“Panopticon”, de George Sikharulidze, apresenta um retrato incisivo da juventude georgiana contemporânea através de Sandro (Data Chachua), um adolescente abandonado pelos pais e imerso em um país que vigia, julga e molda seus desejos com mão pesada. A trama acompanha sua relação com Lasha (Vakhtang Kedeladze), Tina (Salome Gelenidze) e a avó (Ketevan Shervashidze), reforçando como estruturas religiosas e políticas definem comportamentos desde cedo. A narrativa articula intimidade e perigo sob um clima constante de tensão social.
O filme confronta as marcas da masculinidade tóxica que atravessam a Geórgia pós-soviética, observando como discursos nacionalistas, valores religiosos conservadores e ideais de pureza definem expectativas e mutilam possibilidades afetivas. A crise identitária de Sandro ecoa até hoje na juventude que cresce entre repressão institucional e vigilância comunitária, especialmente quando tensões políticas recentes reacenderam debates sobre liberdade artística e o impacto do regime na produção cinematográfica local.
A representatividade queer surge de forma elusiva, porém profundamente significativa, inserida nas hesitações, na relação com Lasha, nos impulsos contraditórios e na vergonha internalizada que moldam Sandro. O filme constrói essa dimensão como uma força latente, reprimida pela vigilância moral e pelos códigos masculinos da Geórgia contemporânea, sugerindo desejo e curiosidade onde a narrativa oficial exige pureza e obediência.
“Panopticon” também circula por bastidores pungentes. A interpretação de Data Chachua revela camadas de insegurança e brutalidade internalizada, justificando sua premiação nos Asia Pacific Screen Awards. O trabalho de elenco traz uma energia crua que fortalece os conflitos, enquanto a dinâmica entre Sandro e Lasha deixa ver como grupos de extrema-direita aliciam jovens em busca de pertencimento.
A direção de George Sikharulidze adota um olhar atento que acompanha Sandro sem reduzi-lo a vítima ou vilão. A estética preserva espaços íntimos que revelam contradições familiares e sociais, reforçadas por uma trilha de Chiara Costanza que acentua inquietações internas. As escolhas visuais constroem um ambiente de constante observação, alinhado ao conceito foucaultiano que inspira o título e traduz o impacto da vigilância política e moral sobre corpos jovens.
Escolhido para representar a Georgia no Oscar, “Panopticon” consolida a força de uma obra que não se digere fácil. O filme propõe uma crítica ampla às estruturas que moldam masculinidades, expõe nuances de desejo em um ambiente adverso e posiciona Sandro como símbolo de uma geração que tenta existir entre força, medo e possibilidade. A sutileza queer que atravessa o longa surge como gesto de resistência dentro de um cinema georgiano que enfrenta controle crescente.