terça-feira, 22 de abril de 2025

Entre Nós, o Amor (Une Vie Rêvée, França, 2024)


"Entre Nós o Amor", segundo longa de Morgan Simon, é uma comédia dramática que mergulha na relação complexa e sufocante entre Nicole (Valeria Bruni Tedeschi), uma mãe desempregada e endividada, e seu filho Serge (Félix Lefebvre), na periferia parisiense. Inspirado na vida do diretor, o filme equilibra humor e tragédia ao retratar a luta de Nicole contra a precariedade e sua tentativa de manter um vínculo com o filho, que rejeita seu amor excessivo. A força do filme reside na atuação visceral de Bruni Tedeschi, que carrega a excentricidade e a vulnerabilidade de Nicole com uma intensidade que evoca Gena Rowlands, ainda que o roteiro nem sempre acompanhe sua potência.

A direção de Simon aposta em um ritmo lento e contemplativo. A fotografia de Sylvain Verdet, com tons escuros e closes apertados, reforça o clima claustrofóbico do apartamento, enquanto cenas no bar “L’Oasis du Pacha” trazem alívio visual e emocional.

O aspecto queer da obra surge de maneira sutil, mas impactante, na relação entre Nicole e Norah (Lubna Azabal), a carismática dona do bar local. O que começa como amizade evolui para uma conexão com nuances românticas, sugerida em olhares e gestos delicados, como a dança compartilhada que evoca uma intimidade não verbal, embalada por Dalida. Simon não rotula essa relação, permitindo que a fluidez do afeto entre as duas mulheres fale por si, em um raro momento de leveza.


As atuações são o pilar do filme. Bruni Tedeschi entrega uma performance multifacetada, navegando entre histrionismo e fragilidade com autenticidade que faz Nicole parecer viva. Félix Lefebvre, como Serge, captura a raiva e a culpa de um jovem preso à mãe, como nos filmes de Xavier Dolan, enquanto Lubna Azabal injeta calor em Norah, roubando cenas com sua presença magnética.

O roteiro, escrito por Simon, é tanto um trunfo quanto uma limitação. Ele oferece momentos de humor inesperado e diálogos que revelam a dor de uma mulher que “trabalhou a vida toda e não tem nada”. Porém, patina ao abordar questões sociais como racismo e desigualdade, caindo em clichês, como a redenção súbita de jovens da banlieue em uma conversa lacrimosa. Ainda assim, a sinceridade de Simon, que dedica o filme à própria mãe, dá ao projeto uma alma difícil de ignorar.

"Entre Nós o Amor" é um retrato agridoce de resiliência e laços familiares, elevado por atuações memoráveis e uma direção que, embora irregular, demonstra a evolução de Simon como cineasta. O filme brilha mais quando foca no íntimo — a luta de Nicole por sentido em meio ao caos — do que quando comenta a sociedade em geral. A conexão queer entre Nicole e Norah, ainda que subdesenvolvida, adiciona esperança e humanidade que ressoam. É um estudo sensível sobre amor, sacrifício e recomeço, mesmo quando a vida parece dizer o contrário.


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