segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Salão de Baile (Brasil, 2024)



Salão de Baile, de Juru e Vitã, oferece um olhar da favela para a cultura ballroom. Originária das comunidades periféricas de Nova York, essa manifestação artística ganhou o mundo, mas demorou para que tal visibilidade chegasse, mesmo com um hino POP que a exaltava.

Em 1990 Jennie Livingston, lançou Paris is Burning, filme que deu o pontapé inicial ao movimento new queer cinema, mas que permaneceu por muito tempo como um cult. Quando redescoberto, o ballroom e as casas de acolhimento ficaram em evidência, servindo de referência para DragRace, sendo lindamente ilustrado na série Pose, ou em realitys que colocavam a cultura em competição.

Os coletivos do movimento recebem principalmente pessoas trans e negras, jogadas às margens e nesse contexto, trazido para a realidade brasileira, sobretudo a carioca, é que Salão de Baile se desenrola, com muito close, quicação de bunda, bateção de cabelo e funk.

Mesmo que o filme exalte ícones da cultura ballroom, como Crystal LaBeija, uma figura fundamental para o movimento, imortalizada no documentário The Queen(1968), ele é sobre vivências locais, em um país transfóbico e que coage pessoas LGBTQIA+, especialmente em ambientes mais vulneráveis.



Sendo assim, Salão de Baile encontra conforto nas festas, onde as categorias, adaptadas para o cenário  fluminense, como a Batekoo por exemplo, são maravilhosamente representadas. São nesses momentos, que a fotografia, de Suelen Menezes e Paula Monte, iluminam a cena e tornam os corpos do Salão de Baile cintilantes como devem ser.

A partir das experiências queer, dança, música e performance se transformam num mosaico de corpos em movimento, vozes sendo ouvidas e o pertencimento acontecendo. O Voguing, movimento da pista ballroom, e um dos principais passos, imortalizado na música de Madonna, é claro que ganha os holofotes, mas não sem dar uma cutucada pela apropriação feita pela Rainha do POP.

Tanto Juru como Vitã fazem parte do movimento ballroom do Rio de Janeiro, assim como a maioria da equipe do longa. “Mais do que um filme sobre a cena ballroom, nós fizemos um filme em conjunto com a comunidade ballroom. Queremos proporcionar ao espectador uma experiência de imersão no universo, com o nosso olhar ‘de dentro’”, explica Vitã.


As mães e as Houses cariocas ganham um novo espectro,  uma nova identidade, novos horizontes e vocabulário, porém a essência permanece aquela do documentário realizado no final da década de 1980. A cena é retratada com o glamour decadente de um refúgio, para pessoas, que ainda hoje são marginalizadas, por questões sociais, por uma sociedade hipócrita que as oprime.



COLETIVOS QUE PARTICIPAM DO FILME

House of Alafia, House of Blyndex, House of Bushidö, House of Cabal, The Royal Pioneer Kiki House of Cazul, Casa de Cosmos, Casa de Dandara, Casa dy Fokatruá, House of Império, Casa de Laffond, House of Mamba Negra, House of Raabe, e 007 (são chamadas de 007 as pessoas que não fazem parte de nenhuma casa).

sábado, 28 de setembro de 2024

O Senador (Brasil, 2024)

Renan (Johnny Alcántara) é sexy. jovem, bonito e envolvido em um caso secreto com Arthur (Sergio Harger) um influente senador de direita enrustido. Quando ele se apaixona por Victor(João Cury), um jornalista determinado a expor a vida hipócrita do senador, tudo muda.

Com essa premissa, o diretor Mauro Carvalho, conhecido por ter codirigido “Primos”, com Thiago Cazado, tenta como seu colaborador em seu último longa  A Floresta dos Sussurros, explorar um lado sombrio de Brasília, no caso a hipocrisia do governo.

Mas o que poderia ser uma crítica social bem fundamentada, ou um thriller político, faz isso com superficialidade. Os personagens acabam se tornando caricaturas de um sistema extremamente falho, desleal e ardiloso.

A trama é narrada quando Victor está sendo interrogado por policias sobre uma situação que mais tarde iremos saber. Mas que claro, envolve o Senador e seu caso com Renan, a partir daí temos flashbacks dos acontecimentos que definem o roteiro.

Graças a um segmento de TV, o senador é mostrado como um hipócrita e homofóbico de direita. Isso leva Victor a pedir a sua editora, Teodora (Juliana Zancanro), que o deixe escrever uma denúncia sobre o político corrupto. Teodora concorda quando Victor explica que tem um contato em primeira mão das atividades extraconjugais do senador.


O longa é belamente filmado por Mauro Carvalho, com cenas que ilustram Brasília, mas o elenco deixa a desejar, pelo menos no quesito atuação, já que os corpos à mostra, em cenas quentes, são bem iluminados e coreografados, uma característica da maioria dos filmes da TLA.

O Senador é um filme até bem intencionado, mas Carvalho não consegue construir o thriller que se propõe e no final não tem muito a nos dizer. Uma oportunidade perdida de criticar a nossa política, cutucar nas feridas, mas não varrer a sujeira para baixo do tapete.




sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Will & Harper (EUA, 2024)

Will Ferrell descobre que um de seus amigos e colaboradores mais próximos, realizou a transição e se assumiu como mulher trans. Inseguros sobre as regras básicas no próximo estágio de seu relacionamento, os dois dirigem de Nova York a Los Angeles juntos e se reconectam.

Dirigido com humor e coração, por Josh Greenbaum, o filme segue as brincadeiras divertidas e as conversas profundas de Ferrell e Steele, com paradas para se reunir com ex -integrantes do SNL e fazer novos amigos (ou não) em bares ao longo do caminho.

O documentário captura tanto a familiaridade reconfortante quanto às revelações que surgem quando duas pessoas que se conhecem há décadas exploram juntas um território desconhecido. Parte comédia de amigos, parte crônica de autodescoberta, Will & Harper é uma rara mistura de gargalhadas e momentos comoventes.


Ao viajar pelo coração de uma América dividida, Will & Harper revela razões para otimismo mesmo na escuridão. Os amigos descobrem que o ódio se esconde em todos os lugares, mas as pessoas comuns também abrem suas portas mais do que o esperado. 




Harper Steele fez sua transição mais tarde na vida, com ela tendo sessenta e um anos quando o filme começa. Ela escreveu muitas das comédias mais amadas de Ferrell e esquetes do SNL. Como Ferrell menciona na introdução, qualquer coisa que ele fez em sua carreira que fosse incomum, como o Eurovision, seu filme latino Casa de mi Padre ou a comédia da Lifetime A Deadly Adoption, foram escritos por Harper. 


Enquanto eles cruzam o meio da América no passeio, mantêm conversas fluidas cobrindo tudo - sua transição, namoro, passagem, moda, cirurgia e até tentativas de suicídio. Suas conversas capturam o que realmente significa ser um aliado que ouve ativamente. 


Will & Harper é provavelmente o filme mais importante que Ferrell fará. Ainda são raros os longas que mostram pessoas maduras em transição. E a obra capitaliza de forma inteligente a personalidade do comediante. Conhecido por sua faceta boba e imatura, neste longa ele construirá conexões, iniciará conversas, induzirá ataques de riso e até salvará vidas ao longo do caminho.


Embora o documentário na superfície seja uma comédia de amigos, Will & Harper abriga aspirações mais profundas como uma ferramenta para a educação pública. Ao transmitir um vislumbre não filtrado da vida de Harper Steele como uma mulher transgênero, o filme estimula uma discussão franca sobre o que isso realmente implica, ao mesmo tempo em que coloca  humanidade em uma comunidade muitas vezes marginalizada.



quinta-feira, 26 de setembro de 2024

La Reina de la Noche (México/França/EUA, 1994)

"La Reina de la Noche" conta a história da artista de cabaré Lucha Reyes (Patricia Reyes Spíndola). Seus problemas com o álcool e seu relacionamento com a mãe foram os dois pilares que marcaram sua vida. Com residência em Berlim, ela teve que retornar ao seu México natal devido às suas diferenças com o nazismo. O longa, de Arturo Ripstein, mostra a ascensão e queda de um dos nomes mais populares da canção mexicana.

Patricia Reyes Spíndola faz um trabalho magistral interpretando a popular estrela do palco, que alcançou fama internacional cantando rancheras e bebeu  todas até os 34 anos, mas a grande protagonista de 'La Reina de la Noche' é a encenação de Ripstein e a câmera do diretor de fotografia Bruno de Keyzer.


A história começa no final dos anos 30, quando Lucha já gozava de grande fama como compositora, atriz e gerava  escândalos públicos por causa de sua embriaguez e bissexualidade. Devido a um incidente com os nazistas em Berlim, ela é forçada a retornar ao México e tenta reconstruir sua carreira, mas o vício em álcool, sua decadência física e mudanças de humor beirando a esquizofrenia delineiam o fim de uma história trágica que Ripstein retrata com uma exibição audiovisual avassaladora.


Talvez por isso o filme seja anunciado como uma "biografia imaginária da vida sentimental" dessa mulher, sempre nos extremos da amargura e da busca pela felicidade. Estruturado como uma descida ao inferno, apenas alguns acompanharão Lucha para o bem ou para o mal: seu amante, sua amada, sua mãe vingativa, sua filha adotiva... e mais algumas testemunhas da inevitável destruição de sua existência.


Ripstein configura uma obra visualmente sombria, onde a protagonista é efetivamente rainha de uma noite contínua, um "anjo negro", uma perdedora nata em um mundo implacável, que só reconhece sua arte e seu desgosto, mas não sua humanidade. 


Na obra do diretor mexicano, os personagens estão à margem, os humilhados, os oprimidos, os derrotados, os desesperados, os ansiosos.  Em "La Reina de La Noche", indicado à Palma de Ouro, em Cannes 1994, Paz Alicia Garciadiego, a roteirista do filme, junto com Ripstein, narram a história de Reyes de tal forma que a tragédia acaba se tornando lógica, a única saída possível do estado das coisas.



quarta-feira, 25 de setembro de 2024

El Hoyo en la Cerca (México/Polônia, 2021)

O filme do diretor mexicano Joaquín del Paso é um retrato desconcertante das instituições privadas de educação religiosa nas escolas do país. Ora perturbadora, ora desorientadora, a obra do cineasta é um exemplo de que nem sempre boas intenções se traduzem em bons resultados.

Uma cerca de arame farpado marca os limites do acampamento frequentado por um grupo de jovens da alta sociedade mexicana. Ao se aproximar de um povo da classe trabalhadora com recursos limitados, a cerca surge como um símbolo de diferença de classe.


Assim, El Hoyo en la Cerca lida com poder / riqueza, dinâmica de gênero, classe e raça, tudo misturado com uma forte dose de religião. O filme é uma crítica contundente ao pior em ação na sociedade mexicana e, às vezes, parece uma alegoria sobre a própria Igreja Católica.

O longa é uma crítica silenciosamente perturbadora e poderosa de como os meninos são preparados pelos homens para se tornarem os mestres da sociedade, a próxima geração de monstros patriarcais que dominarão o mundo.


Dois adolescentes são provocados por passarem tempo juntos e chamados de gays: "Você sabia que ser gay vai contra as regras da escola?" É um campo de treinamento para muitas coisas; o fanatismo heteronormativo é uma delas.


A cinematografia, de Alfonso Herrera Salcedo, é um destaque e mergulha o público em uma aura implacavelmente misteriosa. O tom atmosférico é completado pela trilha sonora eletrônica assombrosa de Kyle Dixon e Michael Stein.


Enquanto o filme é focado na sociedade mexicana, e há referências como “O Senhor das Moscas”,  ele aborda com a mão pesada temas como masculinidade tóxica, a divisão de classes, heteronormatividade, misoginia e patriarcado. Joaquin del Paso expõe a característica de tantas sociedades ao redor do mundo em que a cultura dominante oprime as classes mais baixas, pessoas queer e trans, assim como mulheres. 



The Delta (EUA, 1996)

Na sua estreia em longas-metragens, Ira Sachs descasca camadas que os filmes fazem pouco. "The Delta" está mergulhado em uma sensação de privacidade. Os personagens parecem desprotegidos, como sujeitos observados por uma câmera escondida. Eles escapam de seu mundo de tédio sombrio através do sinistro e do proibido.

O filme se concentra em um garoto branco de 17 anos cuja heterossexualidade superficial é uma máscara para uma paixão inquieta por homens em um mundo de cruising, encontros gays e sexo em locadoras.

Depois que o descontraído Lincoln Bloom (Shayne Gray) conhece um pobre imigrante vietnamita, Minh (Thang Chan), filho de um soldado negro, em um cinema que dura a noite toda, eles fazem uma viagem divertida de barco pelo Mississipp. Mas a aventura da descoberta ensolarada e do romance apenas os prende em uma revelação cruel de como eles são incompatíveis.

Diferentes classes, diferentes etnias, diferentes em sua raiva do mundo. Seu amor é impossível, com momentos lúdicos, mas a impossibilidade de suas vidas têm consequências trágicas.


Lincoln anda com sua linda namorada e seus amigos de classe média, fumando maconha, bebendo, ocasionalmente sendo xingado pela mãe. É o mesmo de sempre para adolescentes típicos. Mas em sua atmosfera, o filme observa um lado diferente e secreto da vida, sob as lâmpadas apagadas da rua. 


"The Delta" tem a aparência granulada e o estilo narrativo semidocumental com atores não profissionais. Mas essa abordagem, com diálogos que parecem amplamente improvisados, confere à história uma certa autenticidade. E a lacuna cultural entre o mundo tranquilo da classe média de Lincoln e a existência urbana fragmentada de John (ele mora com outro imigrante vietnamita nas favelas de Memphis) tem ecos pungentes.



segunda-feira, 23 de setembro de 2024

As Outras (Las Demás, Chile, 2023)

Rafaela (Nicole Sazo) e Gabriela (Ana Luz Rodriguez) são amigas inseparáveis que compartilham um oásis colorido pela força da amizade. No entanto, a gravidez inesperada de Rafa ameaça estourar sua bolha perfeita. Em um país onde o aborto é ilegal, mas não impossível, juntas elas terão que enfrentar a hostilidade do sistema para realizar o procedimento sem prejudicar sua preciosa relação.

Em As Outras, Alexandra Hyland consegue representar de forma única uma circunstância complicada que muitas mulheres enfrentam em todo o mundo: estar grávida involuntariamente em um país onde o aborto é ilegal. O filme mostra de forma delicada e realista a experiência de Rafaela e Gabriela de ter que tomar uma decisão difícil e como elas enfrentam as consequências em um sistema hostil e hostil.


O melhor do longa é a química entre as duas protagonistas, suas interações que são apresentadas com uma proposta dinâmica e divertida. E com uma trilha sonora eminentemente feminina, esse mundo de cores, adesivos, roupas customizadas, piercings, festas queer, se transforma no universo onde as personagens se movem.


O filme também é uma ilustração comovente do poder das relações interpessoais inquebráveis para nos sustentar em tempos de adversidade, ressaltando a relevância da resiliência, e os valores da amizade, na vida.


Hyland usa notavelmente sua arte para aumentar a conscientização sobre a importância da igualdade de gênero e a necessidade de eliminar a discriminação em todas as suas formas. O filme, que é declaradamente feminista, toma a decisão consciente de escolher a comédia em vez do melodrama na forma de uma proposta audiovisual e protesto discursivo. 


Sing Sing (EUA, 2023)

Divine G. (Colman Domingo) está preso em Sing Sing por um crime que ele não cometeu. Enquanto trabalha para apelar seu caso, ele encontra um propósito atuando em um grupo de teatro com outros prisioneiros. Após sua recente apresentação de Sonho de uma noite de verão, eles recrutam Divine Eye (Clarence Maclin), que se junta com alguma relutância. Ele propõe uma mudança de tom para sua próxima apresentação, e eles começam a preparar a primeira comédia do grupo.

O filme, de Greg Kwedar, é um docudrama maravilhosamente encenado sobre um grupo de pessoas que encontram alegria, vulnerabilidade e desafios pessoais em serem atores de teatro. O longa é baseado nas experiências reais dos prisioneiros dentro da RTA (um programa de reabilitação através da arte), borrando a linha entre drama e documentário.  Durante todo o tempo, Kwedar mantém o respeito por seus protagonistas, priorizando sua humanidade acima do sensacionalismo. 


Sing Sing (que se passa em 2005) usa os nomes reais das pessoas reais que passaram por muitas das experiências retratadas no filme. Divine G é contido quando se trata da maioria das coisas, exceto por sua paixão pelas artes. Ele é o líder não oficial das peças em que ele e seus colegas da RTA atuam.


Mas o diretor da RTA, Brent Buell (Paul Raci), um trabalhador externo que não mora na prisão, escreveu uma peça original chamada "Breakin' the Mummy's Code". É uma história complicada sobre um príncipe egípcio tentando encontrar uma múmia. A história tem viagens no tempo e os membros do elenco retratando uma mistura de figuras históricas e personagens criados apenas para a peça. Hamlet é um dos papeis principais. Durante os ensaios todos lutam contra seus próprios obstáculos e inseguranças pessoais.


O diretor de fotografia Patrick Scola captura tudo com uma intimidade arrebatadora. De sequências de ensaio crescentes à solidão penetrante do confinamento, ele encontra graça em lugares desprovidos dela. O fato do próprio presídio ser usado em algumas cenas,  colabora para uma profunda veracidade.


O filme ilustra lindamente o poder da arte de reabilitar, de transformar, restaurando a fé na humanidade. É tanto sobre as qualidades redentoras da narrativa quanto um grande lembrete de que as pessoas na prisão são exatamente isso: pessoas. 



sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Close to You (EUA/Reino Unido, 2023)

Dirigido por Dominic Savage e escrito com Elliot Page, Close to You se passa em um período de 24 horas. Quando Sam (Page) acorda em seu apartamento, toma café da manhã e conversa com seu colega de quarto, descobrimos que ele não está em casa há algum tempo devido à reação de sua família à sua transição. Embora agora estejam aceitando, eles ainda estão claramente desconfortáveis.

Page interpreta Sam, um homem transgênero que mora em Toronto. Ele não volta para casa há quatro anos desde que fez a transição, mas Sam está prestes a ver sua família no aniversário de seu pai. Durante sua viagem de trem para sua cidade natal no Lago Ontário, Sam vê uma velha amiga, Katherine (Hillary Baack), seu primeiro amor que ele não vê desde o ensino médio. Isso traz de volta tantos sentimentos não resolvidos.


Durante o jantar de aniversário, microagressões e mal-entendidos transbordam. Sam entra em conflito com um cunhado preconceituoso enquanto defende suas escolhas. Uma cena poderosa irrompe enquanto anos de sentimentos se espalham. Sam se pergunta se algum dia se sentirá verdadeiramente aceito por pessoas que não fizeram um esforço para entender sua experiência.


Longe do drama familiar, a crescente proximidade de Sam com Katherine oferece uma história mais suave. Mas ainda restam dúvidas sobre onde sua conexão reacendida pode levar e se Sam pode encontrar um sentimento de pertencimento entre aqueles ligados ao seu passado. Por tudo isso, Elliot Page oferece uma performance crua e emocionalmente impactante neste drama íntimo de um filho pródigo voltando para casa.


Page mergulha completamente em Sam, expondo um espectro completo de emoções. De cenas nervosas de tomar café a confrontos poderosos e furiosos, sua atuação sempre parece crua e enraizada em uma verdade além do roteiro. Sam experimenta calor e empatia ao lado da hostilidade, confrontando conversas complicadas com a família. 


As reuniões familiares tendem ao caos com mais frequência do que à calma. Em nenhum lugar isso é mais verdadeiro do que o retorno de Sam para casa em Close to You. Sua festa de boas-vindas começa de forma agradável, mas as tensões permanecem sob sorrisos constrangidos.



quinta-feira, 19 de setembro de 2024

A Substância (The Substance, Reino Unido, 2024)


 A Substância
é o segundo longa da diretora Coralie Fargeat, que estreou em 2017 com Revenge. O tema central da vingança permanece, mas o tom se torna louco, um horror colorido sustentado pelas incríveis atuações de Demi Moore e Margaret Qualley que lutam uma contra a outra sem realmente se confrontarem.

A atriz envelhecida Elisabeth Sparkle(Moore) perde o emprego como estrela de um programa de fitness. Quando sua sucessora é procurada, Elisabeth pega a "substância" titular: ela literalmente se divide ao meio, da qual cresce a jovem Sue (Margaret Qualley), que se torna a nova estrela do show. 


O filme coloca o foco no etarismo da indústria, como O Crepúsculo dos Deuses (1950) ou então vaga por um O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde. Elizabeth não tem mais a aprovação de seu apoiador de televisão, um caricato e repulsivo Dennis Quaid, cuja boca é mostrada em detalhes como um ânus.


Mas o uso da substância é temporário e deve ser estabilizado e recuperado a cada 7 dias para ser usado novamente. Os efeitos físicos machucam, incomodam, são desagradáveis; Mas não é gratuito. Eles transmitem o terror da imperfeição, o exame contínuo, o medo de não atender aos padrões. 

Sue ajuda Elisabeth a se recuperar e explica as regras: suas mentes agora são compartilhadas entre duas formas. Cada um deve se revezar vivendo uma semana de cada vez, com o outro em hibernação, para manter um equilíbrio crucial. No início, Sue se ajusta silenciosamente, mas logo faz um teste para Harvey e ganha seu próprio papel de destaque.

Enquanto Sue se deleita com a fama recém-descoberta, dirigindo um novo show ousado, os termos de seu acordo começam a se desfazer com consequências imprevistas. Fargeat usa metáforas de ficção científica e body horror para espetar a obsessão de Hollywood com a juventude absoluta e as pressões tóxicas, e o sexismo sistêmico, que isso coloca sobre as mulheres.


Em seu último ato, o filme enfurece em um banho de sangue e vísceras. A Substância torna-se uma obra cada vez mais grotesca que escapa às explicações lógicas. A diretora também não conhece misericórdia quando se trata de humor, que se torna satírico e direto, os personagens reduzidos a caricaturas - especialmente Harvey(esse nome lhe diz algo?).


A Substância é um evento. A mistura de uma fotografia elegante com o nojo descarado e acusação mordaz contra um show business que reduz as pessoas a uma mercadoria pura. Em termos de atuação, a sátira de terror também é um triunfo, o que deve ajudar Demi Moore, totalmente entregue, a voltar aos holofotes.


Los Amantes Astronautas (Argentina/Espanha, 2024)

Marco Berger conseguiu desenvolver um universo cinematográfico próprio. Assim, Los Amantes astronautas se coloca em um diálogo explícito com seu primeiro longa-metragem Plan B (2009) ao retomar o mesmo enredo e suas engrenagens ao mesmo tempo em que situa seus personagens principais em um novo espaço ligado a uma nova sociedade argentina 15 anos depois.

Como herdeiro de Éric Rohmer na sedução das palavras solidificadas dos dois protagonistas , Marco Berger oferece no coração de seu filme diálogos maravilhosos que energizam tanto a encenação quanto os corpos que os encarnam.


Durante um verão à beira-mar, em um local costeiro da Argentina, dois homens de quase trinta anos se reencontram anos depois de se conhecerem ainda crianças. Eles passarão as férias juntos com um grupo de amigos em comum na casa do primo de um dos dois. Seus nomes são Pedro (Javier Orán) e Maxi (Lautaro Bettoni), o primeiro abertamente gay, voltando da Espanha, o segundo heterossexual e solteiro desde que saiu e um relacionamento.


 Marco Berger usa com calma o tempo para desenvolver e nutrir o amor no qual apenas uma história entre dois indivíduos pode nascer e se estabelecer permanentemente fora da atração sexual. Porque a expressão dos desejos sexuais é muito explícita desde o começo.

Além disso, como em todos os filmes de Berger, o protagonista também é o corpo, seus movimentos, closes generosos, a tensão erótica, mesmo que comparado aos longas anteriores mostre muito pouco, para deixar mais espaço para palavras que evocam e conduzem o espectador na fronteira muito tênue entre a descoberta do desejo e o medo de se envolver nele.



quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Kenya (México, 2023)

Kenya é um documentário que retrata a jornada angustiante de Kenya Cuevas, uma trabalhadora do sexo trans, na Cidade do México, enquanto ela busca justiça e segurança depois de testemunhar o assassinato de sua amiga Paola por um cliente.

O filme começa logo após esse trágico evento, ocorrido em 2016, capturando a resposta imediata de Kenya e suas interações com a família de Paola, que tem dificuldade em aceitar a vítima como ela era em vida: uma mulher trans vibrante e extravagante.

À medida que Kenya aborda os entes queridos de Paola com um nível de respeito, o filme investiga as questões mais amplas da violência contra mulheres trans e profissionais do sexo na Cidade do México. A libertação do assassino de Paola da custódia acende a busca determinada de Kenya por justiça, apoiada por seu grupo unido de "irmãs" que estão ao seu lado durante a longa batalha legal.

Kenya é uma exploração crua da violência e dos conflitos que a comunidade trans enfrenta. O documentário foi aclamado pela crítica, ganhando o Prêmio de Melhor Filme e Público no Festival de Cinema Queer Porto em Portugal, Melhor Longa-Metragem Internacional no Festival Internacional de Cinema AMOR LGBT+ no Chile e o Prêmio do Júri de Melhor Documentário no Festival Internacional de Cinema Cine Las Americas nos EUA.

A diretora Gisela Delgadillo faz um registro dessa luta, que conseguiu chamar a atenção de todas as esferas de governo para buscar justiça, visibilidade e formas de apoio à comunidade trans na Cidade do México. Embora o documentário tenha a denúncia em seu centro, ele também dá conta das formas de convivência dessa comunidade.

Kenya é um exercício de dignidade e reconhecimento, não sem momentos de humor e muita emoção.O documentário também explora os direitos humanos, justiça social e ativismo LGBTQ+, oferecendo uma perspectiva comovente sobre as lutas e resiliência das comunidades marginalizadas. Diante da câmera de Gisela Delgadillo, surge gradualmente uma forte consciência política, na qual o envolvimento de Kenya é o testemunho pungente de um tema local, mas ainda muito universal.






terça-feira, 17 de setembro de 2024

Soft (Canadá, 2022)


 Soft, dirigido por Joseph Amenta, é um filme de extremos. Extrema alegria queer, enquanto Julian (Matteus Lunot), Otis (Harlow Joy) e Tony (Zion Matheson) vivem suas vidas, livres para serem adolescentes que ultrapassam os limites do olhar ou do controle de seus pais. É também um filme de tristezas extremas, já que a maioria dos horrores é carregado por Julian.

Eles vagam pelas ruas de Toronto causando vandalismo e tentam entrar em um clube LGBTQ+ local. Julien usa seu cabelo tingido e grampos de plástico como um distintivo de libertação. Ele também tem um hematoma no olho que não está disposto a discutir.

Otis e Tony têm graus de suavidade esperando por eles em casa. Para Julian, porém, ele não pode ir para casa em segurança. Então ele busca suavidade na casa de Dawn (Miyoko Anderson), uma trabalhadora do sexo trans que trata Julian como seu próprio filho.

O êxtase de estar um com o outro e ser capaz de se vestir, falar e agir como quiserem sem preocupação é o ponto mais alto ao retratar a infância/adolescência queer.


Dawn está lutando para pagar o aluguel, e isso coloca Julian em uma posição onde nenhuma criança deveria estar, com preocupações sobre ganhar dinheiro para os dois, estar disposto a fugir de casa para sempre, fazer trabalho sexual e ser o "homem da casa", apesar do óbvio desapego numa binariedade de gênero.


Dawn  fala com Julien sobre um dia poder sair da cidade e fazer uma fogueira, uma maneira de se conectar com a natureza e a beleza que não foi oferecida a nenhum deles. Uma noite, ela não volta para casa , e Julien, que já vive em um mundo adulto demais para ele (ser sem-teto), o coloca em modo de crise.


Amenta cria um mundo vertiginoso para os jovens, carregado de ameaças externas. O diretor reconhece que sua bolha de amizade é um espaço seguro, apesar do inevitável colapso que ocorre quando Julien envolve Tony e Otis em sua busca desesperada por Dawn.


Soft pode não ter resolução narrativa, mas não precisa. Há ecos de Sean Baker e Larry Clark, mas o mundo de Amenta é dele. É inegavelmente um trabalho bem dirigido e a cinematografia de Liam Higgins encapsula a natureza frenética do roteiro.. Há momentos de realidade intensificada, mas o filme também tem as marcas do cinema verité.



segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Booger (EUA, 2023)

Booger segue Anna (Grace Glowicki) e os perigos que ela enfrenta após a perda de sua melhor amiga Izzy (Sofia Dobrushin). Pouco depois da morte prematura de Izzy, Anna perde o gato que compartilhavam em seu apartamento em Nova York. Mas antes de desaparecer Booger, morde a mão de Anna. Nos próximos dias, ela começa a sentir sinais de que pode estar se transformando em um felino.

A roteirista e diretora Mary Dauterman cria um filme atraente e inspirador para sua estreia na direção. No entanto, é em suas cenas surreais que Booger é mais forte. A diretora encontra visuais bastante engenhosos para representar o estado de espírito da protagonista por meio de cenários e iluminação inusitados.


As transformações no corpo de Anna são na verdade uma simbologia para o luto. Mas como historiadores e pesquisadores do cinema queer afirmam, filmes sobre transformação carregam um forte subtexto. Nesse caso a rejeição e o trauma, efeitos psicológicos e físicos, de uma mudança do corpo, podem servir como leitura.


Booger é provavelmente um filme que será celebrado pelos momentos de body horror, como Anna cuspindo bolas de pelo em banheiros ou devorando uma lata de comida de gato. No entanto, o filme é, em última análise, sobre a relutância de Anna em ceder à dor pela morte de sua amiga, usando seu gato desaparecido como uma distração. Ainda há uma participação muito estranha de Heather Matarazzo (Bem-vindo à Casa de Bonecas).


Intercalando o colapso silencioso de Anna com imagens de tempos mais felizes do smartphone de Izzy, Booger dramatiza a perda como uma odisseia estranha e cambaleante pavimentada com culpa, ilusão e escapismo animalesco. Igualmente engraçado e triste, ele mapeia os estágios do luto como uma descida difusa e peluda.