O filme mantém a essência da trama de Shakespeare, onde Prospero (Heathcote Williams), o Duque de Milão, é exilado em uma ilha com sua filha Miranda, e utiliza magia para orquestrar uma vingança contra seus inimigos. No entanto, Jarman infunde a história com camadas de simbolismo e crítica social, explorando temas de poder, traição, e a natureza humana.
Personagens como Ariel, interpretado por Karl Johnson, e Caliban, por Jack Birkett, são apresentados de maneiras que desafiam as normas heteronormativas. Ariel, em particular, é retratado com uma aura andrógina, refletindo uma fluidez de gênero que era rara na representação cinematográfica da época.
O filme impressiona por sua estética, que combina elementos punk e barrocos, criando uma atmosfera distintamente jarmaniana. A ilha não é apenas um cenário; ela é um personagem em si, evocando um mundo onde a natureza e o sobrenatural se entrelaçam. A fotografia, de Peter Middleton, é deliberadamente teatral, com cenas que parecem mais quadros de um pintor do que capturas de câmera.
Jarman utiliza "A Tempestade" para comentar sobre a sociedade contemporânea, especialmente a Inglaterra dos anos 70, com sua mistura de anarquia social e repressão política. A adaptação levanta questões sobre colonialismo, sexualidade, e a liberdade versus controle, temas que Jarman exploraria ao longo de sua carreira. A relação entre Caliban e Prospero pode ser vista como uma metáfora para a opressão e a resistência, enriquecendo a narrativa com uma leitura pós-colonial.
A trilha sonora, muitas vezes minimalista ou ausente, permite que a poesia do texto de Shakespeare ecoe, enquanto os efeitos especiais são usados de maneira a enfatizar o sentido mágico e surreal da peça.O filme é marcado como uma experiência cinematográfica que transcende a simples adaptação, buscando uma conexão direta entre o espectador e a humanidade da obra.
A cena com a música "Stormy Weather" é um momento emblemático que captura a essência do filme tanto em termos visuais quanto emocionais. Interpretada por Elizabeth Welch, essa canção blues de 1933 é usada de maneira brilhante para acompanhar uma sequência onde os personagens navegam pelas águas tumultuosas, literalmente e metaforicamente. A letra de "Stormy Weather", que fala sobre a tristeza e a solidão em dias de tempestade, ressoa com a jornada de Próspero e seus companheiros, refletindo a luta pela redenção e o desejo por paz após o caos.
É inegável que Jarman consegue capturar a essência da peça enquanto a reinterpreta através de sua lente única, fazendo do filme uma obra de arte tanto quanto um ato de crítica cultural. Lançado em um momento em que a visibilidade queer estava crescendo, mas ainda enfrentava significativa marginalização, "A Tempestade" se torna uma declaração política. O filme é uma resistência contra a homofobia, oferecendo uma visão alternativa onde a sexualidade não-binária e a diversidade de identidade são celebradas.
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