quarta-feira, 9 de abril de 2025

O Rito da Dança (Fancy Dance, EUA, 2023)

 

Fancy Dance, estreia de Erica Tremblay na direção de longas, é um mergulho visceral nas vidas de mulheres indígenas nos EUA, com um toque LGBTIQA+ que pulsa na protagonista. O filme segue Jax (Lily Gladstone), uma mulher Seneca-Cayuga abertamente queer que vive na reserva em Oklahoma, cuidando da sobrinha Roki (Isabel Deroy-Olson) após o desaparecimento da irmã Tawi. Tremblay, coautora do roteiro com Miciana Alise, entrega um drama familiar com tons de road movie e thriller, mas é na conexão entre tia e sobrinha — e na identidade de Jax — que o filme encontra sua força. Aqui, o descaso com mulheres indígenas desaparecidas ganha um rosto resistente e complexo.

Lily Gladstone, indicada ao Oscar por Killers of the Flower Moon, faz de Jax uma figura magnética: durona, vulnerável e inegavelmente queer. Sua sexualidade não é um “plot point”, mas uma parte orgânica de quem ela é — vista nos olhares trocados com uma ex-amante na reserva ou na forma como desafia normas de gênero com sua postura de quem não pede permissão para existir. Gladstone carrega o filme com silêncios que dizem tudo, enquanto Isabel Deroy-Olson brilha como Roki. A relação das duas, pontuada por falas em Cayuga, é um ato de resistência cultural e pessoal, com Jax sendo um farol queer pra sobrinha num mundo que tenta apagá-las.

Tremblay equilibra o intimismo com crítica social, e o queer de Jax amplifica essa tensão. Ela navega a reserva com uma energia que mistura masculinidade e ternura, sobrevivendo com pequenos crimes e enfrentando a indiferença da polícia tribal e do FBI diante do sumiço de Tawi. O filme não grita sua mensagem, mas deixa claro o abandono sistêmico — e Jax, como mulher indígena encarna essa luta dupla. Há leveza também: a celebração do primeiro “moon” de Roki, guiada por Jax com orgulho cultural, é um respiro que reforça seu papel de guardiã fora dos padrões, contrastando com o olhar perdido da garçonete branca no diner.

Fancy Dance não é impecável — falta ousadia em alguns momentos e um foco mais firme nas suas ambições narrativas. Mesmo assim, é um retrato autêntico e comovente, guiado por uma protagonista queer que desafia estereótipos. Tremblay, Gladstone e Deroy-Olson criam um filme que honra a cultura Seneca-Cayuga, cutuca o descaso sistêmico e celebra os laços que sustentam quem fica. Não é um thriller eletrizante, mas um drama que ecoa — um grito dançante de uma mulher que sabe que a sobrevivência é sua maior vitória.



Nenhum comentário:

Postar um comentário