segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Traídos pelo Desejo(The Crying Game, Reino Unido/Irlanda, 1992)

 
Quando  Traídos pelo Desejo começa ao som de When a man loves a woman na voz de Michael Bolton logo imaginamos que se trata de uma história de amor. Mas o filme de Neil Jordan, diretor de Entrevista com o Vampiro nos surpreende por ser um thriller com muita tensão ainda que ilustrado por um romance fora do convencional.

Em 1992, quando o filme foi lançado o protagonismo trans e ainda por cima negro era tabu e o diretor quebrou essa barreira construindo uma história delicada e visceral para a protagonista Dil, interpretada por Jaye Davidson indicado ao Oscar de ator coadjuvante naquele ano.

O roteiro original, esse sim ganhador do Oscar é dividido em dois momentos. No primeiro Fergus personagem de Stephen Rea está trabalhando com terroristas e é envolvido no sequestro de Jody papel de Forrest Whitaker, os dois logo se aproximam sugerindo um possível sinal de homossexualidade. Em meio a confidências Jody pede a Fergus que cuide de sua amante Dil caso algo lhe aconteça.


Na segunda parte que vêm com a morte de Jody Fergus vai até Dil, uma cabeleireira a quem se apresenta como Jimmy e por quem se sente imediatamente atraído. O mistério e os segredos que envolvem a relação culminam na descoberta por Fergus de que Dil é na verdade uma transexual. Ele reage com repulsa diante a nudez da personagem. A cena do vômito é icônica. Mas com o tempo, o desejo e o fascínio pelo desconhecido afloram.


O número burlesco em que Dil canta The Crying Game, música de mesmo título do filme é lindíssimo e mostra o poder que transformistas têm para fazer atrações como essa em cima de um palco. Aliás a personagem que vive em um mundo que aparentemente aceita sua condição têm sua sexualidade posta a prova em vários momentos de seu relacionamento.


De um romance majestoso o filme ganha um estilo noir em seu desfecho que traz uma verdadeira reviravolta para a vida dos personagens. Neil Jordan realizou com seu Traídos pelo Desejo uma verdadeira obra prima sobre sentimentos primitivos e suas sutilezas.


domingo, 30 de agosto de 2020

6 documentários LGBTQ para assistir na Netflix


Laerte-se(Brasil, 2017)

 

O documentário é um retrato da personalidade da cartunista trans Laerte, que fez sua transição somente após os 60 anos. Depois de uma vida inteira de machismo velado, mulheres e filhos, Laerte confronta sua nova realidade que reflete diretamente no seu trabalho, divaga sobre gênero e mostra a importância de viver a essência de quem realmente é. A mistura de quadrinhos com imagens de Laerte resulta num efeito linda com um final catarse.


Carta para além dos muros(Brasil, 2019)


Um imponente relato sobre HIV e AIDS no Brasil. Com o título que presta uma homenagem à Caio Fernando Abreu o longa conta com depoimentos importantes, retrata fatos históricos e dá uma aula sobre a doença e como viver com a enfermidade. No final, uma mensagem de esperança já que hoje é completamente possível conviver com o vírus é muito mais difícil conviver consigo mesmo.


Ligue Djá! O lendário Walter Mercado(Mucho, mucho, mucho amor, EUA, 2020)



Conheça a história do excêntrico guru que no Brasil ficou famoso pelo bordão Ligue Djá! Walter Mercado sempre ficou marcado como um ícone da cultura POP na América Latina pelo seu estilo, digamos, cafona. O filme é narrado pelo próprio já idoso em seus últimos dias,  sem perder o glamour que sempre o caracterizou. Capas,brilho, laquê e muito, muito, muito amor nesse filme original da Netflix.


Revelação(Disclosure, EUA, 2020)


O filme traça um mapa histórico da figura do transexual no cinema. Com depoimentos de artistas trans como Laverney Cox, Chaz Bono e Lily Wachovsky o filme mostra a evolução trans no cinema e na televisão ao longo dos anos com um acervo riquíssimo de imagens de filmes como Meninos não Choram, Traídos pelo Desejo, O Silêncio dos Inocentes e muitos outros. Uma produção imperdível!


Atrás da Estante(Circus of Book, EUA, 2020)




Circus of Book foi uma famosa vídeo-locadora e livraria gay nos anos 80 e 90, o filme conta seus bastidores e o sexo que acontecia por trás das estantes. Narrado pelo ponto de vista da família dona do estabelecimento o filme revela segredos, relembra os tempos que eles próprios produziram filmes com o astro pornô Jeff Stryker até o seu melancólico fechamento. O documentário é dirigido pela filha do casal de proprietários, Rachel Mason.


A Vida e morte de Marsha P. Johnson(The life and the death of Marsha P Johnson, EUA, 2017)

Marsha P Johnson foi uma importante ativista LGBTQ, pioneira em defender o direito dos homossexuais e criar uma ONG para travestis na Nova York dos anos 1980. O filme conta com um acervo rico em imagens e relatos de pessoas próximas a Marsha, que era considerada a rainha dos guetos. A obra é, com certeza, uma bela homenagem.



sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Lorna Washington: Sobrevivendo a supostas perdas(Brasil, 2016)



Quem não é do Rio de Janeiro talvez nunca tenha ouvido falar de Lorna Washington, mas na capital fluminense a transformista é um ícone da noite LGBTQ além de importante ativista e militante pelos direitos dos homossexuais.

Lorna Washington: Sobrevivendo a supostas perdas, de Rian Córdova e Leonardo Menezes, mostra a trajetória da drag queen desde o princípio de sua carreira e reforça sua importância na cena gay. Com depoimentos dela própria e de nomes como Rogéria, Isabelita dos Patins e Luis Lobianco a personalidade de Lorna e do homem por trás da maquiagem e dos adereços vai sendo revelada.

Com um acervo de imagens muito rico o filme mistura essa estética VHS com imagens recentes da artista se maquiando em um camarim, por exemplo, e contando fatos marcantes de sua vida. Momentos importantes de Lorna Washington são mostrados, como suas viagens a Nova York ou a parceria com Luana Muniz que posteriormente também seria homenageada em outra obra dos diretores.

Quando as luzes se apagam a realidade de Lorna vêm a tona de uma maneira muito honesta. Ela mora no subúrbio e enfrenta um sério problema de saúde enquanto tenta manter sua agenda de shows. O longa mostra um Rio de Janeiro efervescente e uma artista que faz parte da história de suas noites, embora no momento esteja vivendo um forçado resguardo.

Temas importantes como HIV e ativismo LGBTQ, os quais Lorna sempre defendeu, são abordados no filme com sagacidade pela produção e fazendo parte da narrativa. Causas tão nobres e uma longa carreira interpretando sucessos clássicos que fogem do clichê são apenas alguns dos motivos porque o filme é uma merecidíssima homenagem à transformista.

Uma personalidade extravagante que se desnuda da personagem quando está no aconchego de seu lar, o glamour decadente de saunas de sexo gay, os saudosos anos 80 e 90, as noites nas baladas, esses são alguns elementos que agregam valor ao filme cujo final nos traz uma poderosa mensagem de esperança.

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Greta(Brasil, 2019)


Existem filmes que exaltam o talento de grandes atores, Greta é um desses. No longa de estreia de Armando Praça, Marco Nanini brilha do início ao fim como um enfermeiro homossexual na faixa dos 70 anos. 

O roteiro é levemente inspirado no conto dos anos 1970 "Greta Garbo, quem diria acabou no Irajá", obra que mostrava a figura gay de forma caricata. Armando Praça porém foi para outro caminho e criou um relato delicado sobre a homossexualidade fora dos padrões jovens de academia e loja de grife.

"Me chama de Greta Garbo" esse é o desejo de Pedro que vive os dramas da terceira idade chegando enquanto tenta ajudar sua única amiga, a transexual Daniela a cuidar de sua saúde. Esse aliás talvez seja um dos poucos deslizes do filme já que a trans é interpretada por uma atriz cis Denise Weinberg, que defende por sinal muito bem o seu papel.

Com um clima claustrofóbico e referências ao cinema do alemão Rainer Fassbender e do espanhol Pedro Almodóvar, Greta aborda a relação entre Pedro e um assassino a quem ajudou a fugir do hospital. É nesse amor bandido que Pedro entra numa jornada de autoconhecimento e reflexões sobre a solidão e o desejo. Marco Nanini se desnuda completamente em uma performance visceral com nudez, sexo em saunas e muito brilhantismo.

Ambientada em Fortaleza e grande destaque do 29o Cine Ceará o filme é uma obra belíssima cujo momento mais nordestino é uma linda performance burlesca de Daniela para o sucesso Bate Coração. Cenas com transformistas cantando num palco são lugar comum no cinema queer, mas essa com certeza possui uma identidade forte.

Pulsando liberdade Greta é uma obra que não deverá agradar a todo o tipo de público, porém deveria ser visto como muito mais que um filme LGBTQ+ já que é uma obra sobre o ser humano e suas expressões. O longa é um presente para o público que junto a um senhor, uma trans e um bandido é posto em reflexão durante o tempo todo de projeção até o seu impressionante desfecho.

terça-feira, 25 de agosto de 2020

Watermelon Woman(EUA, 1996)


Escrito, dirigido e protagonizado por Cheryl Dunye, Watermelon Woman é considerado um marco do new cinema queer, movimento surgido nos anos 1990, que mostrava personagens que transgrediam o sistema, exploravam livremente sua sexualidade e dialogava diretamente com a teoria queer da filósofa Judith Buttler.  Paris is Burning(1990) e Veneno(1991) são alguns dos principais exemplos desse movimento.

No filme, Cheryl é uma jovem lésbica e negra que trabalha numa vídeo-locadora e faz vídeos amadores. Seu objetivo é descobrir quem foi a mulher melancia uma atriz negra dos anos 1930, onde afrodescendentes estavam fadados a interpretar criados e escravos no cinema.

Numa mistura de ficção e documentário o filme explora o ativismo lésbico e o empoderamento de mulheres negras que sempre tiveram sua representatividade questionada na sétima arte. O filme abre um debate sobre racismo, preconceito e assumir quem se realmente é.

Com uma linguagem de VHS muito usada, Cheryl explora a figura da mulher melancia mas também entra numa viagem de autoconhecimento e paixão por uma mulher branca. Numa questionada relação inter-racial vemos os corpos nus contrastando o branco e o negro.

Por ser ambientando em uma vídeo-locadora muitas referências ao cinema são utilizada, fala-se de diretores, filmes e atores como Hattie McDaniel imortalizada por sua interpretação da mucama de O Vento levou.

Watermelon Woman é um filme híbrido que pode causar estranhamento num espectador mais conservador, que acima de tudo coloca em discussão o papel do negro no cinema e o das mulheres lésbicas na cultura POP debatendo identidade de gênero em um pseudodocumentário que colocará a reflexão em cena.

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Parting Glances - Olhares de Despedida(EUA, 1986)


Dirigido por Bill Sherwoodsm, Parting Glances é considerado um marco no cinema queer  por apresentar pela primeira vez um personagem que está vivendo com o vírus da AIDS. Em 1986 ainda não se sabia muito sobre o vírus, existia apenas a certeza de que ele era mortal. O filme trata o tema com sutileza não mostrando o estereótipo da doença que seria abordado em filmes anos depois.

Robert(John Bolger) e Michael(Richard Ganoung) formam um casal que vive debaixo do mesmo teto e têm problemas conjugais como em qualquer relação convencional. Eles se preparam para a viagem de Robert para África enquanto Michael está envolvido em sua amizade com Nick, interpretado por um jovem Steve Buscemi, um rockstar diagnosticado com HIV.

O filme têm toda uma atmosfera dos anos 80, como uma loja de discos de vinil, festinhas no apê e pelos sintetizadores da trilha sonora. As cenas homoafetivas, apesar de muito bonitas foram impactantes para a época ao público quem não estava acostumado com essa realidade.

Apesar de não estar vivendo a doença em seu estado terminal Nick é perseguido por ela como por uma assombração. Está assintomático, mas assim como todo o seu círculo de amigos precisa enfrentar o preconceito e saber que a morte está próxima.

Parting Glances traz à tona assuntos ainda tão delicados no cinema, como AIDS, casamento gay e heteronormatividae e têm como pano de fundo uma efervescente Nova York.  A fotografia têm momentos metafóricos como uma briga de guarda-chuvas e cenas icônicas como a quebração de louça. Pode não ser a obra definitiva sobre HIV, mas é um bom começo para discutir um tema que até hoje é considerado tabu.

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Ligadas pelo Desejo(Bound, EUA, 1996)


Antes de dirigirem a trilogia Matrix e assumirem sua transexualidade as Irmãs Wachovsky realizaram em 1996 Ligadas pelo Desejo, um romance policial lésbico que assim como obras dos anos 1960 objetifica mulheres e explora a homossexualidade feminina para satisfazer olhares e desejos masculinos.

Na trama Corky(Gina Gershon) uma ex presidiária que trabalha num prédio realizando serviços gerais acaba se envolvendo com a sensual Violet, Jeniffer Tilly que anos mais tarde viria a ser conhecida como A noiva de Chucky. Vivendo um romance proibido elas planejam roubar 2 milhões de dólares de Caesar(Joe Pantoliano) o namorado bandido de Violet. O plano acaba sofrendo diversas reviravoltas.

Apesar do romance lésbico ser o pano de fundo para uma trama criminosa, o filme não ajuda com a imagem que os homossexuais representavam até então no cinema, sempre como doentes ou criminosos. 

A química entre as duas protagonistas realmente acontece o que pode agradar aos mais voyeurs, também há um momento de discurso de ódio contra homossexuais o que acaba salvando o filme de seu tom machista. Resumindo é um ótimo suspense, que flerta com o cinema Noir mas que não deveria ser tratado como um clássico do cinema Queer dos anos 1990.

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

O Príncipe(Chile/Argentina, 2019)



"Quando você aprende a tocar um instrumento nunca mais vai estar sozinho" é com momentos sábios como este que o diretor Sebástian Muñoz Costa del Rio faz de seu O Príncipe um filme bruto e delicado, uma mistura de Almodóvar em início de carreira com O Beijo da mulher aranha.

O longa baseado no romance de Mário Cruz ganhou o prêmio Queer Lion do Festival de Veneza e aborda a temática da homossexualidade nas prisões no Chile dos anos 1970, época de Pinochet e Salvador Allende. 

Jaime, interpretado por Juan Carlos Maldonado lembrando muito o jovem Antônio Banderas em A Lei do Desejo, é mandado para a prisão após matar o seu melhor amigo e por lá terá que começar uma nova vida por meio de relações não convencionais.

Na cadeia Jaime inicia uma relação com o Potro, um homem mais maduro que têm de certa forma o domínio daquele lugar. A história também é contada em flashbacks que mostram importantes momentos do protagonista, como quando transou com uma mulher mais velha e as razões que o levaram a matar o amigo.

O amor bandido desenvolvido por Jaime e Potro acaba se tornando o fio condutor do filme. O relacionamento é seu refúgio e um romance co-dependente dentro de um ambiente hostil. O filme conta ainda com a participação luxuosa do ator argentino Gastón Pauls de Nove Rainhas.

O filme abusa das cenas de sexo e é até explícito com tomadas de um pênis urinando ou se masturbando. Algumas cenas são quase fetichistas. A violência dentro do presídio também rende cenas fortes e impactantes.

Mais do que uma obra queer chilena como o excelente Uma mulher fantástica, O Príncipe vai além da homossexualidade dentro do cárcere para ser um filme sobre esses homens que não têm outra oportunidade  a não ser amar a si mesmos.