Por Bruno Weber As representações da Igreja Católica no cinema são tão variadas quanto as próprias definições de Cristianismo. Vão desde retratos emotivos e fervorosos da vida no sacerdócio até filmes de terror apelativos. Mas um ponto em comum que essas narrativas geralmente apresentam é a presença de uma crise de fé. As dúvidas do personagem principal sobre o "mistério", sobre as tradições e convenções e, principalmente, sobre as contradições de um ambiente religioso podem ser tanto os catalisadores quanto as consequências da trama. Em Conclave, essa representação revela as práticas e rituais do mais alto escalão da Igreja em um de seus momentos mais intensos e decisivos: a escolha de um novo Papa. E o faz através de um suspense político no qual uma crise de fé está totalmente relacionada ao sentimento de decepção com a própria instituição da Igreja Católica.
No novo filme do diretor austríaco Edward Berger, a recente morte do Papa reúne todos os cardeais no Vaticano para a realização de um conclave, no qual eles ficarão totalmente isolados do mundo exterior para se reunirem na Capela Sistina e eleger qual deles se tornará o novo pontífice. O responsável pela realização do conclave é o Cardeal Lawrence, interpretado por Ralph Fiennes, que se sente cada vez mais frustrado pela tarefa. Além de ser amigo pessoal do Papa falecido, os dias de isolamento o obrigam a enfrentar a realidade de uma Igreja frágil e reacionária, assolada por corrupção, discórdia e incertezas. Esse conflito se revela durante as interações com alguns de seus irmãos. O Cardeal Bellini (Stanley Tucci), que também é amigo próximo de Lawrence, é um reformista que almeja uma Igreja mais humana, que inclua mais mulheres e pregue a tolerância e respeito, tanto para outras crenças quanto para pessoas LGBTQI.
Por outro lado, o Cardeal Tedesco (Sergio Castellitto) não esconde seus desejos de uma Igreja que rejeite as reformas e reforce seu papel conservador, oferecendo a perspectiva de uma nova Guerra Santa no atual cenário político mundial. Ao mesmo tempo, Lawrence começa a questionar as intenções do Papa falecido, principalmente devido às suas últimas interações com o Cardeal Tremblay (John Lithgow) e o Cardeal Benitez (Carlos Diehz), que podem estar guardando segredos significativos para os próximos rumos do catolicismo.
Berger dirige essa trama com a eficácia que ele demonstrou em projetos anteriores. Na verdade é possível traçar um paralelo interessante entre "Conclave" e seu filme anterior, "Nada de Novo no Front", com seus protagonistas tendo suas convicções desafiadas por um conflito iminente. Ao mesmo tempo, se o trabalho do diretor de fotografia James Friend naquele filme trazia uma paleta de cores nauseantes para caracterizar a queda do protagonista na loucura da guerra, em "Conclave", a fotografia de Stéphane Fontaine vai na direção contrária. São cores frias e monótonas, que retratam os quartos e corredores do Vaticano como um ambiente sem vida e pouco familiar. Um habitat perfeito para os cardeais, uma irmandade de homens falhos, perdidos no tempo enquanto tentam lidar com o passado e o futuro.
O que torna "Conclave" um thriller instigante, muito além de seu tema, é essa competência técnica que apoia grandes atuações de seu elenco, que ainda conta com Isabella Rosselini, interpretando a Irmã Agnes, que lidera as freiras que, silenciosamente, servem a todas as necessidades dos cardeais durante o isolamento. Um papel pequeno em falas e tempo de tela, mas marcante, justificando sua indicação ao Oscar. Esses aspectos seguram uma trama que vai se revelando cada vez mais irreal. Até mesmo utópica. Não apenas pela figura do Cardeal Bellini, quase um deputado do PSOL usando batina, um progressista dando murro em ponta de faca contra uma das instituições mais conservadoras inventadas pela raça humana.
Mas especialmente a conclusão do filme (e recomendo que quem não viu o filme evite spoilers daqui pra frente), na qual esse grupo de homens perturbados toma a decisão mais correta e elege o Cardeal Benitez como o novo Papa. Uma decisão que inadvertidamente se torna muito idealista e revolucionária. Não só pelo benevolente Benitez rejeitar a raiva ignorante e reacionária de Tedesco, mas por nos minutos finais do filme, se revelar para Lawrence como uma pessoa intersexo. "Alguns diriam que meus cromossomos me definiriam como mulher, e mesmo assim eu sou como você me vê", ele diz. Uma afirmação simples e verdadeira, e ainda assim, poderosíssima. Como eu disse, é utópico. Mas não a ponto de tornar essa conclusão artificial. Não há porque fazer cinema se não puder sonhar um pouco. Como cantou George Michael: "é preciso ter fé".
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