"Les Femmes au Balcon", segundo longa de Noémie Merlant como diretora, é uma explosão de cores, sangue e risadas que transforma o calor sufocante de Marselha numa metáfora pulsante da resistência feminina. A trama acompanha três amigas — Nicole (Sanda Codreanu), Ruby (Souheila Yacoub) e Élise (Merlant) — que, de um apartamento vibrante, observam a vida do bairro até que uma noite de flertes com o vizinho (Lucas Bravo) descamba para o caos gore. Merlant, que também estrela, mergulha na comédia de horror com uma energia almodovariana, evocando "Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos", com um toque de François Ozon.
O roteiro, escrito por Merlant em colaboração com Céline Sciamma, é o coração dessa farra feminista. Sciamma, conhecida por "Retrato de uma Jovem em Chamas", traz sua habilidade de tecer diálogos que cortam como navalha e silêncios que gritam. Aqui, ela equilibra o absurdo cômico com reflexões sobre violência sexual e patriarcado, sem nunca soar didática. A narrativa flerta com o fantástico, com elementos de horror que amplificam a catarse das personagens, como se cada gota de sangue fosse uma revanche contra séculos de opressão.
A sororidade entre Nicole, Ruby e Élise é o fio que costura o filme, e é impossível não ver ecos das narrativas de Sciamma sobre conexões entre mulheres. Ruby, uma camgirl de sexualidade desinibida, desafia o olhar masculino com um corpo que ela mesma controla. Élise, fugindo de um casamento tóxico, carrega a dor de um trauma que Merlant encena com um realismo devastador numa cena de violência conjugal que é, ao mesmo tempo, um soco e um grito de libertação. Nicole, a escritora tímida, encontra na amizade a coragem para se reinventar.
Os aspectos de diversidade sexual e de gênero são tecidos com sutileza, mas com força. Merlant e Sciamma não colocam suas personagens em caixinhas identitárias; em vez disso, criam um espaço onde a fluidez do desejo e da expressão é natural. Ruby, por exemplo, subverte a ideia de “objeto sexual” ao abraçar sua profissão com orgulho, enquanto Élise, com sua peruca hitchcokniana, desconstrói a feminilidade imposta, revelando camadas de vulnerabilidade e revolta. Há uma cena em que as três dançam, suadas e desajeitadas, ecoando "Garotas", de Sciamma, onde a identidade é um ato de criação, não de definição.
Visualmente, o filme é um banquete. A fotografia de Evgenia Alexandrova banha Marselha em tons de vermelho e laranja, como se a cidade estivesse em chamas, enquanto o design de produção abusa de objetos kitsch que reforçam o tom de farsa. A trilha de Uèle Lamore pulsa como um coração acelerado, misturando eletrônica e batidas que remetem a filmes de gênero asiáticos, uma influência confessa de Merlant.
"Les Femmes au Balcon" é, acima de tudo, um ato de coragem. Merlant, que já brilhou sob a direção de Sciamma, agora toma as rédeas com uma voz própria, mesmo que ainda em formação. O filme não é impecável — sua ambição de misturar gêneros às vezes tropeça na falta de coesão —, mas é impossível não se render à sua energia contagiante e à química entre as atrizes.
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