Irma Vep é uma explosão metalinguística. A série de Olivier Assayas, para a HBO, produzida em parceria com a A24, zomba das estruturas convencionais e mistura imagens do filme de 1996, da série Les Vampires, de 1915, de Louis Feuillade, originária da mítica personagem, para criar algo novo.
A série é ao mesmo tempo uma sátira pungente da indústria de entretenimento que vai transformar a ideia de refazer um seriado da virada do século como um arriscado experimento criativo e um drama existencial sobre o próprio processo artístico. Irma Vep é basicamente um remake de um remake. A série é uma releitura do próprio filme de Assayas de 1996, estrelado pela então globalmente popular Maggie Cheung, com quem ele se casou e, posteriormente, se separou.
Na série, o cineasta René Vidal(Vincent Macaigne) é o avatar de Assayas. Tendo chegado a uma encruzilhada criativa e completamente decepcionado com quase tudo, Vidal está – como Assayas – tentando, ambiciosamente, reviver o passado. Na atração, como na vida real, o cineasta acabou se casando com a estrela de seu filme, mas eles se separaram alguns anos depois.
Uma versão equivalente de Maggie Cheung também, na forma de uma estrela de Hong Kong agora aposentada, Jade Lee (interpretada pela chinesa Vivian Wu). Jade aparece para René em uma sequência de sonhos noturnos em que eles trocam perguntas: por que ela não respondeu aos e-mails dele? Como ele poderia assumir Les Vampires sem ela?
Alicia Vikander interpreta a jovem estrela Mira Harberg, que depois de estrelar um filme de super-herói de sucesso chamado Doomsday, decide que só pode ser levada a sério como atriz se concordar em aparecer em um programa francês dirigido por um aclamado cineasta. Vikander está maravilhosa, não só como Mira, mas também como Irma Vep e Musidora, a atriz que deu vida à personagem original
Mas Mira acaba sendo muito menos estrela do que seus colegas atores, como a atuação sutil e sensível de Vikander gradualmente revela. Ela é uma profissional consumada e uma jogadora de equipe surpreendente; mais de uma vez ela usa sua influência para ajudar seus colegas, incluindo sua assistente, Regina (Devon Ross). Crucialmente, também, Mira é uma das poucas pessoas no set que ama e entende Les Vampires o suficiente para se perguntar e mais emocionante, imaginar, como uma atualização de um seriado, de 1915, pode falar com um público contemporâneo.
Nos primeiros episódios do programa, que tocam como uma sátira alegre do showbiz, a direção de Vidal no set começa a exibir um tema recorrente. Ele instrui seus atores a tornar suas performances mais assustadoras, ele diz ao departamento de arte para apertar o laço no pescoço de um personagem.
Descontroladamente neurótico, René Vidal , tem o mau hábito de agredir verbalmente e às vezes fisicamente seus atores. Esses atores (entre eles Vincent Lacoste e Hippolyte Girardot), lutando para acomodar seus egos dentro dos parâmetros de um texto do início do século 20, questionam constantemente as motivações de seus personagens enquanto se recusam a examinar as suas próprias.
Em suas sessões de terapia, Vidal revela fetiches BDSM. A sexualidade encharca os personagens da série, a própria Mira é bissexual cercada por assistentes lésbicas. Mas de repente o que antes era um retrato excêntrico do processo artístico torna-se um mistério abstrato sobre as inseguranças de Mira, que são intensificadas quando ela sai em passeios noturnos surrealistas, procurando evidências sobre seus amantes de ambos os sexos.Ao mesmo tempo, o traje de Mira é visivelmente mais elegante e preto, menos emborrachado e reflexivo do que o de Cheung, o que parece um aceno para um meio cada vez mais digital e dependente de efeitos. Como se quisesse chegar ao ponto, Mira, aproveitando os poderes líquidos e felinos de seu traje, começa a andar magicamente pelas paredes.
Ela se esgueira pelos quartos de hotel, escutando conversas com seus parceiros, seus ouvidos se animando toda vez que seu nome é mencionado. Kristen Stewart aparece rapidamente no final, reunindo-se com Assayas depois de Acima das Nuvens(2014) e Personal Shopper(2016). Seu breve personagem serve como outro lembrete para Mira de que ela, em última análise, sempre será dispensável, tanto como atriz quanto como parceira romântica.
Irma Vep é um show vertiginosamente prismático e, embora seja uma delícia se você viu o filme ou não, há um enorme prazer em colocá-lo ao lado de seu antecessor e se maravilhar com o acúmulo de meta-camadas. Uma série sobre a criação de um série adaptada do mesmo seriado, oferece uma visão ainda mais saborosa e farpada do showbiz nos dias atuais.
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