sexta-feira, 19 de julho de 2024

The Acolyte (EUA, 2024)

Por Bruno Weber Meu primeiro contato com a franquia Star Wars foi com Caravana da Coragem 2: A Batalha de Endor, de 1985, que meu pai alugava pra mim em VHS. E antes de The Acolyte, o único trabalho da roteirista Leslye Headland que eu havia visto foi a série Boneca Russa, da Netflix. Headland traz uma linha narrativa básica para ambas as séries: uma mulher sendo forçada a confrontar suas origens, contra uma realidade que ela até então considerava imutável.

Em The Acolyte, a jovem mecânica Osha, ex-aprendiz de Jedi, vê um verdadeiro herói em seu antigo mestre, o Jedi Sol (Lee Jung-jae, de Round 6), como um modelo a se seguir e que ela não foi boa o suficiente para alcançar. Da mesma forma, ela enxerga toda a Ordem Jedi, os cavaleiros sensíveis à Força, protetores oficiais da galáxia. Mas o retorno inesperado de sua irmã gêmea Mae, acusada de ter assassinado uma mestra Jedi, acaba abalando essa crença.

Esse tema de confronto com um passado enganoso é uma das novidades que Headland trás para Star Wars. Sua própria experiência como uma mulher lésbica crescendo numa família cristã influenciou seu trabalho até hoje. Tanto no teatro, com suas peças baseadas nos Sete Pecados Capitais, como em Boneca Russa, com seu conflito entre o moderno e o ortodoxo, e agora na história de Mae e Osha (ambas interpretadas pela ótima Amandla Stenberg).


Como primeira pessoa queer a comandar uma produção de Star Wars, Headland traz esse ponto de vista novo. Mas além da diversidade - também há uma ponta da Abigail Thorn, do canal Philosophy Tube, a primeira mulher trans a aparecer na franquia - há outras novidades em The Acolyte. É a primeira produção da franquia que aborda um período diferente dos quase 80 anos em que se passa a Saga Skywalker, os nove filmes que contam a tragédia de Anakin Skywalker, a ascensão e a queda do maligno Império Galáctico e o surgimento de uma Nova República. The Acolyte se passa na época que o lore de Star Wars chama de Alta República, cem anos antes do Episódio 1 - A Ameaça Fantasma, um período de paz em que a Ordem Jedi estava no auge. Ao mesmo tempo, conta uma história num estilo de investigação criminal vista por mais de um ponto de vista, quase um Rashomon no espaço, coisa que não havia aparecido ainda na franquia. Por isso, Headland trouxe para a sala de roteiristas pessoas que não tinham visto os filmes anteriores. A intenção é expandir esse universo para território desconhecido, ainda que mantenha rimas narrativas com os filmes originais.


No passado, algumas produções já tentaram desconstruir esse moralismo benevolente dos Jedi, que são ao mesmo tempo monges representantes de uma religião e policiais que só respondem a si mesmos. Assim como o maniqueísmo entre os Jedi e os Sith - guerreiros que se entregam ao lado sombrio da Força e até hoje, senão eram traumatizados por tragédias e perdas, só pareciam maus pelo prazer de serem maus. Essa nova série promete finalmente mostrar o ponto de vista Sith. E o faz através do lorde Sith Qimir (Manny Jacinto, que está incrível no papel). "O que eu quero é a liberdade de usar meu poder como eu quiser, sem ter que responder aos Jedi", ele diz em um dos melhores episódios, depois de uma das batalhas de sabre de luz mais instigantes que Star Wars já mostrou. Esse desejo dele se reflete nas palavras de Aniseya (Jodie Turner-Smith), mãe de Osha e Mae.


Quando ela diz "isso não é sobre Bem ou Mal, é sobre poder, e quem tem permissão de usar", ela resume bem o tema principal de The Acolyte. A Força aqui não é só um elemento sobrenatural num universo de fantasia científica, é uma filosofia e religião com visões conflitantes. É possível traçar mais um paralelo com a identidade lésbica da roteirista-chefe. A família de Osha e Mae é composta apenas por mulheres, um coven de bruxas sensíveis à Força, e Aniseya gerou as meninas em sua companheira Koril usando seus poderes. A instituição normalizadora da Ordem Jedi não soube lidar com isso.


Talvez por isso uma parcela tóxica e barulhenta dos fãs de Star Wars se revoltou com The Acolyte. Durante as últimas semanas, ataques racistas e homofóbicos direcionados a Headland e ao elenco foram frequentes nas redes sociais. O que infelizmente já havia acontecido com outras produções recentes de Star Wars, que "ousaram" retratar personagens que não fossem brancos. Esse saudosismo tacanho de quem se diz fã da saga mas não suporta quando ela tenta expandir ou explorar qualquer coisa daquilo que assistiram na infância, mesmo ignorando que os filmes originais de George Lucas sempre tiveram temas progressistas.


Não que não exista nada pra se reclamar em The Acolyte. A edição não consegue encontrar um bom ritmo para os oito episódios, que sempre pareciam acabar "do nada". E por mais que se possa elogiar o bom elenco, eles só conseguem uns poucos momentos para brilhar em meio a diálogos fracos, artificiais e cafonas. a cafonice das falas é quase uma marca registrada de Star Wars, mas aqui ela parece um pouco mais gritante. Bem mais gritante que a fotografia e o design de produção, que padece daquele mal das atuais produções de streaming, em que tudo é homogêneo, escuro e sem cor. Nesse sentido, The Acolyte é bem condizente com todas as outras séries e filmes que se passam no universo de Star Wars. É tão ambiciosa quanto é falha. Menos Caravana da Coragem 2, que é perfeito e quem não concorda comigo está errado.



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