até 1979.


Esse time de jovens paulistanas desafia a moral vigente sobre gênero e sexualidade, ao mesmo tempo em que as jogadoras lidam com seus problemas pessoais. No campo, contam com o apoio de jogadores renomados, como Casagrande e Wladimir, fundadores da famosa "Democracia Corintiana", e Pitta. Também participam do filme artistas como Caetano Veloso, Regina Casé e o locutor Osmar Santos.



Apesar de não ser uma “pornochanchada” tradicional, ONDA NOVA foi produzido
de forma semelhante, na Boca do Lixo. Seu lançamento comercial tardio, quando esse ciclo já havia acabado, de certa forma o coloca como o último do gênero. Entretanto, como nas outras obras dos diretores, o filme rechaça o moralismo sexista dessas produções comerciais.


“É um filme onde o desejo assume o protagonismo, define e conduz as personagens e a narrativa. Mesmo não tratando diretamente de política, ao colocar o desejo como afirmação de identidade e de vida, ONDA NOVA é a própria negação da ditadura vigente na época. Por isso a censura não foi apenas a uma cena ou outra, mas ao filme inteiro. Foi considerado ‘amoral’ e interditado integralmente”, conta Martins.


A seleção do filme para a seção “Histoire(s) du Cinéma” do 77o Festival de Cinema de Locarno, deu à produtora Julia Duarte – sobrinha do falecido José Antonio Garcia, a oportunidade de iniciar um projeto de restauro das obras de um cinema brasileiro que era pouco acessível, mas muito representativo.


Trazer ONDA NOVA novamente para as telas com a merecida qualidade, envolveu também refazer trailer e cartaz, que tinham desaparecido. A nova identidade visual ficou a cargo de Helena Garcia, artista gráfica e uma das filhas de José Antonio, e o trailer, ficou por conta de Marina Kosa (Tanto Produções). O apoio da Cinemateca Brasileira para a digitalização dos negativos originais e da parceria com a JLS, a Zumbi Post, a família do diretor falecido, e os esforços de Francisco Martins, uniram-se no intuito de preservar uma obra leve – e livre, que trata de questões muito presentes no Brasil atual.



FONTE: SINNY COMUNICAÇÃO


terça-feira, 23 de julho de 2024

Fantasmas (EUA, 2024)

Julio Torres é um nome a ser notado, após seu longa da estreia na direção, Problemista, ele produz e estrela sua própria minissérie, para a HBO, onde praticamente reprisa o papel, o de si mesmo. Julio visita a sede da Crayola, onde diferentes cores estão atendendo chamadas de atendimento ao cliente. Ele lança uma nova cor clara, e os executivos com quem ele está se encontrando se perguntam qual é o propósito. "Colorir algo claro é reconhecer que as coisas são diferentes, e tudo bem." Como ele quer chamar a cor? "Fatasmas".

Como nas melhores obras de Michel Gondry, a atração, de seis episódios, é desenvolvida através de esquetes alimentadas pela lógica onírica.  O enredo em si para Fantasmas é hilariantemente direto ao ponto. Julio Torres, está à procura de seu brinco de ostra dourada perdido. Sua jornada o leva a encontrar todos os tipos de pessoas e esquisitices ao longo do caminho. Há uma razão, no entanto, para que Julio esteja fixado nesse brinco. É o tamanho exato de sua marca de nascença que ele agora está convencido de que é cancerígeno. Ele precisa do brinco para confirmar seus temores de que a marca de nascença tenha crescido.


Essa fixação é um meio de se distrair de outras questões maiores. Ele recebe continuamente mensagens e ligações sobre ser despejado de seu apartamento. Para ficar e/ou encontrar um novo apartamento, ele precisa de algo chamado "prova de existência", algo que ele é absolutamente contra fazer.

Sua agente, Vanesja, interpretada por Martine Gutierrez, tenta desesperadamente fazê-lo se concentrar nisso, não em sua marca de nascença. Enquanto ela está tentando fazê-lo estrelar um comercial duvidoso no estilo Orgulho para um cartão de crédito, ele está rastreando clubes gays administrados por hamsters traficantes.


A burocracia se mostra uma barreira constante, já que vários órgãos exigem provas da existência de Julio. Fantasmas explora como a papelada e a burocracia podem encaixotar as pessoas, sufocando as almas criativas. Uma crítica também ao sistema de migração, já que Torres é de origem latina.


O diretor de fotografia Frederik Wenzel enquadra cada cena peculiar com calor e cuidado, imbuindo até mesmo os momentos mais bizarros com humanidade fundamentada. Além disso, Torres cria uma paleta visual única ao longo da série e o design de produção brilhante dá à série uma natureza tátil que parece de outro mundo.


As participações especiais são muitas e bastante inusitadas: Paul Dano, Steve Buscemi, Natasha Lyonne, Kim Petras, Alexa Demmie, Emma Stone, que está na produção, Bowen Yang, como um ajudante de papai noel sendo processado por elfos, e até a sempre fluída Tilda Swinton, como a água.


Fantasmas exemplifica o espírito criativo sem limites de Torres, que não está disposto a ser confinado por convenções ou normatividades. Oscilando entre gêneros de melodrama, fantasia e paródia, ele cria um mundo tão estranho e surreal quanto a mente humana.



segunda-feira, 22 de julho de 2024

Presença (Brasil, 2023)

“Presença”, estreia na direção de um longa metragem, de Erly Vieira Jr, que também assina o roteiro,” é um documentário  sobre três artistas afro-brasileiros, atuantes no Espírito Santo e com carreiras consolidadas internacionalmente, que fazem de seus corpos o meio e objeto de sua arte. 

Marcus Vinícius, Castiel Vitorino Brasileiroe Rubiane Maia construíram as carreiras percorrendo o mundo em busca da reinvenção do próprio corpo. O filme mescla imagens de arquivo de trabalhos e intervenções dos artistas e performances inéditas, concebidas especialmente para o filme, e fazendo uso de  um desenho de som e uma edição que valorizam conexões entre obras tão distintas. 


Para o diretor Erly Vieira Jr., “‘Presença’ é um filme sobre artistas que compreendem a performance como forma de insubordinação diante dos papeis sociais, que se costumam predeterminar a eles com uma abordagem bastante poética, algo que sempre me instigou. Esses corpos são desobedientes, excessivos, transbordantes, muitas vezes levados a seus limites, e constantemente reinventados através de gestos, ritmos, movimentos, conectando-se a nós, espectadores, de formas bastante surpreendentes.” 


Questões como a relação com a paisagem e a conexão com a natureza e seus elementos, a fragilidade da experiência humana, a solidão existencial, a espiritualidade, a racialidade, a performance como uma metodologia de contato íntimo com o espectador, são alguns dos temas universais que o filme aborda. 


Ao fazer seu corpo performático surgir numa explosão, e muitas vezes enfrentando riscos físicos, Marcus Vinícius se propôs, através da sua arte, transfigurar a dor em leveza e em silenciosos rituais cotidianos. Rubiane sempre teve o desejo de voar como quem dança, mas o confronto direto com o racismo, após uma temporada vivendo na Europa, a fez buscar outros modos de conexão que atravessaram o Oceano Atlântico na diáspora afro-brasileira. 


Já Castiel se autodeclara triplamente curandeira (como psicóloga, artista e macumbeira), que “escolheu ser peixe antes de ser humana”, segundo a tradição da cosmogonia Bantu. Ela entende sua transgeneridade como uma transmutação, numa conexão espiritual com as matas e a força das águas, capaz de romper as armadilhas da racialização e da colonialidade. 


FONTE: ASSESSORIA DE IMPRENSA PRIMEIRO PLANO




domingo, 21 de julho de 2024

Arturo a los 30 (Argentina, 2023)

Buenos Aires em março de 2020, em um dos últimos dias antes do início da pandemia. Um casamento está sendo celebrado, um carro capota. Articulações, beijos, boquete e a lembrança de uma perda são compartilhados. No centro dessa comédia de erros está Arturo, interpretado pelo diretor Martín Shanly, um homem de 30 anos.

Este acidente,  que acontece a caminho do casamento, leva Arturo ao passado, para recordar acontecimentos antigos, incidentes não superados que, no agora, mudaram a sua vida. Uma vida que, como vemos tem tudo e nada, cheia de contradições e, sobretudo, cheia de um vazio que, justamente, a enche de sentido.


O clima é traçado pelo caos, como num filme de Woody Allen, e o filme mantém um bom ritmo e um tom agridoce, evitando piadas fáceis e duplos sentidos. Shanly e os co-roteiristas Ana Godoy, Federico Lastra e Victoria Marotta, se arriscam com a estrutura da história, que consiste em uma rede de saltos ao passado, a maioria deles a partir de desenhos que Arturo fez em seu diário, e depois retornam ao presente.


À medida que o filme avança, a ruptura da cronologia linear cria uma sensação de desorientação, com passado e presente se misturando. Essa escolha estilística transmite efetivamente não apenas o choque após o acidente de carro, mas também o tumultuado caos que caracteriza a vida de Arturo, marcada por uma série de desventuras constrangedoras.

Também estão presentes os amigos mais próximos de Arturo. Nico, seu ex-companheiro de quarto, recentemente se tornou pai após a transição para uma identidade masculina. O personagem retrata  um grupo diverso e positivo que incorpora sutilmente o progresso em termos de direitos LGBTQIA+, na Argentina.

Martín Shanly faz um diário audiovisual onde mostra as contradições contemporâneas que nos atravessam. Do amor romântico à crise da idade e descoberta da identidade, passando pela impossibilidade das relações. E o diretor faz isso de forma divertida, mostrando os capítulos de um caderno rabiscado, mas bastante honesto, justamente, com essas contradições.


Arturo a los 30 capta profundamente a angústia existencial predominante na vida moderna. A criação de Shanly não é apenas um testemunho de suas sensibilidades artísticas, mas também serve como um espelho reflexivo para uma geração que luta para encontrar seu lugar no mundo.




sexta-feira, 19 de julho de 2024

The Acolyte (EUA, 2024)

Por Bruno Weber Meu primeiro contato com a franquia Star Wars foi com Caravana da Coragem 2: A Batalha de Endor, de 1985, que meu pai alugava pra mim em VHS. E antes de The Acolyte, o único trabalho da roteirista Leslye Headland que eu havia visto foi a série Boneca Russa, da Netflix. Headland traz uma linha narrativa básica para ambas as séries: uma mulher sendo forçada a confrontar suas origens, contra uma realidade que ela até então considerava imutável.

Em The Acolyte, a jovem mecânica Osha, ex-aprendiz de Jedi, vê um verdadeiro herói em seu antigo mestre, o Jedi Sol (Lee Jung-jae, de Round 6), como um modelo a se seguir e que ela não foi boa o suficiente para alcançar. Da mesma forma, ela enxerga toda a Ordem Jedi, os cavaleiros sensíveis à Força, protetores oficiais da galáxia. Mas o retorno inesperado de sua irmã gêmea Mae, acusada de ter assassinado uma mestra Jedi, acaba abalando essa crença.

Esse tema de confronto com um passado enganoso é uma das novidades que Headland trás para Star Wars. Sua própria experiência como uma mulher lésbica crescendo numa família cristã influenciou seu trabalho até hoje. Tanto no teatro, com suas peças baseadas nos Sete Pecados Capitais, como em Boneca Russa, com seu conflito entre o moderno e o ortodoxo, e agora na história de Mae e Osha (ambas interpretadas pela ótima Amandla Stenberg).


Como primeira pessoa queer a comandar uma produção de Star Wars, Headland traz esse ponto de vista novo. Mas além da diversidade - também há uma ponta da Abigail Thorn, do canal Philosophy Tube, a primeira mulher trans a aparecer na franquia - há outras novidades em The Acolyte. É a primeira produção da franquia que aborda um período diferente dos quase 80 anos em que se passa a Saga Skywalker, os nove filmes que contam a tragédia de Anakin Skywalker, a ascensão e a queda do maligno Império Galáctico e o surgimento de uma Nova República. The Acolyte se passa na época que o lore de Star Wars chama de Alta República, cem anos antes do Episódio 1 - A Ameaça Fantasma, um período de paz em que a Ordem Jedi estava no auge. Ao mesmo tempo, conta uma história num estilo de investigação criminal vista por mais de um ponto de vista, quase um Rashomon no espaço, coisa que não havia aparecido ainda na franquia. Por isso, Headland trouxe para a sala de roteiristas pessoas que não tinham visto os filmes anteriores. A intenção é expandir esse universo para território desconhecido, ainda que mantenha rimas narrativas com os filmes originais.


No passado, algumas produções já tentaram desconstruir esse moralismo benevolente dos Jedi, que são ao mesmo tempo monges representantes de uma religião e policiais que só respondem a si mesmos. Assim como o maniqueísmo entre os Jedi e os Sith - guerreiros que se entregam ao lado sombrio da Força e até hoje, senão eram traumatizados por tragédias e perdas, só pareciam maus pelo prazer de serem maus. Essa nova série promete finalmente mostrar o ponto de vista Sith. E o faz através do lorde Sith Qimir (Manny Jacinto, que está incrível no papel). "O que eu quero é a liberdade de usar meu poder como eu quiser, sem ter que responder aos Jedi", ele diz em um dos melhores episódios, depois de uma das batalhas de sabre de luz mais instigantes que Star Wars já mostrou. Esse desejo dele se reflete nas palavras de Aniseya (Jodie Turner-Smith), mãe de Osha e Mae.


Quando ela diz "isso não é sobre Bem ou Mal, é sobre poder, e quem tem permissão de usar", ela resume bem o tema principal de The Acolyte. A Força aqui não é só um elemento sobrenatural num universo de fantasia científica, é uma filosofia e religião com visões conflitantes. É possível traçar mais um paralelo com a identidade lésbica da roteirista-chefe. A família de Osha e Mae é composta apenas por mulheres, um coven de bruxas sensíveis à Força, e Aniseya gerou as meninas em sua companheira Koril usando seus poderes. A instituição normalizadora da Ordem Jedi não soube lidar com isso.


Talvez por isso uma parcela tóxica e barulhenta dos fãs de Star Wars se revoltou com The Acolyte. Durante as últimas semanas, ataques racistas e homofóbicos direcionados a Headland e ao elenco foram frequentes nas redes sociais. O que infelizmente já havia acontecido com outras produções recentes de Star Wars, que "ousaram" retratar personagens que não fossem brancos. Esse saudosismo tacanho de quem se diz fã da saga mas não suporta quando ela tenta expandir ou explorar qualquer coisa daquilo que assistiram na infância, mesmo ignorando que os filmes originais de George Lucas sempre tiveram temas progressistas.


Não que não exista nada pra se reclamar em The Acolyte. A edição não consegue encontrar um bom ritmo para os oito episódios, que sempre pareciam acabar "do nada". E por mais que se possa elogiar o bom elenco, eles só conseguem uns poucos momentos para brilhar em meio a diálogos fracos, artificiais e cafonas. a cafonice das falas é quase uma marca registrada de Star Wars, mas aqui ela parece um pouco mais gritante. Bem mais gritante que a fotografia e o design de produção, que padece daquele mal das atuais produções de streaming, em que tudo é homogêneo, escuro e sem cor. Nesse sentido, The Acolyte é bem condizente com todas as outras séries e filmes que se passam no universo de Star Wars. É tão ambiciosa quanto é falha. Menos Caravana da Coragem 2, que é perfeito e quem não concorda comigo está errado.



Todo Romance Termina Assim (Brasil, 2024)

Enfaixado escreveu um romance sobre seu término e vai lançá-lo no maior evento literário do país, a BasicCon. Lá, a polícia causa desordem ao censurar livros LGBTQI+, mas nenhuma revolta é maior quando seu ex aparece de surpresa no evento.

O diretor Marco Aurélio Gal navega pelo universo do fim dos relacionamentos em seu curta animado “Todo Romance Termina Assim”. Repleto de simbologia e ironia, o filme acompanha um escritor, que não tem o coração partido exposto, mas o rosto enfaixado, enquanto divaga sobre relações amorosas, falando com a sua consciência ou a autoestima. 


Aliás nenhum dos personagens tem rosto, a maioria deles é coberto por sacos de papel, o que subverte a narrativa LGBTQIA+, especialmente em animações. É uma mistura da sagacidade da Turma da Mônica, visuais de Hora de Aventura, a transgressão de Otto Guerra e a referência mais direta do realizador Skullface Bookseller Honda San.

Tudo é bizarramente intercalado pelas “Tirinhas da Plantinha” que adicionam um humor extra, enquanto também tece algumas críticas sobre aplicativos de namoro ou as estruturas convencionais dramatúrgicas.


Notas de rodapé, piadas ácidas, uma mistura de linguagens dentro do próprio gênero, fazem com que o curta adote uma linguagem moderna, casual e bastante pessoal, em toda sua atmosfera Adult Swim, refletindo os fins e os recomeços, quando esse protagonista pensante poderá enfim tirar as bandanas de seu rosto.


Com vozes de Henrique de Paula, Alex Reis, Renato Mascarenhas, Hellen Vasconcelos, Marina Honda e Marco Aurélio Gal, a animação foi selecionada para importantes festivais como 13º Rio LGBTQIA+, a 11ª MoDive-Se, Mostra de Diversidade Sexual de Campinas e o 7º Festival Santa Cruz de Cinema no Rio Grande do Sul. O curta estará disponível online e para voto público a partir de 21 de julho no site do Bang Awards, Festival Internacional de Animação de Portugal.



quinta-feira, 18 de julho de 2024

Kika (Espanha, 1993)

Kika está mais para um exercício cinematográfico do que ‘un film de Almodóvar’. Após a consagração internacional com a Lei do Desejo(1987) e Mulheres a Beira de um Ataque de Nervos(1988), e antes de iniciar a fase mais madura com A Flor do Meu Segredo, o diretor espanhol realizou essa comédia, tão maluca, quanto irregular.

Kika (Veronica Forqué) é uma maquiadora extravagante que um dia é chamada por Nicholas(Peter Coyote) para maquiar um morto, seu enteado Ramón(Alex Casanovas), Com uma lâmpada, ela acaba por reanimá-lo e a partir de então, a moça, e ele, que é um fotógrafo de moda, começam um casamento.


O filme, no entanto, é recheado de momentos almodovarianos, como Bibi Andersen fazendo sua dublagem de Luz de Luna, de Chavela Vargas, nua numa varanda, ou pela própria participação da mãe de Almodóvar, Dona Paquita, como uma apresentadora de TV.

Talvez o grande destaque aqui, seja a crítica que Almodóvar faz ao espetáculo televisivo, com Lo Peor del Dia, apresentado pela implacável Andrea Caracortada (Victoria Abril). O programa é um show de horrores sensacionalista, e além de servir monólogos únicos é vestido por Jean Paul Gaultier.




Aos poucos a obra caminha para um thriller banhado de vermelho e um kitsh inconfundível, quando Nicholas passa a ser suspeito de diversos assassinatos, ou quando Kika, em cenas que seriam problemáticas nos dias de hoje, é estuprada pelo famoso ator pornô Paul Bazzo (Santiago LaJusticia). O nome é um trocadilho impagável que só funciona em espanhol.

Bazzo é primo de Juana (Rossy de Palma), a funcionária fiel apaixonada por Kika. É nesse cenário da cozinha que Rossy de Palma rouba a cena em diversos momentos trazendo para a tela sua beleza característica em um de seus maiores papéis com o diretor. A propósito dela e do ator Santiago LaJusticia, tiveram dois filhos juntos.

Almodóvar presta homenagem à Janela Indiscreta, de Hitchcock, tendo como elemento chave da trama o voyeurismo. Como vítima do desejo voyeur masculino, Kika também é pacificada e, em um nível simbólico, a vida. A câmera, sempre ligada no capacete de Caracortada, também antecipa o mundo hiperconectado.


Este é um filme de transição e não importa que ele não faça muito sentido. Impiedosamente otimista e divertido Kika, que sempre vê o que há de bom no mundo e aproveita ao máximo até a situação mais triste, se mostra um verdadeiro sobrevivente do tempo É um filme alegre, maravilhosamente retratado por seu elenco adorável, e com um clima que habitou os primeiros filmes de Almodóvar, nos anos 1980, durante a movida madrileña.



quarta-feira, 17 de julho de 2024

TUDO O QUE SABEMOS SOBRE "THE ROOM NEXT DOOR", NOVO LONGA DE ALMODÓVAR


Pedro Almodóvar, diretor e roteirista espanhol, está finalizando seu próximo lançamento: The Room Next Door. Após algumas experiências em médias, esse será seu primeiro e aguardado trabalho em inglês.

A novidade revolucionou o mundo cinéfilo, que aguarda com grande expectativa este feito há anos. O dia da estreia,  acontece em 18 de outubro de 2024, na Espanha pelas mãos da Warner Bros.


Escrito por Almodóvar, o longa tem como protagonistas as ganhadoras do Oscar Tilda Swinton e Julianne Moore. Britânica, Swinton interpreta Martha, uma repórter de guerra de ofício que tem um relacionamento ruim com a filha.

Por outro lado, a americana Julianne Moore fará o papel de Ingrid, romancista de profissão e amiga de Martha, que tentará trazer paz entre Martha e sua filha. Além disso, John Turturro, também está no elenco.


O realizador espanhol tinha dúvidas sobre ter um elenco exclusivamente internacional; Finalmente, Almodóvar optou por incluir entre os participantes um elenco de atores e atrizes espanhóis, como Juan Diego Botto, Victoria Luengo, Raúl Arévalo e Melina Matthews.


Antes de sua estreia comercial, no entanto, o 24º filme do diretor, deve ter sua première no Festival de Veneza, que acontece entre 28 de agosto e 7 de setembro.



terça-feira, 16 de julho de 2024

A Filha do Palhaço (Brasil, 2022)

O picadeiro da vida ilumina A Filha do Palhaço, longa de Pedro Diógenes (“Inferninho”), rodado em Fortaleza e que após dois anos de atraso chegou ao circuito. Encharcado de sensibilidade, o filme narra uma história de paternidade queer, enquanto homenageia grandes artistas burlescos do Ceará.

Joana(Lis Sutter), uma adolescente de 14 anos, aparece para passar uma semana com o pai, Renato (Demick Lopez, de “Greta”), um humorista que apresenta seus shows em churrascarias, bares e casas noturnas de Fortaleza, interpretando a personagem Silvanelly. Depois de anos de uma relação ausente, Joana e Renato terão que conviver e se conhecer um pouco mais.


O longa aborda temas como a ausência paterna e as famílias não convencionais. Joana procura o pai, que é uma Drag Queen, para conhecê-lo, descobrir suas origens, trocar sensíveis experiências e desmistificar a imagem imposta por sua mãe, provavelmente por Renato ser homossexual.


Coincidentemente a história lembra "Aftersun", uma filha se reconciliando com as memórias do pai em uma praia idílica, inclusive alguns planos e momentos remetem ao filme de Charlotte Wells. Porém, A Filha do Palhaço é muito brasileiro em toda sua essência.

A trilha pontua a história, especialmente por um clássico da cantora Joana, que explica o nome da filha, assim como a fotografia, de Victor de Melo, que enquadra as belezas de Fortaleza, tanto em suas praias quanto em cenas noturnas de boate e musicais mambembes.

Há uma forte homenagem aos artistas que trabalham com humor e teatro no Ceará, até porque o filme usa como base a história do falecido artista Paulo Diógenes. Isso transparece no personagem Marlon, vivido por Jesuíta Barbosa, cuja participação é breve, mas bastante significativa.


O roteiro não subverte, ele adota um tom de simplicidade, o que nos aproxima mais de sua universalidade. Demick Lopes tem um grande destaque como o protagonista, sendo quando está desmontado em momentos intimistas com a filha, ou quando está em drag animando uma plateia.


O filme explora uma narrativa emotiva com um senso de ternura único, os lugares por onde pai e filha passam e os diálogos que eles trazem os tornam personagens palpáveis, cheios de honestidade, e o mais importante; com uma mensagem de otimismo. 



Faye: Entre Luzes e Sombras (Faye, EUA, 2024)

Faye, de Laurent Bouzereau, oferece  um olhar íntimo sobre uma das grandes estrelas do cinema, Faye Dunaway. Os espectadores são brindados com a lembrança sincera de Dunaway de sua jornada histórica de atriz de teatro a ícone do cinema. Nascida Dorothy Faye, ela cresceu sonhando não apenas com a fama, mas em retratar personagens complexos que inflamavam conversas culturais. 

A atriz compartilha reflexões convincentes sobre filmes monumentais que definiram épocas como Bonnie and Clyde, Network , que lhe rendeu o Oscar, e Chinatown. Dunaway também expõe uma discussão franca sobre lutas privadas com transtorno bipolar e alcoolismo e como a intensidade de papéis como Joan Crawford impactou sua saúde mental. 


Ela era uma mulher no mundo dos homens que lutou pelo seu direito de estar entre as melhores e ter sua opinião. Durante toda a sua vida, ela buscou a liberdade pelo caminho do sucesso e realmente se recusou a levar nada menos do que merecia. Chegar à raiz de Faye é o desafio deste filme, mas é um que Bouzereau assume respeito pelas paredes que Dunaway colocou em torno de si mesma.


Ela deixa claro sua reputação de ser difícil, o que pode ser atribuído a Roman Polanski, e sua atuação em Mommie Dearest, que é celebrada ao mesmo tempo em que o diretor Frank Perry é culpado pela problemática representação de Joan Crawford: “Shame the Director”, diz Sharon Stone.


Mara Hobel relembra seu trabalho como a jovem Christina Crawford. Ela teve uma experiência muito diferente fazendo Mommie Dearest do que Dunaway, mas nunca ficou claro se isso é uma questão de retrospectiva para a atriz mais velha, que mais tarde, assim como Crawford também adotaria um filho.


Faye é um sensível estudo de personagem sobre uma lenda da atuação. Embora a decisão de Bouzereau, de narrar o filme pela ótica da atriz, pareça segura, há um entendimento depois de chegar ao cerne de quem é Faye Dunaway. Desde jovem, Faye determinou que a única maneira de ser verdadeiramente livre era ser bem-sucedida.



segunda-feira, 15 de julho de 2024

The Blue Rose (EUA, 2023)

Com apenas 18 anos, George Baron lança e estrela seu primeiro filme como diretor. The Blue Rose é uma ode à sua maior inspiração, David Lynch, tecendo elementos de mistério, surrealismo e nostalgia, com visuais elaborados e mistérios sombrios.

O filme apresenta uma pequena cidade dos anos 1950 onde tudo parece idílico em tons pastéis.  Mas um assassinato ocorreu, abalando a comunidade em sua essência. Nessa situação inquietante entram os detetives Dalton(George Baron) e Lilly(Olivia Scott Welch ), jovens policiais ansiosos que esperam deixar sua marca. Eles se veem atraídos por uma investigação sinistra que se estende muito mais fundo do que o inicialmente esperado.


Dalton, que tem um alter ego feminino e a detetive Llly, que é gay investigam a morte de Harold O'Malley (Manny Liotta), que foi esfaqueado por sua esposa Sophie (Nikko Austen Smith), que imaginou que seu peito era uma torta de cereja de prato profundo. Isso traz a dupla para a órbita da sinistra irmã da alta sociedade de Sophie, Norma (Danielle Bisutti), a cantora de boate Catherine Christainson (Glume Harlow), e vários universos de limbo semi-alternativos.


À medida que Dalton e Lilly se aprofundam, sua realidade começa a se distorcer de maneiras bizarras. Sonhos estranhos interrompem suas noites, enquanto encontros surreais distorcem seus dias. As pessoas não são quem parecem e os lugares mudam de maneiras impossíveis. A fronteira entre realidade e ilusão começa a se borrar.


O grande destaque de The Blue Rose é sua estética impecável. Da cinematografia ao design de produção, o filme transporta para o peculiar mundo noir dos anos 1950. O diretor George Baron e o diretor de fotografia Blaine Dunkley criam cada cena com vivacidade imersiva.

As imagens assumem um clima lynchiano, com uma mistura inquietante do familiar e do inexplicável. Cenários oníricos parecem arrancados diretamente de Twin Peaks ou Blue Velvet. Os símbolos difundidos de rosas e triângulos azuis adicionam outra camada de mistério típica das obras de David Lynch.


Embora claramente inspirado por essas figuras lendárias, Baron coloca seu toque único no filme. Sua nova perspectiva e seu exercício experimental fazem com que isso não pareça uma mera homenagem; é um feito espantoso que se mantém confiante em seus próprios méritos.


A estreia de George Baron na direção, The Blue Rose, mostra imensa promessa e talento criativo. Embora um tanto irregular, o filme consegue transportar os espectadores para um mundo de sonhos surreal com visuais exuberantes e alusões reflexivas. Baron usa suas influências com orgulho, mas carimba o filme com sua própria marca de narrativa surrealista instigante.


quinta-feira, 11 de julho de 2024

MaXXXine (EUA, 2024)


MaXXXine
, encerra a trilogia que começou em 2022, agora retorna ao personagem principal de X, e dá sequência ao primeiro filme com um salto temporal de seis anos: a jovem aparentemente conseguiu deixar suas experiências traumáticas para trás. Em 1985, audaciosa, ela quer se firmar em Hollywood.

A  porta se abre: a sequência fictícia de filmes de terror The Puritan II, que, segundo a diretora Elizabeth Bender (Elizabeth Debicki), deve ser um filme B com ideias ambiciosas. Logo no início, quando Maxine precisa fazer o teste, Mia Goth traz de volta a presença e a energia que a fizeram ser aclamada anteriormente.


Na Hollywood dos anos 1980, a estrela de cinema adulto e aspirante a atriz Maxine Minx (Goth) finalmente consegue deixar os peep shows e tem sua grande chance. No entanto, enquanto o misterioso Night Stalker mira as estrelas de Los Angeles, um rastro de sangue ameaça revelar seu passado sinistro.


O melhor amigo de Maxine é Leon (Moses Sumney), um cinéfilo que trabalha em uma vídeo-locadora. Leon, que é abertamente gay, é o mais próximo que Maxine tem de um membro da família, apesar das amigas, como a breve personagem de Halsey.


O filme também se destaca com seu design de produção e locações. Há cenas memoráveis filmadas no que deveria ser o lote da Universal Studios, com parte da ação acontecendo dentro ou perto da famosa casa de Norman Bates usada no clássico de terror de 1960, Psicose. 



O roteiro de West não mergulha nos detalhes da introdução da trilogia, embora o aviso de Pearl de que "tudo será tirado de você" permeia o desespero de Maxine para alcançar seus sonhos. Este arco se estende de um personagem para o outro, conectando os três filmes em vários locais em diferentes períodos definidos por circunstâncias variadas.


West amarra a caça ao Night Stalker, um notório serial killer que aterrorizou a Califórnia nos anos 80, na narrativa e funciona como um deleite para o filme. Onde X celebra o cinema slasher dos anos 1970 e Pearl dá um toque abismal ao melodrama clássico, MaXXXine se curva à criação giallo italiana. 


Goth mais uma vez entrega uma performance magnética como Maxine. Não é tão histérica quanto sua atuação magistral em Pearl, mas está claro que ela está se divertindo com o papel e se entregando no desenvolvimento da anti-heroína.

O elenco de apoio é igualmente impressionante. A interpretação de Kevin Bacon como o investigador particular John Labat é um destaque, canalizando um espírito sombrio. Giancarlo Esposito traz profundidade para Teddy Knight, agente de Maxine, que serve como mentor e protetor no mundo traiçoeiro de Hollywood. 


Um dos pontos fortes do filme é sua profundidade temática. Embora funcione efetivamente como um filme de terror, também mergulha no cenário sociopolítico dos anos 1980. MaXXXine é um final apropriado para a trilogia X de Ti West, um filme que equilibra homenagem com inovação, estilo com substância. É uma odisseia embebida em neon pelo coração sombrio de Hollywood, um filme que se delicia com suas raízes de gênero enquanto oferece comentários pontuais sobre a própria indústria que retrata.