quarta-feira, 3 de maio de 2023

ENTREVISTA COM LUCAS DRUMMOND


Hoje o CINEMATOGRAFIA QUEER traz sua primeira entrevista. A página falou com Lucas Drummond, ator, roteirista, produtor e realizador. Fundador da Gaulia Produções Artísticas, Lucas está completamente imerso na dramaturgia, já tendo atuado em Chacrinha o Musical dirigido por Andrucha Waddington e Online (2018), ao lado de Paulo Gustavo e sob direção de João Fonseca.


Drummond também foi visto em Todxs Nós (2020), da HBO, com direção de Daniel Ribeiro e Vera Egito. No cinema, interpretou Aécio Neves no longa O Paciente (2018), de Sérgio Rezende; Vinícius em Seguindo Todos Os Protocolos (2022), dirigido por Fábio Leal e pelo qual foi indicado ao SESC Melhores Filmes na categoria Melhor Ator; e escreveu, produziu e estrelou os curtas Depois Daquela Festa (2019) e Todos Os Prêmios Que Eu Nunca Te Dei (2022), selecionados para mais de 80 festivais no Brasil e no mundo.

Atualmente está em cartaz com a peça Órfãos, dirigida por Fernando Philbert, projeto que lhe rendeu uma indicação ao prêmio APTR na categoria Melhor Ator Protagonista. Além de atuar ao lado de Ernani Moraes e Rafael Queiroz, Drummond também assina a idealização e coordenação do projeto.



Cinematografia Queer: Ambos os seus curtas, Depois Daquela Festa(2019) e Todos os Prêmios que nunca te dei(2022), refletem temas muito pessoais. Existe um tom autobiográfico em sua escrita?

Lucas Drummond: Eu acredito que tudo o que a gente escreve, de alguma forma tem a ver com a

gente. Seja pela temática, pelos personagens, pelas situações... O “Depois Daquela Festa”, tinha um misto de uma vontade de poder falar abertamente com os meus pais sobre questões relacionadas à minha sexualidade e o momento que eu estava vivendo com a doença do meu pai. E o “Todos Os Prêmios” (TOP), por sua vez, poderia facilmente se chamar “Todos os meus relacionamentos em um filme de 17minutos”, rs.



C.Q.: Como você descreve a sua evolução como artista entre a filmagem de um e de outro?


L.D.: Nossa, que difícil, rs. São dois projetos muito diferentes. Eles têm tons e estilos muito distintos. Mas eu acho que o Depois Daquela Festa, apesar de falar de uma questão muito importante, é um filme mais leve, doce. O Todos Os Prêmios já tem uma carga emocional maior. Eu queria explorar um pouco mais de densidade, sabe?
Além de ser um filme de uma cena única, o que exige muito mais dos atores. Esse foi o maior desafio desse projeto: conseguir manter essa continuidade de emoções, apesar de termos rodado em dois dias, um filme que, editado, tem 17min.

C.Q.: Como é a parceria com o diretor Caio Scot?

L.D.: Caio e eu somos muito amigos. Ele é um artista muito sensível, inteligente. Sabe conduzir o set de uma maneira doce, tranquila. E isso faz toda diferença. Desenvolvemos uma relação de tanta cumplicidade e confiança, que eu me liberto completamente de qualquer ideia pré concebida que eu tenha sobre roteiro e personagens e entrego nas mãos dele. Ele consegue fazer eu me surpreender

muitas vezes comigo mesmo e isso é incrível para qualquer ator.


C.Q.: Você é uma das estrelas de Seguindo Todos os Protocolos(2022), de Fabio Leal. Como nasceu essa relação? O papel foi pensado para você?


L.D.: Fábio e eu nos conhecemos durante a pandemia, quando participamos juntos de uma live conduzida pelo André Fischer, diretor do Festival Mix Brasil, sobre uma mostra de filmes promovida pelo festival, na qual o Depois Daquela Festa e o Reforma, curta do Fábio, iam ser exibidos. Trocamos uma ideia depois da live e trocamos também os links dos nossos filmes. E foi isso.

Alguns meses depois, o Fábio me escreveu, perguntando se eu tinha um “reel”(material de vídeo de ator). Disse que ia dirigir um longa e queria me testar para um dos personagens. Eu mandei o reel e logo em seguida ele me retornou com a cena do Vinícius, personagem que eu faço no Seguindo Todos Os Protocolos (STOP), marcando um teste. Me preparei e, no dia do teste (que era virtual), foi tudo uma cagada. Meu teste não foi bom, a proposta que eu tinha trazido não era bem o que o Fábio queria. Mas ele me pediu umas alterações e marcou um novo encontro uma semana depois. E aí foi

incrível. Super rolou. Duas semanas depois, ele me ligou e disse que eu tinha pego o papel. E foi um dos projetos mais incríveis que fiz até hoje. Tenho muito orgulho deste filme.


C.Q.: Estar em um filme que esteve em circuito nacional e também em festivais internacionais te abriu portas?


L.D.: O STOP certamente mudou a imagem que muita gente tinha sobre o meu trabalho, mas mais por conta da profundidade da cena e do personagem. É um personagem difícil, cheio de camadas, e que tem que mostrar tudo isso em apenas uma cena. Esse era o maior desafio do papel. Fora o fato de que é um personagem que está 95% da cena pelado. Eu já tinha feito cena de beijo triplo em Todxs Nós(que aliás é uma das minhas cenas favoritas da série), mas eu nunca tinha feito uma cena de nudez. E a equipe do filme foi incrível, todo mundo muito respeitoso, eu me senti muito à vontade, o que com certeza contribuiu muito para o resultado.

C.Q.: Em relação a projetos futuros, você pode adiantar o que vem por aí? Quando te veremos em um novo longa?


L.D.: Desde outubro de 2022, eu estou em cartaz com uma peça, Órfãos. É um texto norte-americano, que eu comprei os direitos, levantei, produzi e protagonizo, ao lado do Ernani Moraes e do Rafael Queiroz. Nós acabamos de encerrar uma temporada e voltamos em cartaz novamente, em junho, no Teatro da Laura Alvim, no Rio de Janeiro. É um projeto do qual eu tenho um orgulho imenso e que inclusive me rendeu uma indicação ao Prêmio APTR, que é um dos prêmios de teatro mais

importantes do Brasil. Além disso, eu acabei de fazer um personagem no novo longa do Felipe Sholl,

Ruas da Glória, produzido pela Syndrome Films. O filme tem previsão de lançamento para 2024. Eu tô muito curioso para assistir, o roteiro é foda, rs! E eu já era fã do Sholl desde , que foi o primeiro curta gay que eu vi na vida. Tinha muita vontade de trabalhar com ele e foi uma experiência maravilhosa. Fun fact: A filmografia do Sholl, em especial o , está tão presente no meu imaginário, que o Todos Os Prêmios também é sobre um casal, gay, e também se passa inteiro dentro

de um banheiro.


C.Q.: Como você analisa produzir cinema hoje no Brasil?


L.D.: Produzir cinema, especialmente de forma independente, é uma aventura. Mas ao mesmo tempo, hoje em dia, com as câmeras poderosas dos nossos celulares, são tantas as possibilidades de realizar um filme, que eu acho que as coisas acabam sendo mais possíveis. Assim como monetizar o produto depois de pronto. Diversos streamings compram curtas e longas depois de prontos, então, muitas vezes você consegue recuperar a grana que investiu com a venda. Isso é um segredo valioso,

que ninguém te diz.


C.Q.: É mais árduo quando as obras estão destinadas ao público LGBTQIA+?


L.D.:  Eu acho que o espaço destinado a obras LGBTQIAP+ está crescendo cada vez mais. Principalmente porque o público têm pedido isso e os canais/plataformas estão tendo que oferecer esse conteúdo também. E, agora com um governo mais progressista (finalmente), estamos tendo muito mais editais, inclusive editais focados em projetos de realizadores LGBTQIAP+ e sobre questões desse universo, o que é extremamente importante.


C.Q.: Fale um pouco sobre a experiência na série Todxs nós(2020), da HBO, dirigida por Daniel Ribeiro, de Hoje eu quero Voltar Sozinho e Vera Egito?


L.D.: Todxs Nós foi um dos trabalhos mais prazerosos da minha trajetória até agora. Primeiro, porque é uma série que fala sobre sexualidade, sobre diversidade, que é um assunto que permeia a minha vida e a minha carreira. Segundo, porque eu era muito fã do Dani e da Vera. Eu tinha assistido Amores Urbanos, longa da Vera, pouco tempo antes de fazer o teste para a série. E Hoje Eu Quero Voltar Sozinho é um dos meus filmes preferidos, ou seja, eu tinha muita vontade de trabalhar com

eles. E, por fim, além de ser uma equipe incrível e um set super alto astral, o meu personagem, o Rael, era muito divertido de fazer. O Dani e a Vera me deram muita liberdade para brincar, propor. Muita coisa do que foi ao ar veio de improvisos na sala de ensaio. Foi muito gostoso!

C.Q.: Você tem uma vasta experiência em teatro musical. Como é atuar nessas grandesproduções teatrais, existe alguma diferença na composição de personagem?


L.D.: Essa pergunta é interessante! Eu acho que, independente de ser musical ou não, o processo no teatro é muito diferente do processo no cinema. No teatro, você tem muito mais tempo para estudar, experimentar e explorar o personagem. E você também passa muito mais tempo “sendo” o personagem, sabe? Se a peça tem 1h30, durante essa 1h30 você é aquele personagem. Já no cinema, embora também haja um processo de ensaios e preparação, são muitas coisas acontecendo

ao mesmo tempo em um set, as cenas são gravadas uma a uma, divididas em planos, quase sempre mais de um take por plano, então, o seu tempo “sendo” o personagem é menor. Além disso, você tem uma câmera ali que capta tudo o que está acontecendo dentro de você, então você pode explorar uma construção mais intimista, menor.


C.Q.: Quais suas referências cinematográficas e literárias? Cite algumas obras.


L.D.: Vixe... eu tenho muitas, rs. Mas eu me inspiro muito em artistas que se produzem. O Xavier Dolan, por exemplo, é uma forte referência. Escreve, produz, dirige e atua nos próprios filmes. Eu acho isso fantástico! O Josh Thomas e o Kit Williamson, roteiristas, produtores e protagonistas de Please Like Me e Eastsiders, respectivamente, são outros dois grandes exemplos. Paulo Gustavo também, com quem tive o prazer de trabalhar no último espetáculo que ele fez, Online, também

foi um cara que enfrentou o mercado e se fez. Essa galera me inspira muito.


C.Q.: Há mais algo que você gostaria de acrescentar?


L.D.: Uma dica para quem curte o meu trabalho e é do Rio de Janeiro. No próximo dia 06/05, sábado, estreia o espetáculo Se Essa Lua Fosse Minha, um musical escrito pelo Vitor Rocha, com canções do Elton Towersey e que eu estou produzindo. É um espetáculo lindo, que usa as cantigas do nosso folclore como pano de fundo paracontar uma grande história de amor. Tem muita diversidade em cena: sexual, étnica e eu tenho certeza que o público vai ficar apaixonado por essa história como eu fiquei quando assisti pela primeira vez, em 2019. O espetáculo fica em cartaz até final de maio, sábados e domingos, no Teatro Gláucio Gill. Ingressos à venda


Foto: Victor Miranda

DEPOIS DAQUELA FESTA(2019)


Escrito por Lucas Drummond e Mel Carvalho e dirigido por Caio Scot, Depois Daquela Festa foi realizado inteiramente com financiamento coletivo. Estreou no REELING: The Chicago LGBTQ International Film Festival, em setembro de 2019, e desde então foi selecionado para 62 festivais em 26 países. O filme segue  Leo, que fica espantado ao ver seu pai beijando outro homem em uma festa. Reflexivo e contando com a ajuda de Carol, sua melhor amiga, ele precisa encontrar a forma perfeita de contar a ele que descobriu seu segredo. Desde que encerrou sua carreira em festivais, o curta foi licenciado para diversos canais de televisão e plataformas de streaming como Telecine, Megapix, Spcine play, MyDekkoo, Globoplay e SESC Digital.


TODOS OS PRÊMIOS QUE EU NUNCA TE DEI(2022)


Todos Os Prêmios Que Eu Nunca Te Dei renovou a parceria entre os atores e roteiristas Lucas Drummond e Mel Carvalho e o diretor Caio Scot. O filme estreou em abril de 2022, em Varsóvia, no LGBT Festival Poland, um dos maiores festivais de filmes LGBT da Europa. Selecionado para 24 festivais, venceu o prêmio do júri de Melhor Curta no Fargo-Moorhead LGBT Film Festival, nos Estados Unidos. Delicadamente dirigido e atuado, o filme narra um encontro inesperado entre dois jovens atores, no banheiro de uma premiação, trazendo à tona sentimentos mal resolvidos e uma história de amor que talvez ainda não tenha tido o seu ponto final.


TODXS NÓS(2020)

A série criada por Daniel Ribeiro, Heitor Dahlia e Vera Egito tem no cerne de sua trama Rafa, uma jovem pansexual de 18 anos, que se identifica como não-binária. Quando deixa a casa de seus pais no interior e se muda para a cidade de São Paulo seus horizontes se ampliam.


SEGUINDO TODOS OS PROTOCOLOS(2022)


“Seja Kinky” diz Francisco, o protagonista interpretado pelo diretor Fábio Leal, ao tentar formas seguras de fazer sexo. Usando de criatividade, e uma paranoia com higiene, o personagem começa a marcar encontros, e então experimentar novas formas de prazer, sempre com o uso de máscara. Lucas Drummond surge como Vinícius para iluminar a tela com beleza, ternura e esperança.



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