sábado, 23 de abril de 2022

A Cidade dos Abismos(Brasil, 2021)



Transfobia, racismo e o perigo iminente das grandes capitais estão no cerne de A Cidade dos Abismos, longa de estreia de Priscyla Bettim e Renato Coelho, que rejeitam o naturalismo e não têm medo de se aventurar em um território mais conceitual.

O filme em si, é uma declaração ao Cinema de Boca do Lixo, de São Paulo, dos anos 1970, um cenário perfeito para a marginalização que é o centro do filme. Nele, numa obscura véspera de Natal, a vida de quatro personagens se vê cruzada de maneira fatídica.


São eles, as transexuais Glória interpretada por Verónica Valenttino, sua amiga Maia, Bia e Kakule, um imigrante africano que trabalha como atendente do Xangô Bar onde Maia é assassinada, mas não sem antes de ter feito uma tentativa frustrada de injetar silicone no bumbum, para discutir a politização dos corpos.

Entre um monólogo, um musical, e uma montagem frenética que mistura imagens preto e branco, a super 8 e 16mm, numa São Paulo fúnebre, Gloria quer fazer justiça por Maia, e mostrar que esse não pode ser apenas mais um caso transfóbico.


Uma cena na Cinemateca de São Paulo é um dos pontos altos do filme, apresentando uma reprodução da clássica Pietá; trechos de Limite (1931), de Mário Peixoto, um símbolo da resistência humana.

A concretização do luto faz parte da narrativa, assim como o empoderamento trans, o orgulho das raízes africanas até mesmo o pertencimento religioso, em uma cena traduzida na participação do Padre Júlio Lancelotti.

O clima noir que o filme ganha, com a busca pelos autores do crime, não muda a linguagem, que sim causa certa estranheza, caminha por lugares obscuros, não monopoliza a narrativa, apenas indica as marcações que seus heróis devem seguir.


Mais do que frases de efeito para fazer refletir, as dores e os amores se sintetizam de forma poética e orgânica. A perseguição lenta e nostálgica do filme, impõe que mesmo diante uma burguesia hipócrita, ou uma polícia corrupta, os marginalizados, prostitutas, travestis, imigrantes, são vítimas que podem confrontar essa realidade por meio da arte.


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