Depois de não apenas dois clientes rudes, capitaneados por Camila Morgado, se perderem em La Barca pouco antes do horário de fechamento e quererem ser tratados com o melhor vinho e uma delícia culinária extraordinária, também dois jovens tentarem esvaziar a caixa registradora a mão armada, Inácio saca uma pistola e, sem cerimônia, atira no peito de um dos ladrões.
A situação se agrava, mas o tiro foi apenas o começo e O Animal Cordial progride passo a passo na natureza sombria do homem, que foi trancado atrás das conchas domesticadas da civilização. Inácio une forças com Sara, assumindo o controle aparente da situação, enquanto os demais são intimidados, ameaçados e imobilizados.
A diretora Gabriela Amaral Almeida fala sobre o poder e suas formas divergentes. O homossexual, interpretado pelo magistral Irandhir Santos, é oprimido, ele sofre assédio moral, mas possui um ímpeto, que apesar de toda a carnificina caracteriza a esperança no filme. Ele é o Chef.
Inácio, que vê seu orgulho masculino ferido por não conseguir ser criativo para iniciar o sucesso pessoal sozinho, finalmente tem a oportunidade de tornar as pessoas dóceis com a arma na mão. Sara, que é oprimida e explorada, até por ser mulher, se apega a Inácio para, aos poucos, criar uma plataforma para si mesma que lhe dê influência, respeito e força.
O retorno aos instintos primordiais, ao original e ao reprimido, cristaliza uma lei do selvagem na demarcação local da cozinha, cativeiro e depósito, que representa o microcosmo de um Brasil atual, na qual Inácio sucumbe impiedosamente a seus criados no decorrer da história.
O Animal Cordial não é apenas um jogo de poder de gênero, mas também uma reflexão crua e sugestivamente organizada de realidades sociais, em que a luta de classes flui tanto quanto os conflitos sexistas. O que une todos os personagens é a sua carne.
Destaque para a conceituada diretora de fotografia uruguaio-argentina Bárbara Álvarez, cujo filme mais famoso entre sua impressionante filmografia talvez seja o uruguaio Whisky(2004). Ela não se coíbe de usar espelhos como metáfora para aumentar a consciência de personalidades duplicadas. Ela também usa o espaço de forma quase teatral para demarcar diferentes zonas da política interpessoal, seja entre estranhos ou colegas de trabalho.
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