sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Silent Sparks (Taiwan, 2024)

"Silent Sparks", dirigido por Chu Ping, mergulha no submundo do crime através da jornada de um ex-presidiário. O filme é uma exploração profunda dos dilemas morais e das escolhas que definem a vida de seus personagens principais, Pua (Guan-Zhi Huang) e Mi-ji (Ming-Shuai Shih).


O filme segue Pua, um ex-presidiário que retorna ao mundo exterior apenas para ser atraído de volta ao crime. A trama se desenvolve quando Pua reencontra Mi-ji, seu antigo companheiro de cela. A reunião não é como esperada, pois ambos são lançados em um turbilhão de decisões difíceis enquanto navegam pela vida no submundo. A narrativa é não linear, misturando flashbacks com a realidade pós-prisão.

Guan-Zhi Huang e Ming-Shuai Shih oferecem performances notáveis, capturando a tensão e a dualidade de seus personagen. Huang, em particular, consegue transmitir a luta interna de Pua entre seu desejo de recomeçar e a gravidade de seu passado. A química entre os dois protagonistas é palpável, sustentando a dinâmica conflitante que é central para o filme. 


Chu Ping demonstra um estilo visual que é sombrio e poético, refletindo o tema do filme sobre as sombras que a vida no crime projeta. A direção é segura, mas às vezes pode parecer excessivamente estilizada, desviando a atenção das emoções cruas que o filme tenta evocar.


O filme aborda temas como redenção, a luta contra a identidade imposta pela sociedade e a corrupção moral. Chu Ping não oferece soluções fáceis, mas sim uma exploração profunda das nuances da moralidade e da escolha pessoal. A crítica social é sutil, focando mais na individualidade dos personagens do que em um comentário amplo sobre a sociedade taiwanesa.


"Silent Sparks", embora não seja perfeito, com alguns momentos onde o estilo pode ofuscar a substância, o filme consegue ser uma história envolvente e uma reflexão sobre a humanidade perdida e encontrada no mundo do crime. Chu Ping prova seu valor como um diretor capaz de criar um universo cinematográfico que é tanto esteticamente bonito quanto emocionalmente retumbante. 




Se Eu Tô Aqui é Por Mistério (Brasil, 2024)

Dirigido por Clari Ribeiro, "Se Eu Tô Aqui É Por Mistério" é um curta-metragem vibrante de ficção científica, misturando elementos de bruxaria e uma estética futurista. Ambientado em um Rio de Janeiro distópico do ano 2054, o filme explora um cenário onde uma organização chamada Ordem da Verdade persegue pessoas com poderes sobrenaturais. A trama centra-se em Dahlia, uma bruxa renomada, que forma um clã de indivíduos trans e queer para combater essa opressão.

O enredo é rico em simbolismo, abordando temas de resistência, identidade de gênero, e a luta contra a opressão. O filme questiona as dinâmicas de poder e a marginalização de certos grupos sociais. A ideia de "mágica" e "poderes sobrenaturais" aqui serve como uma metáfora para a diversidade e a força da comunidade LGBTQ+.


Visualmente, "Se Eu Tô Aqui É Por Mistério" é uma explosão de criatividade. A fotografia, de Pedro Urano, com seu giallo-neon, evoca um cenário futurista, mas com raízes profundas no imaginário brasileiro, especialmente do Rio de Janeiro. A paleta de cores vibrantes e o uso de efeitos especiais que lembram a estética de novelas Os Mutantes da Record contribuem para uma atmosfera única.


O filme é uma exploração do cinema de gênero, desde o body horror, passando pela fantasia até a ficção científica, sem abandonar uma proposta estética experimental, resultando em um filme pop, queer e coeso. 


"Se Eu Tô Aqui é Por Mistério" conta com um elenco notável que traz performances memoráveis. Aretha Saddick, Lorre Motta, Bruna Linzmeyer, Helena Ignez, Zezé Motta, Paulete Lindacelva, e Viní Ventania formam um grupo diversificado e talentoso. Bruna Linzmeyer, em particular, é destacada tanto no elenco quanto como a voz em off do filme, adicionando uma nova camada na narrativa.


"Se Eu Tô Aqui É Por Mistério" é um filme que não só diverte, mas também questiona e celebra a diversidade humana. Com sua direção inovadora, estética marcante, e mensagem poderosa, Clari Ribeiro entrega uma obra que se posiciona como um marco ao abordar gênero e luta.



quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Three Kilometres to the End of the World (Trei kilometri până la capătul lumii, Romênia, 2024)

 

"Three Kilometres to the End of the World" é o terceiro longa-metragem do diretor romeno Emanuel Pârvu, que também é um ator conhecido por trabalhar com diretores da "Nova Vaga Romena". O filme estreou na competição oficial do Festival de Cannes de 2024, onde recebeu o Queer Palm, por sua abordagem sobre homofobia e a moralidade conservadora em uma comunidade rural.


O filme se desenrola em uma aldeia remota no Delta do Danúbio, onde o jovem Adi (Ciprian Chiujdea) passa suas férias de verão. Adi, de 17 anos, é brutalmente atacado uma noite, um evento que desencadeia uma série de conflitos familiares e sociais. A trama central é a reação da comunidade e da família de Adi ao ataque homofóbico, revelando as profundas rachaduras na psique coletiva de uma sociedade tradicionalista.


Pârvu utiliza uma narrativa que se alinha com a tradição do cinema romeno contemporâneo, caracterizada por longos planos, uma mise-en-scène minimalista e uma exploração profunda da corrupção e moralidade. A cinematografia, em widescreen, contrasta a beleza natural do Delta com a feiura das atitudes humanas.


Adi: É o epicentro da história, mas curiosamente, o filme dá mais atenção às reações das pessoas ao seu redor do que ao seu próprio sofrimento interno. Isso resulta em uma narrativa que foca mais na dinâmica familiar e comunitária do que na experiência de Adi como indivíduo.


Interpretados por Bogdan Dumitrache e Laura Vasiliu, os pais representam o conflito entre o amor parental e as expectativas sociais. O pai, enredado em dívidas e normas sociais, tenta buscar justiça, mas de uma forma que reflete mais seus próprios preconceitos e vergonha do que um verdadeiro apoio ao filho. A mãe, por sua vez, é uma figura de ambiguidade emocional, oscilando entre a proteção e a negação do que seu filho representa.


O filme aborda temas como homofobia, corrupção, tradição versus modernidade, e a alienação social. Pârvu examina como uma sociedade pode ser um ambiente hostil para qualquer um que não se encaixe nos moldes tradicionais, especialmente em locais onde a igreja e a moralidade conservadora têm forte influência. 


Emanuel Pârvu cria um retrato sóbrio e às vezes doloroso da realidade, onde o progresso pessoal e social é bloqueado por tradições arcaicas e uma moralidade que serve mais para controlar do que para entender e apoiar.


Conclave (Reino Unido/EUA, 2024)

Por Bruno Weber As representações da Igreja Católica no cinema são tão variadas quanto as próprias definições de Cristianismo. Vão desde retratos emotivos e fervorosos da vida no sacerdócio até filmes de terror apelativos. Mas um ponto em comum que essas narrativas geralmente apresentam é a presença de uma crise de fé. As dúvidas do personagem principal sobre o "mistério", sobre as tradições e convenções e, principalmente, sobre as contradições de um ambiente religioso podem ser tanto os catalisadores quanto as consequências da trama. Em Conclave, essa representação revela as práticas e rituais do mais alto escalão da Igreja em um de seus momentos mais intensos e decisivos: a escolha de um novo Papa. E o faz através de um suspense político no qual uma crise de fé está totalmente relacionada ao sentimento de decepção com a própria instituição da Igreja Católica.

No novo filme do diretor austríaco Edward Berger, a recente morte do Papa reúne todos os cardeais no Vaticano para a realização de um conclave, no qual eles ficarão totalmente isolados do mundo exterior para se reunirem na Capela Sistina e eleger qual deles se tornará o novo pontífice. O responsável pela realização do conclave é o Cardeal Lawrence, interpretado por Ralph Fiennes, que se sente cada vez mais frustrado pela tarefa. Além de ser amigo pessoal do Papa falecido, os dias de isolamento o obrigam a enfrentar a realidade de uma Igreja frágil e reacionária, assolada por corrupção, discórdia e incertezas. Esse conflito se revela durante as interações com alguns de seus irmãos. O Cardeal Bellini (Stanley Tucci), que também é amigo próximo de Lawrence, é um reformista que almeja uma Igreja mais humana, que inclua mais mulheres e pregue a tolerância e respeito, tanto para outras crenças quanto para pessoas LGBTQI. 


Por outro lado, o Cardeal Tedesco (Sergio Castellitto) não esconde seus desejos de uma Igreja que rejeite as reformas e reforce seu papel conservador, oferecendo a perspectiva de uma nova Guerra Santa no atual cenário político mundial. Ao mesmo tempo, Lawrence começa a questionar as intenções do Papa falecido, principalmente devido às suas últimas interações com o Cardeal Tremblay (John Lithgow) e o Cardeal Benitez (Carlos Diehz), que podem estar guardando segredos significativos para os próximos rumos do catolicismo.


Berger dirige essa trama com a eficácia que ele demonstrou em projetos anteriores. Na verdade é possível traçar um paralelo interessante entre "Conclave" e seu filme anterior, "Nada de Novo no Front", com seus protagonistas tendo suas convicções desafiadas por um conflito iminente. Ao mesmo tempo, se o trabalho do diretor de fotografia James Friend naquele filme trazia uma paleta de cores nauseantes para caracterizar a queda do protagonista na loucura da guerra, em "Conclave", a fotografia de Stéphane Fontaine vai na direção contrária. São cores frias e monótonas, que retratam os quartos e corredores do Vaticano como um ambiente sem vida e pouco familiar. Um habitat perfeito para os cardeais, uma irmandade de homens falhos, perdidos no tempo enquanto tentam lidar com o passado e o futuro.


O que torna "Conclave" um thriller instigante, muito além de seu tema, é essa competência técnica que apoia grandes atuações de seu elenco, que ainda conta com Isabella Rosselini, interpretando a Irmã Agnes, que lidera as freiras que, silenciosamente, servem a todas as necessidades dos cardeais durante o isolamento. Um papel pequeno em falas e tempo de tela, mas marcante, justificando sua indicação ao Oscar. Esses aspectos seguram uma trama que vai se revelando cada vez mais irreal. Até mesmo utópica. Não apenas pela figura do Cardeal Bellini, quase um deputado do PSOL usando batina, um progressista dando murro em ponta de faca contra uma das instituições mais conservadoras inventadas pela raça humana.

Mas especialmente a conclusão do filme (e recomendo que quem não viu o filme evite spoilers daqui pra frente), na qual esse grupo de homens perturbados toma a decisão mais correta e elege o Cardeal Benitez como o novo Papa. Uma decisão que inadvertidamente se torna muito idealista e revolucionária. Não só pelo benevolente Benitez rejeitar a raiva ignorante e reacionária de Tedesco, mas por nos minutos finais do filme, se revelar para Lawrence como uma pessoa intersexo. "Alguns diriam que meus cromossomos me definiriam como mulher, e mesmo assim eu sou como você me vê", ele diz. Uma afirmação simples e verdadeira, e ainda assim, poderosíssima. Como eu disse, é utópico. Mas não a ponto de tornar essa conclusão artificial. Não há porque fazer cinema se não puder sonhar um pouco. Como cantou George Michael: "é preciso ter fé".


quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Alma do Deserto (Alma del Desierto, Brasil/Colômbia, 2024)

"Alma do Deserto", de Mónica Taboada-Tapia, carrega em seu espectro uma grande profundidade emocional, além da relevância social. O documentário, ganhador do Queer Lion, no 81º Festival de Cinema de Veneza, explora a vida de Georgina, uma mulher trans da etnia Wayúu, em sua luta pelo reconhecimento de sua identidade no deserto de Guajira, na Colômbia.

O filme nos leva por uma jornada profundamente comovente, onde Georgina enfrenta desafios inimagináveis após ter sua casa e documentos incendiados por vizinhos intolerantes. O enredo é construído com uma sensibilidade que não só capta a dor e a perseverança de Georgina, mas também proporciona um olhar crítico sobre a sociedade, os direitos humanos e a opressão de gênero, etnia e marginalização de pessoas LGBTQIA+. Georgina, já em seus setenta anos, enfrenta um desafio significativo: obter um documento de identidade que reflita seu verdadeiro gênero, um processo que revela as complexidades e as barreiras do sistema burocrático colombiano.


Visualmente, "Alma do Deserto" é um estudo de contrastes. As vastas paisagens desérticas, capturadas pela fotografia de Tininiska Simpson e Rafael González Granados, oscilam entre o dourado do sol e o azul profundo do céu.  A cinematografia é poética, usando o ambiente natural para ampliar o impacto emocional da história, permitindo que a beleza e a aspereza do deserto falem por si mesmas, ao mesmo tempo que destaca a força e a fragilidade de Georgina.


Georgina, com sua coragem e vulnerabilidade, torna-se uma figura universal de resistência e esperança. A história dela é contada com tanto respeito que compartilhamos sua jornada. O filme aborda temas como a violência, a discriminação, o direito à identidade e ao reconhecimento legal, mas não faz de maneira didática, mas sim refletindo sobre a própria humanidade e preconceitos.


"Alma do Deserto" é uma obra que, além de seu valor artístico, possui um forte impacto social, incentivando discussões sobre direitos humanos, inclusão e a necessidade de mudanças legislativas e culturais para garantir a dignidade de todas as pessoas. A história de Georgina é contada através de entrevistas íntimas com ela e membros de sua comunidade, oferecendo uma visão profunda da cultura Wayúu e da comunidade queer.


"Alma do Deserto" é uma odisseia pessoal mas também um manifesto social, capturando a alma de uma mulher e, através dela, a de muitos que vivem nas margens da sociedade. É uma lição de empatia, resistência e a busca incansável pelo direito de ser quem se é, em um mundo retrógrado que muitas vezes resiste à mudança.



terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Viet and Nam (Trong lòng dat, Vietnã/Filipinas/Singapura/França/Países Baixos/Itália/Alemanha/EUA, 2024)

 

"Viet and Nam", o segundo longa-metragem do diretor vietnamita Truong Minh Quy, é uma exploração poética e sensível das dualidades do Vietnã, do amor e da memória, tudo isso envolto em um ritmo contemplativo que desafia o olhar e cativa.

O filme segue a história de Viet(Duy Bao Dinh Dao) e Nam(Thanh Hai Pham), dois jovens mineiros de carvão que compartilham uma relação amorosa secreta em um Vietnã pós-guerra, no ano de 2001. Não se trata apenas de uma história de amor proibido, mas também de busca pela identidade, pela reconciliação com o passado traumático do país e pela esperança de um futuro melhor. A busca pelos restos do pai de Nam, um soldado desaparecido durante a guerra, serve como metáfora para a busca de compreensão de uma nação ainda marcada por conflitos históricos.


Truong Minh Quy, e o diretor de fotografia Son Doan, fazem um uso magistral do 16mm, que confere ao filme uma qualidade visual quase onírica, onde a distinção entre o real, o sonho e a memória se torna indistinta. A escolha de trabalhar com atores não profissionais contribui para a autenticidade e a crueza das emoções retratadas, enquanto a cinematografia com seus planos longos e contemplativos, mergulha na atmosfera sombria e ao mesmo tempo luminosa das minas e das florestas vietnamitas.


Os protagonistas são desenhados com uma delicadeza que provoca identificação, mesmo com sua complexidade. A relação entre eles é retratada com uma sensualidade e uma ternura que contrastam com a dureza de suas vidas cotidianas. A mãe de Nam, interpretada por Nguyen Thi Nga, adiciona outra dimensão à narrativa, explorando a dor e o luto de uma geração que vive com as consequências de uma guerra devastadora.


"Viet and Nam" é um filme que, apesar de ter sido banido em seu país de origem por sua visão considerada negativa, oferece um olhar profundamente humano e poético de amor, perda e busca por redenção em um Vietnã que ainda luta com os espectros de seu passado. Truong Minh Quy emerge como uma voz importante no cinema contemporâneo, trazendo à luz histórias que necessitam ser contadas com uma sensibilidade artística que merece ser reconhecida.


O filme é uma exploração sensível e poética do amor entre dois homens. A relação deles é retratada com uma sensualidade crua e uma ternura que contrasta com a aspereza do trabalho nas minas. Esta narrativa queer é central para o desenvolvimento do enredo, onde o amor é tanto um refúgio quanto um desafio em um contexto social que pode não ser totalmente acolhedor. 


O longa cria um enredo que é uma história de amor e um lamento pela condição humana no contexto vietnamita. O filme não evita a realidade das condições de vida e trabalho dos mineiros, mas também não se resigna a ela; há um senso de esperança e resistência no amor entre Viet e Nam, que, apesar de tudo, encontram momentos de felicidade e beleza.


segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Madeleine à Paris (Brasil, 2024)


"Madeleine à Paris" , de Liliane Mutti, explora temas intrincados de identidade, migração, religiosidade, e resistência cultural através das lentes da vida de Roberto Chaves. O documentário segue a jornada diurna de Roberto na lavagem das escadarias da Igreja da Madeleine e sua vida noturna no cabaré "Paradis Latin", onde ele assume o papel de arlequim. A narrativa do filme é marcada por um contraste entre o sagrado e o profano, o masculino e o feminino, oferecendo um olhar sobre como essas dicotomias podem se harmonizar na experiência de uma única pessoa.

O documentário dá visibilidade a uma figura que encarna múltiplas identidades — homem negro, queer, e adepto de religiões de matrizes africanas.Ele traz uma narrativa que transcende limites geográficos e culturais, quase como um road movie, promovendo a diversidade e a resistência cultural.

Robertinho Chaves é uma figura carismática e cheia de vida, cuja personalidade e história pessoal são capturadas com autenticidade pelas lentes da diretora. A maneira como ele navega entre diferentes culturas e religiões é fascinante e traz uma camada cheia de autenticidade.

O filme faz um bom trabalho ao contextualizar a Lavagem da Madeleine dentro da cultura brasileira, mostrando como esta tradição é uma forma de resistência e celebração da herança africana no Brasil, agora transportada para um cenário europeu. A inclusão de figuras como Carlinhos Brown e Vincent Cassel na edição documentada do evento reforça essa ponte cultural.

Como linguagem, o filme utiliza uma estética crua. Com muitos momentos de câmera na mão, que capturam a euforia trazida pela Lavagem. Mesmo com alguns momentos escuros, a narração em off de Roberto Chaves serve como um guia emocional e informativo, adicionando uma intensidade à narrativa.

"Madeleine à Paris" é um esforço louvável para documentar uma celebração única que une culturas e questiona identidades. A força do filme reside na sua capacidade de contar uma história humana e cultural revolucionária. Com sua abordagem documental, Mutti consegue trazer à tela uma mistura fascinante de tradição, arte e comunidade.

A fé é um tema central e intrincado, retratada não apenas como uma prática religiosa, mas como uma força vital que conecta identidade, cultura e resistência. O ritual da Lavagem de Madeleine é uma cerimônia que lava as escadarias da igreja, simbolizando a purificação e a afirmação da presença e da espiritualidade afro-brasileira. A fé, aqui, transcende a religiosidade tradicional, tornando-se um meio de expressar e reivindicar a identidade e a liberdade cultural em um contexto europeu.



Parque de Diversões, de Ricardo Alves Jr, estreia nos cinemas em 30 de janeiro

O longa-metragem Parque de Diversões, do diretor Ricardo Alves Jr., estreia nos cinemas brasileiros no próximo dia 30 de janeiro, distribuído pela Cajuína Audiovisual. Com uma narrativa sensorial e performática, o filme propõe explorar o universo do desejo, do fetiche e das múltiplas formas de expressão sexual, partindo da experiência do cruising em um parque urbano de Belo Horizonte. A produção também trata da busca incessante por prazer, do encontro e da transgressão de normas, com uma linguagem visual e sonora inovadora e provocativa.

A história se desenrola em um espaço que mistura natureza e fantasia de forma lúdica: um parque com vegetação tropical e brinquedos infantis, cenário que se torna um território de excitação e descoberta. A trama segue figuras anônimas que, ao se perambular pelas ruas da cidade, encontram no parque um lugar para explorar suas pulsões, em uma jornada repleta de fluídos corporais e ações sensoriais.


A ideia central do filme surge da metáfora de "quebrar o brinquedo", um convite para desmontar o desejo e criar uma nova forma de brincar, livre das limitações de um único objeto. A câmera, que atua como voyeur, se torna uma observadora imersiva, convidando o espectador a participar do jogo entre os corpos e o espaço. “A experiência do filme é sobre as atrações dos corpos, sobre a pele, a saliva, sobre a respiração”, comenta o diretor Ricardo Alves Jr., explicando que o longa não busca explorar construções psicológicas, mas a liberdade do desejo, seja do que exibe ou do que observa.


O elenco de Parque de Diversões inclui Aisha Brunno, Bramma Bremmer, Igui LeaL e Will Soares, todos com experiência nos filmes anteriores de Alves Jr. Eles participaram ativamente da construção do roteiro escito por Germano Melo, que se desenvolveu a partir de encontros e dinâmicas sobre voyeurismo, exibicionismo e experiências em espaços de sexo consensual coletivo. O processo criativo foi pautado na ideia de um laboratório de criação, onde o parque se tornou o cenário ideal para essa experimentação cinematográfica.


A direção de fotografia brinca com luz e sombra, criando um jogo entre o visível e o oculto que transporta o espectador para uma experiência quase onírica. O som também é um elemento crucial, com três dinâmicas distintas que envolvem o corpo, o ambiente e a trilha sonora, guiando a coreografia dos corpos e ampliando a imersão sensorial.


Parque de Diversões já passou por diversos festivais internacionais, como o Queer Lisboa, o Festival Chéries-Chéris, na França, e a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, causando recepção calorosa da plateia. Sua estreia mundial ocorreu em junho de 2024, na competição internacional do FID Marseille, despertando a atenção de público e crítica.


Com uma temática que desafia as normas e a moralidade, Parque de Diversões busca provocar reflexões sobre liberdade, sexualidade e as expressões dissidentes em tempos de crescente conservadorismo. Para Alves Jr., “o filme deve ser visto não apenas como uma experiência pessoal, mas como uma potência política e cultural, que reivindica a liberdade em um contexto de repressão e violência”.


domingo, 26 de janeiro de 2025

Avenida Beira-Mar (Brasil, 2024)


 "Avenida Beira-Mar", dirigido por Maju de Paiva e Bernardo Florim, mergulha nas profundezas da amizade, identidade e a complexidade das relações humanas num ambiente litorâneo. O longa não apenas conta uma história, mas provoca uma reflexão sobre aceitação, preconceito e a beleza das conexões interpessoais.

No coração do filme, está Rebeca(Milena Pinheiro), uma menina de 13 anos, que se muda para Piratininga, em Niterói, com a mãe, interpretada por Andrea Beltrão, após a separação de seus pais. Confinada dentro de sua nova casa devido a uma onda de roubos, Rebeca observa o mundo exterior de cima do muro, um símbolo de sua própria prisão emocional e social. Sua vida ganha um novo significado quando conhece Mika(Milena Gerassi), uma menina trans que enfrenta o desafio diário de afirmar sua identidade em um ambiente frequentemente hostil.


A amizade entre Rebeca e Mika é o eixo central do filme, uma relação que transcende as barreiras sociais e de gênero, oferecendo um olhar terno sobre o poder da compreensão e do apoio mútuo. O encontro delas é um momento de revelação para Rebeca, que começa a ver o mundo com olhos diferentes, enquanto Mika encontra em Rebeca uma amiga verdadeira, alguém que a vê e a aceita pelo que realmente é.


Visualmente, "Avenida Beira-Mar" captura a essência do subúrbio litorâneo, com uma fotografia, de Luís Baramo, que enfatiza a beleza e a melancolia das paisagens de Niterói. A direção de arte e a escolha de locações são fundamentais para criar um ambiente que tanto limita quanto libera, refletindo o estado emocional das personagens. 



A trilha sonora, embora discreta, é pontual e reforça momentos de tensão, alegria ou tristeza, contribuindo para a criação de uma atmosfera emocional rica. Há um momento ricamente emocional com Dê um Rolê, na voz de Gal Costa. A atuação das jovens atrizes é um grande aspecto, trazendo profundidade às suas personagens.

O filme aborda temas como a transição de gênero, a aceitação e a transfobia de maneira sutil mas poderosa. O conflito de Mika com sua identidade e a rejeição que enfrenta da sociedade e especialmente de sua família são mostrados com uma veracidade que comove. A história também explora a solidão, a busca por pertencimento e como as amizades podem oferecer uma nova perspectiva sobre a vida.


Maju de Paiva e Bernardo Florim conseguem criar um ambiente onde cada cena é carregada de sentimento, onde a amizade entre Rebeca e Mika se torna um farol de esperança em meio ao desespero e à confusão da adolescência. A maneira como o filme lida com a identidade de Mika é particularmente sensível, evitando clichês e oferecendo uma representação digna e respeitosa da experiência trans desde a infância.


"Avenida Beira-Mar" é uma jornada emocional que nos lembra da importância da empatia e da aceitação. É uma crítica à sociedade que marginaliza e um elogio à amizade que transcende todas as barreiras. Semelhanças à “Sem Coração”, de Tião e Nara Normande, à parte o filme toca corações por sua sinceridade, delicadeza e profundidade.


sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

REPRESENTATIVIDADE TRANS NA DIREÇÃO

 

A importância de pessoas trans dirigirem filmes é essencial para o avanço da representatividade e da autenticidade no cinema. Diretores e diretoras trans podem trazer narrativas verdadeiras e nuances de suas experiências pessoais, oferecendo uma visão interna sobre questões de identidade de gênero que muitas vezes são mal compreendidas ou estereotipadas por quem está fora dessa vivência. Isso não só contribui para uma maior sensibilidade e precisão na representação, mas também desafia e expande as narrativas tradicionais, permitindo que o público veja a diversidade humana em suas múltiplas expressões. Além disso, diretores trans podem inspirar e abrir portas para outros indivíduos da comunidade, promovendo a inclusão e a diversidade dentro da indústria cinematográfica. Essa representatividade, no entanto ainda é escassa, mas fizemos uma listinha para ajudar.


Lili e Lana Wachowski



Lili e Lana Wachowski são irmãs diretoras, produtoras e roteiristas americanas, famosas por revolucionar o cinema com obras como a trilogia "Matrix" e "Cloud Atlas". Originárias de Chicago e de ascendência polonesa, elas começaram sua carreira em Hollywood com o filme "Bound" antes de alcançarem sucesso mundial com "Matrix" em 1999. Ambas são conhecidas por sua abordagem inovadora ao cinema, explorando temas profundos como a identidade e a realidade, e por serem mulheres transgênero, contribuindo significativamente para a visibilidade e representação trans na indústria cinematográfica


Isabel Sandoval


Isabel Sandoval é diretora de cinema, atriz e roteirista filipina-americana, conhecida por suas obras que exploram complexidades sociopolíticas e identitárias. Ela ganhou destaque internacional com "Lingua Franca", tornando-se a primeira mulher trans a competir no Festival de Veneza. Seu trabalho é celebrado por sua estética serena e abordagem subversiva aos gêneros cinematográficos, oferecendo um olhar único sobre a experiência de imigrantes e a identidade de gênero. Além de "Lingua Franca", Sandoval dirigiu filmes como "Señorita" e "Aparisyon", e continua a ser uma voz influente e inovadora no cinema independente.

Paul B. Preciado


Paul B. Preciado é um renomado filósofo queer e diretor de cinema, conhecido por sua abordagem inovadora na interseção entre teoria de gênero, sexualidade e cultura visual. Além de sua influência acadêmica, Preciado expandiu seu impacto ao dirigir "Orlando, Minha Biografia Política", um filme que reinterpreta a obra de Virginia Woolf, celebrando a diversidade trans e não-binária. Sua obra tem sido fundamental na discussão sobre identidade e resistência na era contemporânea.

Alice Maio Mackay


Alice Maio Mackay é uma jovem e talentosa diretora de cinema, conhecida por seu trabalho inovador na indústria do horror, especialmente dentro do contexto queer. Aos 19 anos, já havia dirigido cinco longas-metragens, destacando-se por sua abordagem única que combina elementos de terror com representação trans e humor. Seus filmes, como "So Vam" e "Bad Girl Boogey", têm sido elogiados por desafiar as convenções do gênero e por trazer uma nova perspectiva à narrativa cinematográfica.


Emanuele Crialase

Emanuele Crialese é um renomado diretor e roteirista italiano, conhecido por seus filmes que exploram temas profundos de identidade, migração e família. Nascido em Roma em 1965, Crialese estudou cinema na Universidade de Nova York e ganhou reconhecimento internacional com obras como "Respiro" e "Nuovomondo". Seu trabalho mais recente, "L'Immensità", revelou uma faceta pessoal do diretor, trazendo à luz sua própria experiência como pessoa trans, enriquecendo ainda mais seu portfólio com narrativas autênticas e emocionais


Aitch Alberto




Aitch Alberto é uma diretora de cinema nascida em Miami, Florida, conhecida por sua abordagem sensível à narrativa. Ela ganhou destaque com sua estreia na direção de longas-metragens, "Aristotle and Dante Discover the Secrets of the Universe", adaptação do romance homônimo que explora temas de identidade e amadurecimento. Alberto é uma figura importante na indústria, sendo reconhecida por sua contribuição à representação latina e queer no cinema, além de ser uma das poucas cineastas trans a alcançar proeminência em Hollywood.


Jane Schoenbrun


Aclamada por “I Saw the Tv Glow”, Jane Schoenbrun é uma diretora, roteirista e produtora norte-americana, conhecida por seu trabalho inovador no cinema. Nascida em 1987, em Ardsley, Nova York, Schoenbrun ganhou destaque com seu filme de estreia "We're All Going to the World's Fair" (2021), que explorou temas relacionados à internet e identidade de gênero. Identificando-se como não-binária, Schoenbrun traz uma perspectiva única ao cinema, com narrativas que refletem a complexidade das experiências contemporâneas.


Vera Drew


Vera Drew é uma diretora, editora e escritora americana, conhecida por sua abordagem atrevida e humorística no cinema. Ela ganhou destaque com seu trabalho em séries de comédia como "Who Is America?" de Sacha Baron Cohen, onde foi indicada ao Emmy por edição. Vera é particularmente brilhante por seu filme "The People's Joker", uma paródia queer de quadrinhos, refletindo sua habilidade de mesclar humor, identidade e narrativas visuais de forma única. Sua trajetória é marcada por uma autenticidade que desafia as convenções, trazendo vozes e perspectivas sub-representadas para o mainstream.


Yance Ford


Yance Ford é um diretor de cinema e produtor conhecido por seu trabalho em documentários, destacando-se com o filme "Strong Island", que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de Melhor Documentário e um Emmy. Ford é também reconhecido por ser o primeiro diretor transgênero a ser indicado ao Oscar, trazendo uma perspectiva única e autêntica sobre temas de justiça racial e identidade. Seu trabalho é amplamente elogiado por sua profundidade e impacto cultural, tendo recebido diversos prêmios e reconhecimentos na indústria cinematográfica


River Gallo


River Gallo é uma diretora, atriz, escritora e ativista intersexo de origem salvadorenha-americana que vem ganhando destaque no cenário cinematográfico. Conhecida por seu trabalho em "Ponyboi", um curta-metragem que escreveu, estrelou e co-dirigiu, River se tornou uma voz importante ao abordar temas de identidade de gênero e representação. Também dirigiu o documentário "Everybody", dedicado à pessoas interesexo. POSTS RELACIONADOS: 20 ANOS DE DIA DA VISIBILIDADE TRANS

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Riley (EUA, 2023)

"Riley", de Benjamin Howard, explora a complexa jornada de um jovem atleta do ensino médio, Dakota Riley, cuja vida se desfaz quando sua identidade queer entra em conflito com as expectativas que foram impostas sobre ele. O filme é uma história sensível e comovente sobre autodescoberta, aceitação e as pressões da adolescência.

A história segue Dakota (Jake Holley) enquanto ele navega pela monotonia e pelas expectativas da adolescência - esportes, salas de aula, e as dinâmicas sociais da escola. O jovem é um atleta disciplinado, cuja vida é governada por um plano meticuloso que ele e aqueles ao seu redor esperam que siga. No entanto, seu conflito interno com sua sexualidade começa a desestruturar esse plano, forçando-o a confrontar quem realmente é versus quem ele deveria ser, conforme imposto por sua família e sociedade.


"Riley" se sai bem em tratar a temática queer não apenas como um confronto pessoal, mas também como um desafio social e cultural. O filme apresenta um olhar crítico sobre as expectativas de masculinidade e heteronormatividade no contexto esportivo, algo que ainda é pouco explorado no cinema mainstream.


Jake Holley entrega uma performance que captura perfeitamente a angústia e a confusão de Dakota, oferecendo uma interpretação sutil e poderosa. Os coadjuvantes, como Colin McCalla e Riley Quinn Scott, complementam bem o elenco, adicionando camadas à narrativa ao retratar os diferentes aspectos da vida de Dakota. A direção de Benjamin Howard cria um ambiente que reflete tanto a rigidez das expectativas quanto a turbulência emocional de Dakota.


A fotografia, de Michael Elias Thomas,  traz beleza e autenticidade, contribuindo para a imersão do espectador na vida e na mente de Dakota. A escolha de focalizar a luta interna de Riley ao invés de apenas as manifestações externas oferece um olhar introspectivo que é tanto poético quanto doloroso.


"Riley" não apenas conta uma história de um jovem atleta, mas também se conecta com qualquer um que já se sentiu preso entre quem é  e "quem deveria ser". Ele não oferece respostas fáceis ou conclusões simplistas, mas sim convida o espectador a refletir sobre a complexidade da identidade, a importância da autoaceitação e o papel da sociedade na formação da autoimagem.