segunda-feira, 8 de abril de 2024

Névoa Prateada(Silver Haze, Países Baixos/Reino Unido, 2023)

Após Dirty God(2019), a atriz inglesa Vicky Knight e a diretora holandesa Sacha Polak unem forças novamente em Névoa Prateada, um cruzamento cinematográfico de familiares destroçados, cada um com suas lutas vivendo em um bairro desanimado do leste de Londres.

Franky (Vicky Knight) é uma enfermeira de vinte e poucos anos que cumpre seus deveres na enfermaria e, por sua vez, lida com uma nova paciente, Florence (Esme Creed-Miles), ela mesma uma jovem sobrevivente de suicídio.

Ambas têm seus problemas, Franky é consumida pela ideia totalmente infundada de que a nova namorada de seu pai distante foi responsável pelo incêndio em casa que lhe causou queimaduras e, ao mesmo tempo, sua atual vida doméstica fraturada a vê tendo que competir com sua mãe instável.

Enquanto isso, Florence luta contra um transtorno alimentar suicida e vive com sua avó doente terminal e irmão autista. No entanto, apesar, e talvez, por causa disso, as duas veem um espírito semelhante uma no outro e um relacionamento logo se desenvolve, mas logo se torna tenso.


Vicky Night supera o trauma e o medo de um passado que depositou marcas indeléveis em seu corpo, com uma prática de atuação que aproveita a identidade em uma rede de histórias. Assistimos, portanto, a um trânsito entre o tempo vivido, inscrito nas marcas que Vicky carrega em seu corpo, e uma subjetivação dos personagens interpretados, que compreendem e transcendem a experiência.


O fogo que transformou o corpo de Franky ,em Névoa Prateada, é um evento invisível, recombinado pela atividade psíquica da jovem enfermeira, na amplificação da memória e da carga de significado emocional que é atribuída àquela tragédia. Polack nos mostra breves flashes oníricos, chamas no escuro que atingem a tela e parecem emanar do desejo e não da dimensão factual.

O filme torna-se, então, um filme sobre a elaboração de um trauma que gradualmente incorpora outros. Na dor compartilhada, a expiação e a culpa são becos sem saída, comparados à possibilidade de construção de novas cartografias e novos vínculos, para além das ditaduras do corpo e do olhar.


A câmera geralmente adota uma abordagem familiar, quase documental. Há momentos de beleza: o diretor de fotografia Tibor Dingelstad capta a natureza onírica e irreal do primeiro brilho de um novo relacionamento através de um pôr do sol dourado e laranja que transforma um parque despretensioso em um espaço semimágico, onde Franky e Florence se beijam pela primeira vez, tingindo levemente seus cabelos e pele.  O longa é baseado tanto no improviso quanto nas experiências de Vicky Knight de sobreviver a um incêndio semelhante em sua própria infância, e é essa performance fundamentada que é o aspecto mais forte do filme. A relação de Franky e Florence oscila entre afeto gentil e discussões ardentes e destrutivas, e a capacidade de Knight de equilibrar a raiva subjacente de sua personagem com momentos de cuidado e afeto.


É claro que a infância de Franky impactou seus próprios relacionamentos, mas nada é realmente mencionado em relação ao próprio comportamento destrutivo de Florence.  Névoa Prateada é sobre as tentativas de Franky de conciliar as perguntas não respondidas de sua infância, navegando em sua sexualidade e o poder destrutivo da raiva. 





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