terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Silencio (Espanha, 2025)

“Silencio”, minissérie de Eduardo Casanova, organiza o horror queer como ferramenta política ao unir vampiras, pandemias e memória histórica em uma narrativa que alterna tragicomédia e fantasia com absoluta precisão estética. A produção divide sua história em três partes que operam como atos de uma peça desobediente, construída em rosa açucarado e horror camp. Essa linguagem desloca a figura da vampira da tradição folclórica para o território das metáforas que interrogam o estigma, especialmente quando o enredo articula o slogan ativista “Silence = Death” ao percurso dessas personagens que lutam contra contaminação, exclusão e apagamento. 

A reconfiguração histórica expande essa dinâmica ao conectar a Peste Negra medieval à crise de AIDS nos anos 80 na Espanha, criando uma genealogia de dor e resistência vivida por mulheres queer que, ao contrário do que ocorreu na vida real, foram frequentemente excluídas das narrativas dominantes sobre a epidemia. Casanova questiona a negligência estatal e o autoritarismo que atravessaram diferentes eras, reposicionando essas vampiras como figuras que denunciam silêncios estruturais.

O núcleo das irmãs encarna uma constelação de afetos que mistura cuidado e conflito em um ambiente tomado por medo, escassez e rejeição. A urgência que envolve a busca por sangue humano limpo transforma essas relações em exercícios de sobrevivência emocional e física, revelando como laços familiares queer se sustentam apesar do antagonismo externo. O romance proibido entre Verónica e o humano Felipe(Omar Ayuso), acrescenta uma camada de erotismo e perigo que atinge seu ápice em uma das sequências mais marcantes da série ambientada no século 19, na qual desejo, musical e morte se entrelaçam com intensidade. 


Filmada inteiramente em 16 mm, “Silencio” assume uma estética que ultrapassa a lógica serializada e se aproxima da materialidade do cinema independente europeu. O uso de tons pastel e da assinatura visual de Casanova cria um mundo que parece simultaneamente encantador e perturbador, especialmente quando os efeitos de maquiagem intensificam as transformações físicas das vampiras. Os interlúdios musicais delirantes, somados à presença de “Porque te vas”, de Jeanette, compõem um ambiente sensorial que brinca com o absurdo sem abdicar da carga emocional.

O repertório queer que estrutura “Silencio” encontra força ao centrar personagens frequentemente deixadas à margem do discurso sobre HIV e AIDS. Ao colocar mulheres e vampiras queer no protagonismo, Casanova desestabiliza hegemonias narrativas e questiona como o estigma se instala de forma desigual entre diferentes corpos. A metáfora das vampiras funciona de maneira surpreendentemente eficiente ao reconstruir debates sobre medo, rejeição e desejo reprimido, reafirmando como o preconceito produz isolamento e destrói vínculos afetivos. 

“Silencio” configura um dos trabalhos mais inventivos de Eduardo Casanova ao equilibrar fantasia e política em uma estrutura que jamais sacrifica caráter autoral. Os episódios curtos aprofundam a intensidade narrativa e favorecem uma experiência condensada que impacta tanto pela violência simbólica quanto pelos lapsos de delicadeza. A mensagem final se impõe com clareza ao denunciar que o silêncio continua produzindo sofrimento e ao reivindicar visibilidade para histórias queer que persistem apesar do apagamento.


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