Certamente há influência do clássico 8½(1963), de Federico Fellini, em Down in Paris, de Antony Hickling, especialmente nas partes surreais do filme, quando realidade e ilusão colidem para dar lugar a um deslumbrante efeito humano.
Richard, interpretado pelo próprio cineasta, é um diretor de cinema de meia-idade vagando pela cidade luz em busca de inspiração e enfrentando seus demônios de frente. O cenário é Paris, uma cidade onde o cinema é celebrado em toda a sua glória.
Em uma noite parisiense enluarada e iluminada pelos postes, Richard encontra pessoas – alguns estranhos e alguns conhecidos, com uma miríade de opiniões e visão de mundo. Ele sente uma estranha conexão com cada um deles enquanto eles compartilham seus pensamentos mais íntimos e distribuem conselhos de vida.
A travessia parisiense é pontuada por encontros casuais, conversas mais ou menos felizes, reencontros com ex-amigos ou namorados e incursões por guetos: tantas oportunidades de olhar para o passado quanto de traçar tentativas para o futuro.
O estilo experimental pretende ser propício a cenas imbuídas de visões sobrenaturais, próximas do fantástico. Na curva de uma igreja ou na sala de uma cartomante, o filme mergulha-nos numa atmosfera onírica, todas as visões passionais e instintivas desencadeadas, para melhor nos dar a ver as imagens desordenadas que povoam a alma humana.
Há sempre um semblante calmo no rosto de Richard, apesar do caos emocional e criativo que domina sua vida. Ao apresentar o protagonista como um cineasta nascido na Inglaterra que trabalha na França e é espiritualmente ambíguo, o diretor Antony Hickling torna-se o mais autobiográfico possível. O filme funciona como um conto pessoal de superação de bloqueios emocionais e criativos e também como um comentário sobre a precariedade da crise de originalidade.
Coescrito por Pierre Guiho, o roteiro arranja sutilmente essa errância no meio da noite urbana oscilando entre o realismo e o fantástico. As emoções de Richard também são transpostas para a música que acompanha sua caminhada no coração de Paris e permite fugas para além de si mesmo.
Esta busca na forma de uma passeio noturno é então uma busca de amor, alteridade e luz, que parece tão mais crucial quanto o anoitecer revela a fragilidade da vida, enquanto renova a promessa do amanhecer.
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