terça-feira, 11 de abril de 2023

Fogaréu(Brasil, 2022)

Na fronteira entre o real e o fantástico, os tempos coloniais e a modernidade avassaladora do agronegócio, de Goiás são o cenário onde Fernanda(Bárbara Colen) deve enfrentar os segredos de seu passado. Após a morte de sua mãe adotiva, a jovem retorna à casa de seu tio rico para resgatar sua história e revelar a dolorosa verdade sobre suas origens. 

Fernanda chega na casa de seus parentes, seu tio Antônio,(Eucir de Souza) prefeito da cidade, no interior de Goiás, e com terras em disputa com os indígenas. Com esta família de latifundiários vivem duas mulheres tratadas quase como escravas dedicadas ao serviço doméstico, Mocinha(Nena Inoue) e Joana(Vilminha Chaves).


Ao entrar em contato com os parentes, Fernanda desconfia do que contam sobre sua mãe, Cecília, que foi embora com ela quando ela era criança. Agora, depois de voltar com suas cinzas, há uma grande discrepância entre o que ela sabe e o que lhe contam.


Em torno de todos se espalha uma nuvem escura familiar onde os interesses econômicos conflitam com a realidade das relações autênticas do patriarca da família,  e seu filho que segue carreira política.


Também é denunciado o poder social usado para se impor quando sente que os privilégios da classe política dominante estão em perigo. O tradicional pano de fundo antropológico e sociocultural pulsa em Fogaréu, manifestando-se na busca de Fernanda por sua própria identidade.


Fogaréu, segue a tendência de descentralização do cinema nacional e se passa no meio rural e pecuário de Goiás, afetando as heranças do colonialismo branco e sua dominação sobre a população indígena e negra. A música de Fernando Aranha inclui canções e danças de origem regionais que são complementadas pela expressiva fotografia de Luciana Baseggio e Glauco Firpo.


Ao longo de Fogaréu o tratamento do realismo mágico transcende em suas imagens e representações na forma de uma procissão ritual. Além disso, é importante o personagem de Ezequiel(Timothy Wilson) um visionário que acentua com suas interpretações da realidade o lado fantasioso do filme.


Por diversas vezes aparece o cortejo ritual dos farricocos com tochas e mantos e capuzes, que lembram a KKK, assim como a presença do fogo como elemento purificador e mágico no Fogaréu. Existem outras sequências com água e banhos de rio que acrescentam simbolismo e discernimento a toda a ação.


O filme carrega uma reivindicação feminina sustentada pela demonstração de violência contida na própria linguagem: discriminação, privação de direitos e abuso de pessoas neurodiversas, enredadas em uma complexa rede de racismo, colonialismo e capacitismo.


Flávia Neves assina um filme que afunda sua força no cenário, completamente imerso em um lugar que se torna tempo e enredo. As cores são vivas, o ar empoeirado, as paredes queimadas pelo sol, e a história sofre com o próprio calor, mantendo assim sempre o tom manso.


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