quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Pedágio(Brasil/Portugal, 2023)

Lidar com a falta de validação materna é algo muito delicado na vivência de uma pessoa LGBTQIA+. Em seu segundo longa-metragem, a roteirista e diretora Carolina Markowicz , explora a desconcertante dualidade da existência humana em um conto de amor de uma mãe sendo guiada ao contrário.

A mãe solteira Suellen (Maeve Jinkings) está preocupada com o filho Tiquinho (Kauan Alvarenga). Quando não está na escola, ele está em casa fazendo vídeos, dublando Billie Holiday, usando maquiagem e vendendo produtos. Apesar da pressão constante para mudar seus caminhos, Tiquinho se recusa, determinado a ser ele mesmo. 


Aos 17 anos, Tiquinho vive em total liberdade com sua orientação e identidade sexual. Portanto, não tendo nenhum atrito dentro de si,  não fica na defensiva e vê a atitude materna pelo que ela é, um misto de ignorância, medo e preconceito. Forte em sua consciência, ele não sente raiva dela e nunca deixa de amá-la.


Mas Suellen está desesperada por ajuda. Quando sua colega de trabalho, Telma (Aline Marta Maia), traz informações sobre um novo e supostamente eficaz programa de cura gay executado por um pastor estrangeiro, ela não hesita.

Descobrindo que o custo está fora de seu alcance, Suellen encontra um caminho ilegal para conseguir os fundos, determinada a tornar o futuro de seu filho melhor, não importa o que seja necessário. Logo ela está envolvida na criminalidade, com o namorado, interpretado aqui, por Thomas Aquino.


O design de produção, de Vicente Saldanha, e a cinematografia, de Luis Armando Arteaga, fazem render conflitos familiares através de contrastes visuais, imaginando o reino doméstico de mãe e filho como uma extensão material de seu conflito. Tudo parece incolor na casa. Apenas o domínio de Tiquinho difere, um caos de arco-íris rosa e holográfico, CDs sobre as paredes e uma luz brilhando. 

A segunda parte de Pedágio, ao mesmo tempo em que vira o lado de um thriller, não perde de vista esse microcosmo social e sua dinâmica asfixiante, em que a falta de perspectivas dos personagens e a paisagem industrial, de Cubatão, composta por chaminés, gasodutos e concreto formam um todo inseparável e opressor.


O lugar onde isso mais está presente é dentro das cenas do pastor Isaac (Isac Graça) quando ele está trabalhando com os pacientes em terapia de grupo. Todo o caso é um circo de desconforto tão extremo como em Laranja Mecânica, desde vídeos de um dançarino com um foguete na bunda até apresentações de PowerPoint sobre o mal do ânus, vibradores e tudo mais.


Mas, mesmo errada, Suelen ama Tiquinho, encorajando onde pode, porém são os medos do mundo que a impedem de abraçá-lo totalmente, algo que a performance de Jinkings agarra completamente, tornando-a empática, mesmo que toda situação aponte o contrário.


Carolina Markowicz faz uma declaração ousada sobre a sociedade conservadora e homofóbica do Brasil com Pedágio, um filme que utiliza o humor desconfortável para criar um comentário social inabalável sobre o estado atual das coisas. É uma história que abraça a complexa dualidade de uma geração mais jovem que anseia por se libertar de uma história de tradição repressiva, mas deve coexistir em um mundo dominado por crenças ultrapassadas.




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