segunda-feira, 22 de maio de 2023

Dias Ardentes(Kurak Günler, Turquia, 2022)

Na forma de um thriller político rural, Emin Alper oferece uma metáfora para o aumento perturbador do populismo autoritário na Turquia, aliado a um retrato vertiginoso da corrupção dos notáveis ​​em torno do acesso à água e configura uma cena que não está muito longe de Chinatown (1974), de Roman Polanski, onde o protagonista de sua investigação foi largamente abusado como o jovem promotor.

Mais do que um filme de dossiê, Emin Alper assume referências do cinema de ficção e de gênero e distancia-se da abordagem documental da realidade. O filme torna-se assim uma metáfora política tanto mais forte quanto não se limita a uma realidade local, ainda que o contexto político turco, seja um verdadeiro pano de fundo.


Emre(Selahattin Pasali), perdeu aquele espírito rural, aquela mentalidade camponesa pela qual os animais da fazenda eram mortos para alimentação sem muitos problemas. Desde o início, quando chega para trabalhar como promotor em uma pequena comunidade turca, Yanıklar,  ele fica horrorizado com aquele ritual cruel que obriga todos os aldeões a perseguir e matar um javali nas ruas da cidade.

Os habitantes locais, representados pelos dois advogados que Emre conhece no início, riem quando ele fala de teatro. Algo que o promotor costumava frequentar na cidade.

Enquanto isso, uma sutil tensão erótica surge entre ele e o igualmente charmoso editor do jornal local, Murat(Ekin Koç). Alper sugere isso de forma muito delicada. O vínculo, presumido e real, entre o promotor e o jornalista, por sua vez, representa o ponto sem volta da aceitação daquele corpo estranho representado por Emre naquela comunidade retrógrada.




Os planos são banhados em tons amarelos brilhantes, de forma mais eficaz na cena de abertura, onde Emre está à beira de um sumidouro com um colega. A cratera causada pelo escoamento das águas subterrâneas simboliza tanto o abismo psicológico para o qual o jovem protagonista está olhando quanto o abismo social.

O procurador torna-se alvo por causa de sua orientação sexual. No entanto, Alper não apenas sugere que ele é extremamente tenso, mas também expõe vários estereótipos tóxicos: abuso (hetero)sexual, incesto, manipulação, perigosa perda de controle e instabilidade psicológica.


Emre também investiga o estupro de Pekmez(Selin Yeninci), que tem muito pouco discernimento na cidade, ocorrido durante a noite que passou com os advogados Şahin(Erol Babaoglu) e Kemal(Erdem Senocak).

A investigação passa a ser baseada em motivos legais, políticos e pessoais, pois Emre não consegue se lembrar se esteve envolvido no incidente porque bebeu demais naquela noite. Nos dias que seguem à noite do acontecimento, tenta recordar graças a alguns flashbacks distorcidos. Murat também interfere na memória de Emre, interrompendo e recriando suas lembranças e momentos. 


A relação dos protagonistas é bastante metafórica. Emre, que não pode usar água em casa por causa da seca, vai se banhar no lago. Sua beleza brilhando com gotas atraem a atenção de Murat. Como as crateras, a água é um dos personagens-objeto do filme.


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