segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Era uma Vez Diversiones (Brasil, 2025)

Natural de Recife, Henrique Arruda, sócio e fundador da Filmes de Marte, é conhecido por seus trabalhos em curtas-metragens, onde cria mundos através de uma estética cintilante, colorida, brega e que dialoga muito com a cultura do seu estado por meio da arte Drag. E o diretor explica sua paixão que surgiu em RuPaul’s Drag Race, “Vivo de criar histórias e personagens, e acho que a arte drag é acima de tudo isso, criar personas, viver outras vidas, fortalecer discursos. Acho simplesmente fascinante tudo que envolve essa arte.” 

"Era Uma Vez Diversiones" é um curta-metragem dirigido por Henrique Arruda e Sharlenne Esse, que se inspira no grupo teatral revolucionário Vivencial Diversiones, ativo na cena teatral pernambucana na década de 1970. O filme narra a primeira noite de Sharlene na cia., destacando a luta contra a repressão da ditadura daquela época.

Na primeira cena, a drag queen Salário Mínimo, num número que lembra Bette Davis em O que terá acontecido a Baby Jane? (1962), e que adiciona muitas camadas de humor ao filme, por ser caricata, irreverente, desbocada e muito carismática, dá o tom, apresentando o Vivencial Diversiones, para a jovem Sharlenne (Aurora Jamelo), que terá uma noite que mudará a sua vida.

Baseado nas memórias da própria Sharlenne Esse, que é estrela de alguns dos melhores filmes de Henrique Arruda, o filme é codirigido pela musa, que relembra e reverencia o Vivencial Diversiones. O camarim é a sala de aula para a jovem, que logo terá como fadas madrinhas Pernalonga (Ariel Sobral) e Henrique Celibi, interpretade por outra drag queen colaboradora frequente de Arruda, Ruby Nox.



A mudança de tom do colorido e vibrante para o preto e branco, opressor dos tempos da ditadura,  na fotografia de Letícia Batista, para Henrique, que segundo ele vem de “tudo que brilha” ou da “nave da Xuxa”, foi uma decisão difícil: “Diversiones nasceu colorido, mas na montagem, testando um preset para uma das cenas, foi como se eu tivesse acendido uma luz, e tivesse encontrado a real estética da história que estávamos contando, Sharlene e Raquel amaram a ideia, e assim ficou. As cores pra mim são tão importantes quanto meu próprio roteiro, se complementam com a narrativa de forma quase inseparável. Trabalhar, pela primeira vez, com a falta delas, foi intenso, mas me pareceu certo pela primeira (e muito provavelmente última) vez na vida.”

Raquel Simpson, figura fundamental da cena pernambucana e icônica remanescente do Diversiones participa como ela mesma, e encanta com sua presença, seja em cenas com a companheira Luciana Lucielle (Leviathan) ou recriando números que fazia na época da trupe. A artista ganhou grande notoriedade após participar do Show de Calouros, do Silvio Santos.

E a censura? “Fábio Costa e Américo Barreto, dois remanescentes do Vivencial Diversiones, que não só toparam interpretar no filme os agentes da censura, vivendo o outro lado da história com muito bom humor, como também assinaram a Direção de Arte da obra, alinhando toda a visualidade do filme de forma ainda mais próxima da linguagem original do Vivencial. Eles seguem na ativa até hoje, inclusive, e são dois dos maiores carnavalescos de Pernambuco”, conta Henrique.

Tudo isso inegavelmente remete ao Chão de Estrelas” , da obra prima “Tatuagem”(2014)", de Hilton Lacerda, “Foi a primeira vez, acredito, que o cinema pernambucano homenageou o Vivencial Diversiones, através do olhar, sempre tão delicado, de Hilton, que é uma das minhas grandes referências no cinema. Em Tatuagem, ele resgata a essência do grupo olindense de teatro, dialoga diretamente com o que ele mesmo viveu e acompanhou, e o resultado foi aquela lindeza de filme.  Assim como Diversiones, Tatuagem também foi todo rodado em Olinda, muito próximo de onde existia originalmente a sede do grupo”, explica o diretor, que nem tudo foi mera coincidência.



E como em toda a filmografia do cineasta  a música é muito presente, e a dialoga diretamente com a trama. Aqui eram os tempos de Shirley Bassey, de Donna Summer e de Gal Costa, que recebe inclusive uma homenagem em um momento marcado por muita emoção.

Assim, Era Uma Vez Diversiones acessa a ancestralidade para se conectar com o presente, relembrando que não existe história sem passado. O filme celebra, cultua e apresenta figuras que foram fundamentais para que a cena queer pernambucana seja o que ela é hoje. “Meu cinema é distópico, é futurista, tenta projetar outros mundos, mas sempre de mãos dadas com quem, lá atrás, também criou outros mundos e caminhos, que seguem vivos até hoje”, finaliza Arruda.

Financiado pela Lei Paulo Gustavo, o filme tem estreia marcada no Recife, para a sexta-feira, 24 de janeiro, no Teatro Apolo, logo após o espetáculo Shá da Meia Noite, estrelado por Sharlene, e dirigido por Fábio Costa e Américo Barreto. Após isso inicia sua jornada por festivais mundo afora.


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