segunda-feira, 9 de junho de 2025

Eros (Brasil, 2025)

 

Não é difícil entender o fascínio que levou Rachel Daisy Ellis a escolher os motéis como tema de seu primeiro longa-metragem, “Eros” . Esses estabelecimentos, ao mesmo tempo onipresentes e enigmáticos na paisagem urbana brasileira, despertam curiosidade independentemente de alguém ser um frequentador assíduo ou nunca ter cruzado suas portas. Ellis transforma esse interesse em uma jornada cinematográfica, inspirada por uma noite frustrada que passou em um motel, ouvindo os sons das suítes vizinhas e imaginando as histórias por trás deles. O resultado é um documentário que convida os próprios frequentadores a se filmarem, revelando um mosaico de experiências humanas que vão muito além do óbvio.


“Eros” não se contenta em retratar os motéis apenas como espaços de sexo casual. Através das lentes dos próprios participantes, que registram suas estadias com celulares, o filme explora um leque de emoções e relações: prazer e fantasia, sim, mas também amor, solidão, confiança e introspecção. Ellis costura essas narrativas para mostrar que, entre as quatro paredes de uma suíte, há uma vulnerabilidade reveladora que reflete tanto os indivíduos quanto a relação cultural do Brasil com esses locais.

Entre as diversas experiências documentadas, “Eros” destaca a presença de práticas homossexuais que envolvem fetiche e BDSM, integrando-as de forma natural ao seu retrato da intimidade humana. Esses momentos, registrados pelos próprios participantes, mostram a liberdade e a confiança que o ambiente do motel proporciona, permitindo que desejos muitas vezes marginalizados sejam explorados sem julgamento. Longe de serem o foco central, essas práticas aparecem como parte de um espectro mais amplo de vivências, evidenciando a diversidade de formas que a conexão humana pode assumir. 


A escolha de entregar a câmera—ou melhor, o celular—aos participantes é uma das grandes conquistas estéticas de “Eros”. As imagens, variando conforme o dispositivo e a perspectiva de quem filma, refletem a singularidade de cada história. Há desde planos tremidos e intimistas até registros mais conscientes, quase performáticos, o que assume uma linguagem, criando uma textura visual rica e orgânica. 


Os protagonistas de “Eros” são anônimos. A ausência de uma narração documental tradicional ou intervenção direta da diretora permite que os participantes falem por si mesmos, seja nos momentos de êxtase, nos silêncios reflexivos ou nas conversas banais antes e depois do sexo. São esses instantes, capturados com uma honestidade desconcertante, que revelam o verdadeiro coração do filme.


Eros é um documentário corajoso e sensível que transforma os motéis brasileiros em um espelho da alma humana. Rachel Daisy Ellis utiliza o autorregistro como uma ferramenta poderosa para espiar a intimidade, a liberdade sexual e a auto-representação, oferecendo um olhar único sobre um aspecto tão tradicional quanto mal compreendido da cultura nacional. Ao final, o filme não apenas desmistifica os motéis, mas também instiga o público a uma visitinha. É uma estreia notável que confirma o potencial de Ellis como uma voz singular no cinema documental.


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