quarta-feira, 31 de maio de 2023

Monica(Itália/EUA, 2022)

Monica (Trace Lysette), uma mulher transgênero, está afastada de sua mãe, Eugenia (Patricia Clarkson), há 20 anos. Quando descobre que Eugênia está doente, ela volta para sua cidade natal para ajudar a cuidar dela. Ela também reencontra seu irmão, Paul (Joshua Close), que chega lá com sua esposa, Laura (Emily Browning) e seus filhos.

O diretor Andrea Pallaoro e o corroteirista Orlando Tirado tecem uma exploração lírica e comovente do amor, compaixão, perdão, reconciliação e cura da dor emocional. 


Monica se permite ser apresentada como uma estranha e se muda para a casa de Eugênia. Durante a maior parte do filme, Monica atua como cuidadora de sua mãe. Eugênia fica perplexa com sua presença


Algo traumático claramente aconteceu entre a mãe e Monica, há 20 anos, que levou ao afastamento delas. O filme não foca nesse trauma, mas sim nas consequências durante um momento de adversidade que une a família. 


Trace Lysette proporciona um desempenho comovente como Monica. O ritmo se move lentamente como um certo anacronismo. A câmera fica próxima e pessoal com planos, em proporção quadrada, que aumentam a sensação de intimidade e crueza. 


Pallaoro é italiano, e assim como a Monica de Lysette em longas tomadas em que ela está presa em composições atrás de portas, janelas e em espelhos enquanto faz ligações para pessoas que parecem tê-la abandonado, soa como o diretor estivesse referenciando os filmes que o mestre Michelangelo Antonioni fez nos anos 1960, com Monica Vitti.


O diretor e o corroteirista Orlando Tirado nos dão apenas fragmentos das histórias de fundo dos personagens, como o triste rompimento de um relacionamento de Monica, e isso funciona bem porque sua angústia atual é mais envolvente e mais dramática do que o que aconteceu no passado. 


Embora silencioso, o filme é embalado por uma trilha pop e retrô, com canções clássicas de bandas como New Order, Pulp, The Blaze, Moderat, Patty Bravo e The Easybeats.



sexta-feira, 26 de maio de 2023

Fanfic(Fanfik, Polônia, 2023)



A Polônia é um dos piores países da Europa para pessoas LGBTQIA+. Dito isso, a Netflix, adota a homofobia como um pano de fundo, de sua produção original Fanfic, de Marta Karwowska e escrito em colaboração com Grzegorz Jaroszuk. Tośka Tò (Alin Szewczyk) está com raiva. Muitas vezes tem sido, por muitos anos, e as constantes sessões de terapia não mudam isso. A personagem só encontra paz em sua cabeça quando engole comprimidos ou senta em sua fanfiction e consegue escrever o mundo do jeito que gostaria que fosse. Isso só muda quando se aproxima de Leon (Jan Cieciara). Mesmo antes disso, havia interesse de ambos os lados. Mas é apenas quando eles se beijam em uma festa que podem perseguir seus sentimentos.

Também é Leon quem empresta suas roupas para Tośka quando as suas estão encharcadas pela chuva. Quando as usa, a realidade cai de seus olhos: ela é na verdade um menino, só está presa no corpo errado. E então decide se chamar Tosiek e seguir a vida como um menino. Mas a decisão não é fácil.

A fanfic que Tośka escreve no início se transforma em uma série de apartes que visualmente fazem um trabalho incrível de mostrar como é sua percepção de si mesmo e de Leon. Fanfic é ótimo em apontar que, mesmo quando você está escrevendo sua própria narrativa, o que você deveria ser, você ainda não é o personagem principal da história de todos os outros. É uma mensagem clara de que todos, mas especialmente as pessoas queer, estão melhor em comunidade e solidariedade do que em isolamento e solidão.

Mas Fanfic brilha melhor sempre que está mergulhando mais fundo em questões de gênero e aceitação. O filme começa com algumas cenas dramáticas sobre ele roubar antidepressivos de seu pai, mas depois ambos acabam formando um elo bastante caloroso.

Fanfic é mais sobre encontrar alegria do que sobre a dor de chegar lá. A maneira como retrata e explora gênero, identidade, sexualidade e atração é incrível não apenas para um produto polonês, mas como um coming-of-age moderno.


Marta Karwowska se concentra em uma pequena história, ficando muito próxima dos personagens e envolve o assunto em um drama de amadurecimento. O foco de Fanfic é Tośka /Tosiek e as percepções do próprio gênero.


Antes do início das filmagens, Alin Szewczyk passou vários meses se preparando para o papel e trabalho no set. Nessa época, junto com Marta Karwowska e a coreógrafa Kaya Kołodziejczyk, trabalhou na expressão, liberação e compreensão das emoções, construindo aos poucos o personagem de Tośek. A relação entre os personagens também é um elemento importante em Fanfic, por isso é importante a cumplicidade com o resto do elenco.


quinta-feira, 25 de maio de 2023

The Accompanist(EUA, 2019)

Jason Holden está na casa dos 50 anos com uma família que se recupera de um trágico acidente automobilístico que colocou sua filha em uma cadeira de rodas. Enquanto isso, ele está passando pela escuridão da alma. Um novo trabalho como acompanhante de piano, em um estúdio de balé local, o leva a se apaixonar por Brandon(Ricky Palomino), um jovem dançarino problemático.

Frederick Keeve é o autor por trás do filme, como roteirista, diretor e estrela. Este filme é a versão expandida de uma versão mais curta que ele fez em 2018.Seu, relutante, Jason concorda, mas logo se sente atraído pelo jovem, que também se apaixona.

O fato é que Brandon está em um relacionamento abusivo com Adam (Aaron Cavette), e depois de um dos surtos especialmente desagradáveis ​​de Adam, Brandon foge e pede a Jason para acolhê-lo.

Os dois logo começam um relacionamento sexual, e tudo parece estar indo muito bem até que Adam aparece em cena, e ele não quer apenas Brandon de volta, ele também sabe que a música de Jason tem poderes mágicos e quer usá-los para curar seu câncer de pulmão. Mas Jason tem seus próprios segredos obscuros…

The Accompanist é um filme pouco convencional, é uma história de amor queer e preenche praticamente todos os requisitos, com seu tema musical e de dança dando uma camada extra, tanto em um nível puramente estético quanto em termos de profundidade.

Ao mesmo tempo, o filme também é um drama muito sério sobre lidar com a culpa reprimida e uma espécie de conto de fadas urbano graças à inclusão do realismo fantástico, misturado à trama de maneira muito palpável.

quarta-feira, 24 de maio de 2023

Love to Love You, Donna Summer(EUA, 2023)

Love to Love You, Donna Summer é um documentário biográfico sobre a Rainha da Disco Music, dirigido por sua filha caçula, Brooklyn Sudano, juntamente com Roger Ross Williams. O filme usa imagens de arquivo para contar a história da carreira de Donna Summer, desde seus primeiros hits discográficos até se tornar a primeira artista negra com um vídeo na MTV para seu hit de 1983, ‘She Works Hard for the Money’. 

A canção de Donna Summer co-escrita por Giorgio Moroder e pelo produtor Pete Bellotte, ajudou a preparar o terreno na Europa para a revolução da discoteca que já estava borbulhando  particularmente clubes gays underground, em todo o mundo. A canção se tornou um fenômeno. 


Embora o filme trace seu sucesso inicial na Alemanha e seu retorno aos EUA, com uma bagagem de vídeos e filmagens de shows, a ênfase da discussão está em sua vida pessoal e sentimentos emocionais sobre esse sucesso. O arquivo familiar ajuda a mostrar a mulher por trás dos maiôs cintilantes. 


Vemos as habituais imagens de arquivo, muitas filmadas pela própria cantora,  com entrevistas intercaladas com clipes de suas lembranças.  No entanto, esses vários clipes raramente são usados de maneiras esperadas, e a forma intrincada como o filme é montado beneficia ainda mais a narrativa.

Há muitas referências aos papéis que ela representou, e é claro que, nas filmagens de shows, seu início no teatro musical ajudou a moldar a maneira como ela atuava em cada apresentação, desde os sucessos mais carnais de seu período inicial até a atitude apropriadamente estridente de sucessos como ‘Last Dance’, 'Hot Stuff' e ‘On the Radio’.


Love to Love You como uma verdadeira obra biográfica, mostra um lado desconhecido da vida de Summer, uma história de abusos, de uma diva de olhos tristes, pintando um retrato verdadeiramente detalhado, de uma artista, mulher e negra que esteve a frente de seu tempo.


O aspecto mais desafiador é dar sentido aos comentários homofóbicos de Donna Summer, após abraçar a música cristã. Dado o quão intimamente ligado à comunidade LGBTQIA+, grande parte de seu sucesso foi, continua sendo uma mancha chocante em seu legado, e é uma abordagem bem-vinda sem medo de evitar tais contradições em sua personagem. 


O que aconteceu em seguida, foi um clamor compreensível da comunidade gay, alimentado por alegações de que Summer havia feito comentários consideravelmente piores sobre o julgamento de Deus e a AIDS em uma entrevista. A Act Up clamou. Declarações equivocadas sobre ‘Adão e Ivo’ revoltou aqueles que a apoiaram em dias de glória. Devastada, a cantora aparece em uma coletiva para desmentir as publicações, porém o estrago estava feito.


Quase não há música pop contemporânea que não deva algo ao DNA de canções como "I Feel Love", Beyoncé e Summer Renaissance que o digam, e há correlação direta com as divas de hoje seguindo os passos de Summer, mulher negra que desafiou o seu tempo. 


Há muito o que amar em Love to Love You, Donna Summer. É um retrato maravilhoso, muitas vezes triste, desse talento notável, uma cantora lendária, também controversa e deixada de lado como um mero fenômeno discográfico e raramente celebrada com o mesmo entusiasmo que outras.



terça-feira, 23 de maio de 2023

L'Immensità(Itália/França, 2022)

Roma, década de 1970. Adriana (Luana Giuliani), 12 anos, não se sente bem com o corpo de menina. Vivendo como uma alienígena de uma galáxia distante, ela tem cabelo curto, se veste de menino e prefere ser chamada de Andrea. Isso preocupa seu pai Felice (Vincenzo Amato), o representante perfeito do macho italiano, mas não sua mãe Clara, uma maravilhosa Penélope Cruz, que deixa a criança viver em seu mundo imaginário. Imigrante espanhola, adora os filhos, com quem brinca, dança, canta. Mas, suportando cada vez menos as infidelidades do marido, sente-se profundamente infeliz.

Assim, para esconder o sofrimento dos filhos, Clara enche a casa de canções, preparando a mesa com os três filhos ao som de Rumore da icônica Raffaella Carrà, contando histórias e recusando-se a castigá-los duramente.


Adri adora brincar no terreno baldio ao lado de seu prédio. A partir daí, atravessando um bambuzal que o separa de seu mundo cotidiano, ele se junta a Sara, uma linda menina morena de olhos negros que mora com os pais em quartéis operários. Lá, Adriana pode ser quem ela realmente é: Andrea.


Emanuele Crialese dá à luz este filme autobiográfico. O diretor realmente confidenciou que L'immensità conta sua própria história, revelando a passagem de sua jornada crescendo como um homem transgênero.


Com infinita delicadeza, o cineasta mergulha nas lembranças de sua infância, na Roma dos anos 1970, para encenar uma bela jornada de autoafirmação, contra os decoros da sociedade italiana da época, representada por esse pai austero e inconstante. 


O resultado é um conto intimista e delicado, que mistura o drama da violência doméstica e da busca pela própria identidade com tons mais leves, de conto de fadas, às vezes malucos, como os olhos dos pequenos percebem o mundo.


A música e a dança de ícones da época, Raffaella Carrà, Patty Pravo, um jovem Adriano Celentano, são perfeitos para descrever a confusão e a insensatez de Adri que se imagina junto da mãe em números musicais preto e branco na TV. Arte como meio de fuga, mas também como meio de comunicar e mostrar o que está dentro.


A imensidão permanece suspensa a meio caminho entre o sonho e a realidade, oferecendo cenas muito doces e visualmente poderosas. O filme reconhece os desejos de Adri. Até mesmo o incômodo de Clara por trás de seu comportamento intenso é sutilmente explorado, destacando os constantes sentimentos fechados que ela retém. O centro emocional do filme é a aliança da mãe e de seu filho contra Felice e suas crenças antiquadas. 


segunda-feira, 22 de maio de 2023

Dias Ardentes(Kurak Günler, Turquia, 2022)

Na forma de um thriller político rural, Emin Alper oferece uma metáfora para o aumento perturbador do populismo autoritário na Turquia, aliado a um retrato vertiginoso da corrupção dos notáveis ​​em torno do acesso à água e configura uma cena que não está muito longe de Chinatown (1974), de Roman Polanski, onde o protagonista de sua investigação foi largamente abusado como o jovem promotor.

Mais do que um filme de dossiê, Emin Alper assume referências do cinema de ficção e de gênero e distancia-se da abordagem documental da realidade. O filme torna-se assim uma metáfora política tanto mais forte quanto não se limita a uma realidade local, ainda que o contexto político turco, seja um verdadeiro pano de fundo.


Emre(Selahattin Pasali), perdeu aquele espírito rural, aquela mentalidade camponesa pela qual os animais da fazenda eram mortos para alimentação sem muitos problemas. Desde o início, quando chega para trabalhar como promotor em uma pequena comunidade turca, Yanıklar,  ele fica horrorizado com aquele ritual cruel que obriga todos os aldeões a perseguir e matar um javali nas ruas da cidade.

Os habitantes locais, representados pelos dois advogados que Emre conhece no início, riem quando ele fala de teatro. Algo que o promotor costumava frequentar na cidade.

Enquanto isso, uma sutil tensão erótica surge entre ele e o igualmente charmoso editor do jornal local, Murat(Ekin Koç). Alper sugere isso de forma muito delicada. O vínculo, presumido e real, entre o promotor e o jornalista, por sua vez, representa o ponto sem volta da aceitação daquele corpo estranho representado por Emre naquela comunidade retrógrada.




Os planos são banhados em tons amarelos brilhantes, de forma mais eficaz na cena de abertura, onde Emre está à beira de um sumidouro com um colega. A cratera causada pelo escoamento das águas subterrâneas simboliza tanto o abismo psicológico para o qual o jovem protagonista está olhando quanto o abismo social.

O procurador torna-se alvo por causa de sua orientação sexual. No entanto, Alper não apenas sugere que ele é extremamente tenso, mas também expõe vários estereótipos tóxicos: abuso (hetero)sexual, incesto, manipulação, perigosa perda de controle e instabilidade psicológica.


Emre também investiga o estupro de Pekmez(Selin Yeninci), que tem muito pouco discernimento na cidade, ocorrido durante a noite que passou com os advogados Şahin(Erol Babaoglu) e Kemal(Erdem Senocak).

A investigação passa a ser baseada em motivos legais, políticos e pessoais, pois Emre não consegue se lembrar se esteve envolvido no incidente porque bebeu demais naquela noite. Nos dias que seguem à noite do acontecimento, tenta recordar graças a alguns flashbacks distorcidos. Murat também interfere na memória de Emre, interrompendo e recriando suas lembranças e momentos. 


A relação dos protagonistas é bastante metafórica. Emre, que não pode usar água em casa por causa da seca, vai se banhar no lago. Sua beleza brilhando com gotas atraem a atenção de Murat. Como as crateras, a água é um dos personagens-objeto do filme.


quarta-feira, 17 de maio de 2023

Peridot(EUA, 2022)

Shayne Pax escreve, dirige e estrela o drama Peridot como o jovem michê Gabriel, que atende homens e mulheres, na região de Skid Row, em Los Angeles com seus dois amigos, apenas tentando sobreviver e enviar dinheiro para sua mãe em casa.

Ele é um oportunista, aventureiro e ladrão, mas bom de coração. Porém está perdido. A redenção vem na forma de Martha(Susan Harmon), uma mulher mais velha que se revela uma autora renomada. Ela se aproxima de Gabriel enquanto ele está sentado em uma plataforma de trem.

Ele é educado, mas quer se livrar dela. Ela persiste e o pega, oferecendo-se para pagá-lo, e é o começo de uma bela amizade, improvável, mas linda. Ela é falante, e Gabriel gosta da conversa dela.  Vendo uma figura maternal, ele continua procurando por ela, e ela eventualmente o encoraja a escrever também, e contar sua própria história.


Um dos dois amigos de Gabriel é o belo e igualmente animado Luke (Harry Hains), que se mete em maus lençóis com o consumo de drogas. Luke é o terceiro personagem significativo no drama. Seu intérprete, que também participou de AHS, morreu pouco tempos depois, justamente pelo abuso de substâncias.


O tema principal do filme é que todo mundo está procurando por amor e muitos de nós, como Gabriel, tendemos a procurá-lo nos lugares errados. Ele acredita que está se prostituindo para sobreviver, mas na verdade ele está procurando por uma conexão mais profunda do que é capaz de encontrar. E embora o filme fale sobre sobre prostituição, a escassez de cenas de sexo prova que o diretor quis mostrar o vazio de seu personagem.

Shayne Pax é adequadamente ingênuo e de olhos arregalados como Gabriel, trazendo um charme de menino para o papel enquanto é confiante na direção. Ele eleva seu jogo ao lado de Susan Moore Harmon como Martha, e as cenas dos dois atores juntos são os melhores momentos do filme. 



terça-feira, 16 de maio de 2023

Before the Night is Over(EUA, 2020)

Before the Night is Over, do diretor de terror underground Richard Griffin, homenageia mestres como Mario Bava e Dario Argento, para apresentar um terror queer colorido, bem atuado,  invariavelmente misturados com surpresas agradáveis ​​e humor.

O filme conta a história de Samantha (Samantha Acampora). Sofrendo com a perda de seus pais, ela se torna empregada doméstica em um bordel masculino administrado por sua tia, a Sra. Blanche DeWolfe (Lee Rush). Imediatamente intrigada pela natureza carregada de erotismo do lugar, ela se encontra lentamente na trilha de um segredo.


Ao entrar em seu grande saguão, Samantha fica um pouco surpresa com o que observa. Vários homens mais velhos estão espalhados pelo local, cada um ladeado por pelo menos um homem mais jovem seminu. A jovem passa então a viver numa espécie de pesadelo homoerótico.


Assim, as ansiedades de Samantha sobre sua nova residência estão crescendo compreensivelmente. Elas não são ajudadas por sua descoberta de uma área do porão desordenada que evoca imagens sombrias. No mínimo, ela conheceu dois rostos amigáveis ​​- os amantes Jamie (Ricky Irizarry) e Duke (Cardryell Truss) - que a fazem se sentir mais à vontade. Por um tempo.



Mas a estada de Samantha não fica mais confortável. Desde suas tentativas frustradas de recuperar o diário cadeado de sua mãe até os avanços indesejados do autoproclamado garanhão Wild Bill (Derek Laurendeau). Ela está começando a ficar cada vez mais instável. Não ajuda quando dois policiais aparecem investigando um caso.


Ainda há muito humor irônico e ácido no roteiro. O estilo visual é algo, que desde o início remete ao mítico giallo italiano, em especial pelo esquema de cores e mais explicitamente ao clássico Suspiria(1977).

Cenas homoeróticas são filmadas com sutileza e humor ocasional, sem medo de se entregar a uma cota justa de nudez masculina frontal completa. É uma inversão interessante da nudez feminina que povoou tantos filmes de exploração das décadas de 1970 e 1980.


Supostamente feito com um orçamento de $5.000, o projeto é ambicioso e hipnótico. Isso sem deixar de ser econômico e íntimo. Também é profundamente cinematográfico, respeitando as tradições das antigas incursões do medo. 



segunda-feira, 15 de maio de 2023

Despertar Selvagem(Salvaje Despertar, Espanha, 2016)

O filme, de  Joan Fermí Martí, é uma deliciosa mistura de kitsch e homoerotismo. Mesclando melodrama com linguagem de novela, conta a história de Toni (Fabián Castro), que junto com sua irmã Emma (Júlia Hernández) dirigem uma escola de equitação; embora quando Toni não está próximo ele está com a maioria dos homens da área.

A história começa a se desenrolar na Delegacia local quando os irmãos, Toni e Emma, são interrogados pelo desaparecimento repentino de Aaron (Christian Blanch), objeto de sua afeição, que a Polícia suspeita ter sido assassinado. Também com eles está o pai de Aaron, Ramon (Richie Ormon), seu capataz, que sempre dificultou seu filho, por ser extremamente homofóbico.


Em seguida, o filme volta aos meses anteriores a este momento. Emma estava se jogando para Aaron, que como o tipo forte e silencioso era difícil de entender, e quando ela consegue algo, ele a rejeita e ela sai correndo em lágrimas. Enquanto isso, Toni, vê o bem-dotado Aaron nu no chuveiro, e certamente cede a seus encantos.


Ramon, que tem um grande segredo que esconde de todos, encoraja Aaron a perseguir Emma; Seu filho ignorou as instruções, enfurecendo seu pai e angustiando Emma, ​​​​mas dando a Toni uma noite que ele nunca esqueceria.


E embora o baixo orçamento às vezes apareça, a beleza externa da locação do rancho enche os olhos. Há uma reviravolta na história exatamente quando você pensa que ela se tornou totalmente previsível, e o fato de o diretor estreante, Joan Fermí Martí, lançar algumas cenas com os belos amigos cavalgando mantém o imaginário fixado na tela.

O estreante Christian Blanch causa seu próprio impacto em seu primeiro papel no cinema, mas, já era conhecido na Espanha, pois foi um participante popular em um programa de namoro na TV. A única parte desse drama envolvente e que não funciona é o fato de que parte da história é contada pelos olhos de uma drag queen amiga dos irmãos, o que torna tudo um tanto surreal.





sexta-feira, 12 de maio de 2023

You Can Live Forever(Canadá, 2022)

Após a morte de seu pai, Jaime (Anwen O'Driscoll) vai morar com sua tia, Beth (Liane Balaban), e seu tio, Jean-Francois (Antoine Yared), que são Testemunhas de Jeová e vivem em uma comunidade religiosa. Ela conhece Marike (June Laporte), a filha do ancião e a amizade delas se transforma em um romance proibido.


Os diretores Sarah Watts e Mark Slutsky fazem um trabalho eficaz de não transformar ninguém da comunidade em vilão, embora Jaime e Marike tenham que esconder seu relacionamento dos outros e suprimir suas emoções. Elas claramente vivem em um ambiente tóxico onde não podem ser verdadeiramente felizes juntas.

A história se passa nos anos 90, antes dos dias da internet e quando pessoas LGBTQIA+ eram ainda menos aceitas, isso foi na época de "Don't Ask, Don't Tell". É fácil ver para onde o enredo de You Can Live Forever está indo, porque o relacionamento de Jaime e Marike está condenado, a menos que elas possam escapar da comunidade de alguma forma.

Anwen O'Driscoll e June Laporte apresentam performances convincentes e comoventes que fornecem ressonância emocional. Elas têm uma química palpável juntas. You Can Live Forever é uma história de amadurecimento levemente envolvente.


Histórias sobre os obstáculos que alguns tipos de crenças religiosas podem criar na vida das pessoas LGBTQIA+ são frequentemente retratados. As lutas têm uma dimensão interna, a fé não é algo que se abandone casualmente, e o amor romântico nem sempre surge como o mais importante. Com ecos de Desobediência(2017), de Sebastián Lelio, este pequeno e pensativo indie explora um romance no qual duas garotas devem lidar com seus dilemas internos.


Um delicado equilíbrio é alcançado entre contar a história das meninas, explorar o papel que a religião e a cultura de Marike desempenham em sua vida e criticar aspectos da maneira como se espera que ela viva. A maior parte da crítica vem no final, mas, mesmo assim, é entregue com rara sutileza e graça.


quinta-feira, 11 de maio de 2023

Pare com Suas Mentiras(Arrête avec tes mensonges, França, 2022)

Adaptado de um romance autobiográfico, de Philippe Besson, publicado em 2017,o filme questiona a memória e a necessidade de olhar para o passado, tanto quanto a parte de realidade que um autor poderá colocar em seus escritos. 


O drama, de Olivier Peyon, segue um autor de meia-idade voltando para sua cidade natal e conhecendo o filho de seu amor há muito perdido, enquanto ambos tentam desvendar os mistérios de um homem que os manteve distantes.


O autor é Stéphane (Guillaume de Tonquédec), um homem que viveu uma vida plena, mas nunca conseguiu superar totalmente seu primeiro caso de amor, nomeando personagens persistentemente em homenagem a Thomas (Julien De Saint Jean), embora nunca mais o tenha visto desde que ambos tinham 17 anos. 


Sem hesitar em mostrar algumas cenas de sexo bastante frontais e cruas é uma história que se desenrola aos poucos, esclarecendo o comportamento atual do personagem, incluindo o confronto com os lugares e com o filho do amigo que tenta entender quem foi seu pai
Ele viaja para casa depois de ser convidado para falar em uma destilaria de lá, é degustar um novo conhaque, o tipo de evento com o qual os escritores pontuam suas agendas porque, apesar dos mitos, é difícil ganhar a vida com livros.


Sua chegada um tanto desconfortável se transforma em algo mais doloroso quando ele descobre que Thomas morreu e, embora a princípio fique feliz em conhecer seu filho, Lucas (Victor Belmondo), ele aos poucos começa a desconfiar dos motivos do jovem estar ali.

Enquanto observamos suas interações se desenrolarem nos dias atuais, voltamos ao passado para ver diretamente algo desse caso de amor crucial. A narrativa bifurcada é tratada com arte, as duas histórias fluem juntas, apesar das diferenças distintas de tom.

Enquanto Stéphane mais velho se esforça para abordar a vida com um ar de sofisticação calma, seu eu adolescente (Jérémy Gillet) é tímido e inseguro de si mesmo, oprimido por ser escolhido por um garoto popular. A princípio é uma atenção puramente sexual, mas logo algo mais se desenvolve entre eles, e é aí que as coisas se complicam.


Thomas não quer que ninguém saibam tomando cuidado para evitar que sejam vistos falando em público. Ele também se sente atraído por garotas, tem namorada e está desesperadamente preocupado em se passar por hétero. Embora Stéphane encare tudo isso com calma e faça o possível para que as coisas funcionem, isso coloca os dois em caminhos de vida muito diferentes. 


O diretor de fotografia, Martin Rit, os infunde com o rico brilho dourado do próprio conhaque. Em outros lugares, o filme é cheio de beleza natural. As águas manchadas do lago onde Stéphane e Thomas fugiram são sedutoramente azuis. O design de produção, de Clémence Ney, nos faz mergulhar no caráter da pequena cidade e seus arredores.


quarta-feira, 10 de maio de 2023

The Blue Caftan(Le Bleu du caftan, Marrocos, 2022)

The Blue Caftan é o drama lindamente poético, da diretora Maryam Touzani  sobre a relação entre um alfaiate marroquino enrustido, Halim, (Saleh Bakri), sua esposa doente Mina (Lubna Azabal) e seu aprendiz gay, Youssef (Ayoub Missioui).


Touzani leva seu tempo para nos apresentar seus personagens e o ritmo lento de vida que eles levam na Medina, de Sale, Marrocos. Halim é um alfaiate experiente, ensinado por seu pai, e se especializou na produção de lindos caftans feitos à mão. O processo de produção é lento e intrincado, mas os negócios vão bem e Halim tem mais pedidos do que consegue atender.

Seu último aprendiz, Youssef, está ansioso para lidar com o ofício, e os dois homens desenvolvem um vínculo estreito durante as longas horas de trabalho juntos. Mina percebe isso e faz de tudo para sabotar o relacionamento. No entanto, ela está muito doente e não tem energia para continuar.

Halim está dividido entre seus instintos e seu profundo amor por Mina, com quem está há 25 anos. Ele frequentemente busca consolo e alívio no Hamman's, de Sale para banhos de vapor, massagens e sexo com outros homens. Acompanhamos os três personagens conforme seus relacionamentos evoluem durante a progressão da doença de Mina.




Gloriosamente filmado e iluminado, pela diretora de fotografia Virginie Surdej, com atuações excelentes e muito ternas dos três atores principais, o filme íntimo e autêntico é ritmado para refletir a queima lenta das vidas e relacionamentos que ela está explorando.


A homossexualidade infelizmente permanece ilegal no Marrocos, com punições para atividades do mesmo sexo de até 5 anos de trabalhos forçados na prisão e multas. Isso apesar da tentativa do país de retratar uma imagem moderna.


 Há muitas cenas em que Touzani e a diretora de fotografia Virginie Surdej deixam a câmera demorar para que o público veja essa arte que está desaparecendo lentamente por causa da modernização. Essas cenas não são apenas para mostrar o quanto a diretora se preocupa com a arte, mas também para apresentar um ângulo agudo da beleza do processo de confecção e design de roupas feitas à mão.


The Blue Caftan é belo e contido, não se detendo na habitual disposição explícita e inflada dos filmes de arte que lidam com esses temas e têm narrativas semelhantes. Touzani entrelaça desejos reprimidos com a perda de respeito pelas tradições, como cenas de clientes mencionando que não conseguem identificar a diferença entre caftans feitos à mão e feitos à máquina com aqueles que simbolizam camadas à jornada de expressão e aceitação de Halim. O novo casal se torna um trio, seu amor se expande além das fronteiras de gênero, sem as habituais cenas sexuais gráficas.

 


terça-feira, 9 de maio de 2023

Ozon: Remastered & Uncut(França, 2022)

 Antes de se tornar um dos principais expoentes do atual cinema francês, o realizador François Ozon, conhecido por suas explorações inabaláveis e sem remorso da sexualidade humana fez uma série de curtas que foram remasterizados e reunidos em uma coletânea 'Ozon: Remastered & Uncut'.

A coleção abre com o provavelmente mais famoso de todos, Um Vestido Verão, de 1996, uma história que se concentra em Luc (Frédéric Mangenot), que está em um relacionamento com seu namorado mais pintoso, Sébastien (Sébastien Charles). Irritado com o boy dublando Dalida, Luc sai de casa em busca de sossego e acaba flertando e transando com Lúcia (Lucia Sanchez), uma mulher que conhece na praia. Essa interação muda algo em Luc e quando ele volta para casa, usando o vestido de Lúcia, seu recém-despertado apetite sexual é liberado.  A história de Ozon  foca na fluidez da sexualidade humana e como ultrapassar seus próprios limites pode trazer resultados surpreendentes.


X2000, de 1998, é um caso muito mais surreal e perturbador que retrata um homem nu (Bruno Slagmulder) acordando na manhã seguinte à véspera, no dia de ano novo de 2000, o personagem masculino central deixa uma mulher muito mais velha em sua cama para descobrir baladeiros neste apartamento vazio, que aos nossos olhos têm o olhar da morte sobre eles. Quando uma infestação de formigas é descoberta, a história muda de rumo.




O terceiro curta, Truth or Dare', de 1994,  é rápido e direto. Quatro adolescentes sentam-se em círculo para jogar um jogo de verdade ou desafio, que se torna cada vez mais sexual e inapropriado. O que começa inocentemente termina com os quatro tendo que enfrentar a puberdade e a maioridade. 


See the Sea, de 1997, é um thriller de construção lenta sobre Sasha (Sasha Hails), uma jovem que mora com seu bebê enquanto o marido trabalha fora. Ela acolhe a errante Tatiana (Marina de Van) e as duas começam a construir um relacionamento incomum com uma tendência sexual ameaçadora. 


O último curta da coleção é  La Petite Mort, de 1995. O fotógrafo Paul (François Delaive) vive com o namorado Martial (Martial Jacques), seu objetivo é capturar o clímax masculino, mas descobre, através da irmã, que o pai está à beira da morte. Essa revelação desperta sentimentos complicados em Paul e o força a lidar com o relacionamento rompido que tem com seu pai. 


Ozon: Remastered & Uncut é um processo rico em restauração, e que traz curtas mais descompromissados, onde o diretor já trabalhava temas recorrentes em sua carreira, e que foram melhor explorados nos anos seguintes como desejo, fantasia, sexualidade e morte.