sexta-feira, 11 de abril de 2025

Nação Valente (Portugal/França/Angola, 2022)


Nação Valente, dirigido por Carlos Conceição, é uma obra que transcende as convenções do cinema português, mergulhando em um terreno onde afrofuturismo, crítica colonial e exploração de identidades se entrelaçam. Ambientado em Angola, em 1974, às vésperas da independência, o filme usa o contexto da Guerra Colonial como pano de fundo para uma alegoria sobre os fantasmas do imperialismo. A narrativa acompanha um grupo de soldados portugueses isolados, barricados por um muro misterioso, e uma jovem angolana, Tchissola (Ulé Baldé), cujos caminhos cruzam o amor e a tragédia. Conceição, nascido em Angola, imprime uma visão pessoal, não apenas revisitando o passado, mas projetando-o em um futuro especulativo que ressoa com o presente. 

O afrofuturismo em Nação Valente não se limita a estética, mas reconfigura a narrativa colonial. Angola é retratada como um espaço liminar, onde o tempo parece suspenso e o passado irrompe — literalmente — na forma de zumbis que simbolizam a culpa portuguesa. A fotografia de Vasco Viana, com seus tons terrosos e iluminação noturna, cria uma atmosfera de pesadelo lúcido, remetendo a um futuro onde a história não resolvida exige justiça.


A dimensão de identidades fluidas permeia o filme, especialmente na dinâmica dos soldados. Conceição filma seus corpos com uma sensualidade crua, evocando o homoerotismo latente de Bom Trabalho. A caserna, um espaço machista e claustrofóbico, torna-se palco para desejos reprimidos e violências internalizadas. João Arrais, como o jovem soldado, entrega uma performance que captura essa dualidade: ele é ao mesmo tempo vítima e agente de um sistema opressivo. O filme não rotula essas tensões, mas as deixa respirar, permitindo que o espectador sinta o peso do não-dito.

A influência de Claire Denis é mais clara na mise-en-scène. Como em Bom Trabalho, onde a Legião Francesa é filmada com uma coreografia quase erótica.  No entanto, Nação Valente vai além de Denis ao incorporar elementos de gênero — o horror zumbi — para externalizar o trauma colonial. Essa fusão de estilos desafia o espectador a abandonar leituras lineares, exigindo uma imersão sensorial e intelectual. O muro, metáfora central, não é apenas físico, mas um símbolo das barreiras psicológicas e históricas que Portugal ainda enfrenta ao lidar com seu passado.


A crítica ao colonialismo é feroz, mas nunca panfletária. Conceição, como luso-angolano, navega a complexidade de sua própria identidade, questionando narrativas oficiais sem cair em simplismos. O filme expõe a “nação valente” do título — uma referência irônica ao hino português — como uma ilusão sustentada por violência e ignorância. A revolta dos mortos-vivos, que emergem para confrontar os soldados, é uma poderosa alegoria do retorno do reprimido.



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