Lilies Not for Me, estreia de Will Seefried como diretor de longas, é uma carta de amor agridoce ao passado queer, ambientada na Inglaterra dos anos 1920. O filme mergulha em um capítulo sombrio da história, quando a homossexualidade era tratada como doença a ser "curada" por práticas médicas bárbaras. Fionn O’Shea brilha como Owen, um romancista preso entre a expressão de sua identidade e a repressão imposta por uma sociedade asfixiante.
O coração do filme pulsa na relação entre Owen e Philip (Robert Aramayo), um médico atormentado que acredita poder "salvar" ambos de seus desejos. A química entre os dois é elétrica, mas carregada de tensão autodestrutiva, reminiscente de clássicos como Maurice ou até do peso emocional de Giovanni’s Room, de James Baldwin. Seefried acerta ao não romantizar demais essa paixão – ela é crua, imperfeita e, por vezes, sufocante. No entanto, a introdução de Charles (Louis Hofmann) como um terceiro elemento desestabiliza a trama. Embora traga um simbolismo interessante sobre liberdade e tentação, sua presença carece de desenvolvimento, deixando o triângulo amoroso mais como esboço do que como algo plenamente realizado.
A outra camada narrativa, centrada na amizade entre Owen e a enfermeira Dorothy (Erin Kellyman), é onde o filme encontra seu tom mais humano. Dorothy, inicialmente parte do sistema opressor, evolui de cúmplice a aliada, um arco que reflete as histórias reais de enfermeiras que desafiaram os horrores da terapia de conversão. Kellyman entrega uma atuação contida, mas poderosa, equilibrando a frieza institucional com uma empatia crescente.
Como estreia, o filme revela um diretor com visão clara e uma paixão evidente por narrativas queer históricas. Seefried não tem medo de confrontar o público com a brutalidade do passado – cenas de procedimentos médicos são sutilmente horrendas, mais sugeridas do que mostradas, o que amplifica seu impacto. Contudo, há uma sensação de que ele tenta abarcar demais: o romance, a crítica social, a celebração da arte como resistência.
Visualmente, Lilies Not for Me é poderoso. A fotografia de Cory Fraiman-Lott capta a dualidade da narrativa com maestria: os tons quentes e dourados dos flashbacks contrastam com a paleta fria e estéril do hospital, quase como se o filme respirasse em duas épocas distintas. A direção de arte e os figurinos reforçam essa sensação de pintura viva, evocando Maurice (1987), de James Ivory, mas com uma textura mais crua e menos envernizada.
No fim, Lilies Not for Me é um sussurro carregado de revolta e delicadeza, um lembrete de que o amor, mesmo esmagado pela repressão, teima em florescer. Não é impecável, mas seu peso emocional é inegável. Para quem respira cinema queer, há um gostinho nostálgico que remete aos tempos que esses filmes tinham um sabor de proibido, entrelaçado com uma urgência bem atual. Seefried estreia com um filme que cutuca e acolhe na mesma medida, plantando a semente de que seu próximo trabalho pode vir ainda mais afiado.
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