As mães são personagens constantes na obra de Pedro Almodóvar. Em De Salto Alto(1991), Marisa Paredes e Victoria Abril são mãe e filha em conflito. Em Tudo sobre minha mãe(1999), Cecilia Roth enfrenta a dor da perda de um filho. Em Volver(2006), Carmen Maura, retorna dos mortos para acompanhar suas filhas e em Dor e Glória(2019), o cineasta homenageia sua própria mãe, figura recorrente em seus primeiros filmes, através da personagem de Julieta Serrano.
No filme mais feminino do diretor espanhol em anos, Penélope Cruz interpreta Janis, uma fotógrafa que busca desenterrar os fósseis de seus antepassados mortos durante a Guerra Civil. Para isso ela conta com a ajuda do antropólogo Arturo(Israel Elejalde), o único homem relevante no elenco, com quem terá uma tórrida noite de desejo.
A narrativa almodovariana nos leva direto ao hospital, onde Janis prestes a dar à luz conhece Ana, Milena Smit, indicada ao Goya por No Matarás(2020), uma ingênua adolescente grávida, que entrelaça seu destino com a protagonista criando um poderoso elo. A cena do parto paralelo pode ser considerada umas das mais icônicas da recente obra do diretor.
A fotografia de José Luis Alcaine, que trabalha com o diretor desde Mulheres a beira de um ataque de nervos(1988), é inconfundível. Há um cuidado extremo no uso das cores e dos elementos e objetos cênicos. O onipresente vermelho aparece nos figurinos, adereços e utensílios, enquanto as ruas de Madri são exaltadas em diversas sequências. Também há bastante planos que enaltecem comidas, principalmente as espanholas. Alberto Iglesias novamente é o responsável pela trilha, que nesse caso tem um papel fundamental no clima de thriller que acompanha o filme.
Rossy de Palma, colaboradora constante de Almodóvar, ilumina a tela com sua presença. Ela interpreta Elena, a editora da revista para a qual Janis trabalha, e que também tem um vínculo da infância. Muito diferente de Julieta(2016), a atriz aqui aparece como uma mulher empoderada, elegante e dona de si.
Já Aitana Sánchez Gijón, trabalhando pela primeira vez com o diretor, é Teresa, a mãe de Ana, uma atriz frustrada que assim como em De Salto Alto, mantém uma relação conturbada e distante com a filha. Teresa é uma mulher fina e cheia de nuances, que deixou Ana aos cuidados do pai, que também acabou se tornando ausente, como a maioria das figuras paternas na obra do diretor espanhol.
Com um enredo extremamente feminino, a maternidade é o foco principal do longa. O título já sugere que há uma troca de bebês, o que é revelado logo no início do filme e levará Janis pela procura da verdade e momentos tensos e desesperadores juntos da pequena Cecília, que brilha e traz ternura ao filme. Sempre há uma luz, e ela está em Ana.
Há cenas muito características do diretor, como legumes sendo cortados, uma transexual, Daniela Santiago, a Veneno da série, sendo fotografada pela protagonista, e a tão comentada camiseta WE SHOULD ALL BE FEMINISTS, da Dior, e isso resplandece na tela. Mas é no drama e nos diálogos almodovarianos que habita uma crítica social e um posicionamento político.
A lista de grifes que aparecem no filme é extensa. De Dior, Louis Vuitton, Prada, Giorgio Armani, Pertegaz, Miu Miu, Palomo Espanha e Missoni até outras mais acessíveis como Levis e Zara. Todo o vestuário das “chicas” ou mães Almodóvar é especial.
Madres Paralelas é uma teia sentimental que o gênio do cinema maneja com facilidade, através de diálogos marcantes, uma leve comédia e situações ampliadas pelo sentido artístico. Sob tais parâmetros, Penélope Cruz oferece uma caracterização cheia de matizes e convenientemente emocionante na pele de uma personagem que oferece múltiplas mudanças emocionais. Da mesma maneira Milena Smit, também reluz, neste que é apenas seu segundo longa.
Os laços de sangue e a flexibilidade do conceito de "família" são essenciais no filme, assim como o roteiro apuradíssimo escrito por Almodóvar, que funciona pela própria personalidade do cineasta e por sua habilidade narrativa. Sempre há algo de muito pessoal em seus filmes e isso é o que os torna tão fascinantes.
A obra gira em torno do universo do próprio cineasta. É fácil encontrar referências a outros filmes, nomes e personagens em cenas de Madres Paralelas. As famosas tramas inusitadas são muito bem construídas, pelo roteiro, e o longa traz frescor e criatividade ao narrar uma história densa e fazer uma analogia entre maternidade e a denúncia aos horrores do franquismo e da guerra civil espanhola.
Filme maravilhoso! Adorei tua crítica. Sem espoiler e muito bem explicada!
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