sábado, 4 de dezembro de 2021

Memoria(Colômbia/Tailândia, 2021)



O cineasta tailandês Apichatpong Weerasethakul pode realmente convencer você de que os vivos e os mortos, o passado e o presente, o terrestre e o além existem lado a lado. Memoria é um filme lindo e misterioso, um cinema lento que desacelera os batimentos cardíacos.


O fascínio permanente do diretor por sonhos, natureza, tempo, solidão e, claro, memória flui como líquido por meio desse enigma lírico, que mantém sua pureza estética característica de longas tomadas estáticas, ritmo meditativo e intimidade  Estrelando Tilda Swinton como uma estrangeira na Colômbia que fica obcecada em rastrear um som que invade seu sono, esta é uma experiência sensorial que se desdobra além da narrativa, muitas vezes em espaços vazios e solenidade silenciosa.


Este é o primeiro filme que Weerasethakul faz fora da Tailândia, logo o primeiro falado em inglês e também em espanhol. Tilda Swinton interpreta Jessica, uma escocesa que mora em Medellín e dirige uma empresa de jardinagem: ela está em Bogotá visitando sua irmã Karen (Agnes Brekke) e seu marido, Juan (Daniel Giménez Cach), porque Karen está hospitalizada com uma misteriosa doença respiratória.


Uma noite, Jessica é acordada por um estranho estrondo.  O que está acontecendo? Não há obras de construção nas proximidades. E, aparentemente, apenas Jessica pode ouvir esse som.


Ela sai para jantar em um restaurante com Karen e Juan e ouve o som novamente, tão claro quanto tiros, mas percebe que ninguém mais está ciente deles, então ela só tem que continuar falando. Os sons parecem ser pressentimentos ou sintomas de alguma mudança profunda no mundo, e ela foi apontada como a única pessoa ciente deles - uma estranha anunciação. 



A perambulação do roteirista-diretor pelas cidades, serras e selvas da Colômbia não condiz com a especificidade cultural que dá a seus filmes tailandeses tal poder hipnótico e talvez permaneça ainda mais imune a interpretações rígidas. Mas à medida que passa por você, Memoria escava a história sangrenta de violência do país, os medos de seu povo e o trauma topográfico de terremotos e deslizamentos de terra que tornam a própria terra um recipiente para a memória.


Jessica visita o aluno de um amigo em um estúdio de gravação: Hernán (Juan Pablo Urrego) e pergunta se ele pode recriar o ruído digitalmente, o que ele faz e depois toca para ela a música em que está trabalhando. Eles parecem estar à beira de algum tipo de relacionamento romântico, quando ela chega ao estúdio e é informada por engenheiros perplexos que tal pessoa com aquele nome jamais trabalhou lá.


Mais tarde, porém, ela encontrará um homem mais velho, também chamado Hernán (Elkin Diaz), que pode ser seu espírito reencarnado. Enquanto ela fala com Hernán, memórias recuperadas surgem em sua consciência, como se sintonizando uma frequência de rádio há muito perdida. Mas são suas memórias?


Ela tem um encontro esclarecedor com Agnes (Jeanne Balibar), uma arqueóloga que estuda restos humanos antigos desenterrados durante a construção de um túnel. O crânio de uma jovem tem um orifício que Agnes explica que provavelmente foi perfurado para liberar os maus espíritos, em certo sentido o que Jessica está tentando fazer ao procurar o ruído que desencadeou sua insônia. Ela viaja para fora da cidade, passando por postos de controle militares à beira da estrada para visitar Agnes no local da escavação, ainda em busca de respostas em seu espanhol arranhado.


Ganhador do Prêmio do Júri, no Festival de Cannes, Memoria é uma experiência fora do corpo que você deve construir, passo a passo. Conhecedores do diretor e de obras como Mal dos Trópicos(2004) saberão amplamente o que esperar. Mas ele ainda é capaz de surpreender e sair de sua zona de conforto.





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