sábado, 12 de novembro de 2022

A Rosa Azul de Novalis(Brasil, 2018)

O cu precisa ser introduzido urgentemente no âmbito social e político. Essa é a mensagem principal de A Rosa Azul de Novalis, dos diretores Gustavo Vinagre e Rodrigo Carneiro. E, de fato, o filme começa com um close-up extremo desse orifício sociopolítico.

Enquadrado em um ângulo desorientador, inchando e contraindo suavemente como se estivesse respirando, é uma visão curiosa, quase cativante. Linhas de versos são então recitadas fora da tela e, após alguns segundos, o filme corta para uma tomada completa de um homem nu contorcido na pose de ioga, lendo uma coleção de poemas de Hilda Hilst com a bunda apontando para o céu.


A Rosa Azul de Novalis assume uma postura explicitamente crítica em relação às suas raízes documentais, ao mesmo tempo em que tenta resgatar a tradição por meio de um esforço para achatar o desequilíbrio de poder entre diretor(es) e sujeito.


Integral a esse esforço é a colaboração do homem que se expõe à câmera. Que Marcelo Diorio, o dandi leitor de poesias, seja coautor do filme é sinalizado desde o início, quando em uma cena inicial ele direciona a câmera para se aproximar porque não quer gritar do outro lado da sala.

Como praticamente tudo em A Rosa Azul de Novalis, é deixado em aberto se isso é encenado ou espontâneo, embora o enquadramento cuidadoso e o bloqueio das tomadas, algumas das quais envolvem manobras relativamente intrincadas, sugira que muito pouco no filme aconteceu de improviso.


Há momentos que fogem completamente da realidade, como quando Marcelo narra a morte do irmão e a câmera se move para a esquerda para revelar um funeral acontecendo do outro lado de seu apartamento, com quatro familiares enlutados reunidos ao redor do caixão do irmão. Marcelo se junta a eles e, com sua voz digitalizada para reverberar como se estivesse falando dentro de uma igreja, confessa que na juventude ele e o irmão tiveram uma relação incestuosa.

Quando o filme corta abruptamente para ele sentado exatamente como estava antes da câmera se dirigir ao funeral, sugerindo que a cena se passava na cabeça de Marcelo, novamente não temos certeza de quanto dessa revelação chocante era genuína e quanto era apenas parte de uma performance.


O distanciamento produzido por todas essas camadas de artifício serve para proteger Marcelo e aos poucos transparece que ele há muito adotou a performance como meio de sobrevivência também na vida real. Extremamente erudito, ele se inspira e consola em seus muitos ídolos culturais – Hilst, Novalis, Georges Bataille, Nina Simone, Maria Callas, Franz Kafka – para lidar com a intolerância que sofre como um homem queer HIV positivo que cresceu em um ambiente tóxico e família homofóbica.

Ao conceder a Marcelo um nível de domínio sobre sua própria narrativa, o filme evita tanto minimizar seu sofrimento quanto torná-lo vítima. Quando ele relata alegremente seu desejo de imitar a Carta ao Pai de Kafka enviando ao seu próprio pai vídeos de suas transas – tendo acabado de enumerar suas muitas tendências sexuais coloridas – a ideia é ao mesmo tempo pungente e hilária.


Esse humor tem um papel central e Vinagre e Carneiro inventam muitas maneiras criativas de complementar a exuberante crônica obscena de Marcelo, incluindo uma entrevista no meio do sexo, uma tentativa de boquete-via-zoom e uma imagem final que provavelmente ficará marcada para sempre na mente de cada espectador. 



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