domingo, 25 de dezembro de 2022

Mulheres a Beira de um Ataque de Nervos(Mujeres al Borde de un Ataque de Nervios, Espanha, 1988)


Pedro Almodóvar já havia trabalhado com o texto A Voz Humana, de Jean Cocteau, em uma peça dentro de A Lei do Desejo(1987), com Carmen Maura a espera de um telefonema, quebrando o cenário, ao som de Ne Me Quittes Pas, da cantora Maysa. Em Mulheres a beira de um ataque de nervos ele volta a pegar emprestado o argumento do dramaturgo francês, dessa vez para construir uma tragicomédia completa.

Pepa(Carmen Maura) foi recentemente abandonada por seu amante, Iván (Fernando Guillén). Ela tenta desesperadamente entrar em contato com Iván, mas não consegue nem pelo telefone.O outro lado da conversa existe, mas geralmente apenas como uma gravação. As conversas só são possíveis via caixa postal.

O longa foi o primeiro grande sucesso internacional de Almodóvar, sendo indicado ao Oscar de Filme Estrangeiro, e na verdade marcou um passo em sua carreira e uma renovação de sua abordagem. Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos é um filme histérico que permite ao cineasta apurar seu gosto pelos retratos femininos já esboçados em suas obras anteriores e que culminaram nas décadas seguintes. 


A trama é 100% almodovariana, com coincidências felizes que só poderiam acontecer em seu universo particular e com diálogos engenhosos que contam com segundas e até terceiras leituras. O mais espantoso de tudo é que as peças soltas acabam por se juntar e fazer sentido, desde o divertido táxi mambo ao gaspacho que Pepa prepara com um bom número de tarjas preta.


Em grandes roteiros, até o mínimo detalhe acaba tendo uma razão de existir, e todos os personagens brilham com luz própria. Assim, não só Carmen Maura, capaz de fazer rir e chorar ao mesmo tempo, mas também María Barranco, Rossy de Palma, Antonio Banderas, Julieta Serrano e Chus Lampreave formam uma engrenagem perfeita. E como em todos os filmes de Almodóvar dos anos 80, há espaço para divertidos spots televisivos alheios à trama e homenagens a filmes tão diversos como Johnny Guitar(1954) ou Janela Indiscreta(1954).


Mas no fundo do riso está a tristeza. Entre os intensos vermelhos e azuis do mais puro kitsch geométrico e almodovariano, revela-se a dor do desgosto, a loucura de ser traído . Como o título sugere, Pepa não é a única mulher neste filme à beira de um colapso nervoso. Há Lúcia (Julieta Serrano), ex-mulher de Ivan, que ele abandonou quando ela estava grávida e acabou internada em um manicômio após dar à luz seu filho. Mas recentemente, ao reconhecer a voz de Ivan na TV, ela se lembrou dele, fingiu estar curada para que os médicos a liberassem. Embora, como ela admite, ela não está curada.


E os homens? O personagem masculino central é Ivan, ele criou toda essa bagunça. Ivan pediu a Pepa que preparasse sua mala, pois ele iria viajar. Pepa tem certeza de que ele vai embora com outra mulher porque simplesmente não consegue viajar sozinho. Ela pensa que é Lúcia, enquanto Lúcia pensa que Ivan está saindo com Pepa. Na realidade, é claro, é outra pessoa. Depois, há seu filho, Carlos (Antonio Banderas), que se preocupa com Pepa. 


Candela(Maria Barranco) é outra mulher à beira de um ataque de nervos. Depois de descobrir que seu amante é um dos terroristas xiitas procurados, ela tem medo de ser presa se a polícia descobrir seu envolvimento não intencional. Ela está em pânico, a ponto de tentar se matar pulando do terraço de Pepa. ‘Sua amiga está pulando’, avisa Marisa, de Rossy de Palma.


Há mais um personagem masculino no filme que merece uma menção especial, o taxista. Ele parece ser um alterego do próprio Almodóvar. Até sua aparência lembra o antigo Almodóvar. Esse cara equipou seu táxi com tudo que uma mulher pode precisar. Ele tem todos os tipos de música (embora prefira mambo porque combina melhor com o interior estampado de pantera), ele tem lenços de papel, revistas, muitas coisas diferentes que uma mulher pode pedir e se não tiver, providenciará.


Há grandes frases almodovarianas no filme, algumas ditas pela boca de Loles León, como a secretária do estúdio, mas as mais marcantes proferidas por Pepa: “Aprender mecânica é mais fácil do que aprender psicologia masculina. Você pode entender uma motocicleta, mas jamais pode entender um homem.” 


Almodóvar compreende o poder sexual inerente a um par de saltos altos, e Pepa não ficaria descalça na guerra entre os sexos. Ela pode estar hesitante, mas tem o bom senso de ir vestida para matar. Maura é uma comediante de olhos penetrantes e uma atriz ferozmente impassível que junto a direção atrevida, alguns planos ousados, dá o tom perfeito do filme 


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