Yuri Célico faz sua estreia na direção criando mundos para inverter a típica narrativa LGBTQIA+, e tratar temas como perda, luto, revolta, solidão e insatisfação. Iracema pode ter partido, seu retrato foi perdido, a lembrança em suas botas vermelhas abrem portais ultradimensionais, que são pontuados por cores vibrantes, imagens lisérgicas e uma distopia atípica.
Para elaborar os visuais, que simulam dimensões paralelas, com pouco orçamento, Célico realizou um trabalho minucioso também na montagem e na direção de arte. Esses momentos que podem ir do lúdico ao realista, jamais caem na armadilha do CGI barato, pelo contrário evocam sensações e deslumbram os olhos.
Os diálogos, também escritos pelo diretor, resultam em algumas cenas bem pessoais, em especial uma com a mãe, interpretada por Nayra Nery. “Minha pequena vendeta contra as injustiças e crimes que não posso vingar, é fazer com que as vivências únicas de personagens queers (sejam elas boas ou ruins) se tornem sua força, como é o caso da Patrícia, cujo amor (e luto) por Iracema, assume tamanha massa e densidade que acaba por se converter em um literal buraco negro. No universo em que concebo minhas histórias, uma pessoa heterossexual dificilmente seria capaz do mesmo feito pois teria seu amor e dor reconhecidos e aceitos, logo, diluídos em outros espaços, outras pessoas, outros objetos”, destaca o cineasta.
Com referências estéticas de Os Arqueiros,: Powell e Pressburger, o filme também bebe na fonte de clássicos do horror B, como Planeta Prohibido (1956) e aos planos cheios de energia de Night of the Eagle (1962), de Sidney Hayers, criando um clima fantasmagórico, mas sobretudo fantástico.
Iracema tem sotaque gaúcho, pois foi rodado em Porto Alegre, como uma espécie de ‘ritual de despedida’ entre amigos, antes de Yuri, graduado em Cinema pela PUC-RS, ir morar em São Paulo. Mas para ele a descentralização do cinema nacional ainda é utópica: “Eu nunca encontrei meu espaço no cinema do Rio Grande do Sul, embora admire inúmeros filmes, artistas e profissionais do estado e tenha muitos amigos entre eles. E ao meu ver, o movimento de descentralização do nosso cinema ainda é insípido e mais virtual do que prático, pois muitas coisas ainda acabam concentradas no eixo Rio-São Paulo”.
Enquanto Iracema não encontra uma casa para estrear, embora seja um prato cheio para os Festivais de Cinema Fantástico, o diretor já trabalha em projetos futuros, como a adaptação de seu romance Talvez, Dona Aranha, que divide alguns temas e revoltas com Iracema, apesar de priorizar uma empreitada que define como “Suspense meta-noir gay”, além de estar na produção de O Labirinto dos Garotos Perdidos, de Matheus Marchetti.
Nenhum comentário:
Postar um comentário