sábado, 21 de agosto de 2021

Canário(Kanarie, África do Sul, 2018)



Em Canário, dirigido por Christiaan Olwagen, temos um vislumbre do mundo de meninos  à medida que eles se tornam homens, lutando tanto com o mundo externo quanto com o interno, moldados pelas táticas de sobrevivência.

O longa, escrito por Olwagen e Charl-Johan Lingenfelder, acompanha o reservado Johan Niemand(Schalk Bezuidenhout), convocado para um treinamento militar de dois anos durante a última década do apartheid sul-africano. Para evitar a linha de frente da guerra, Johan se inscreve e é escolhido para ingressar no grupo de Coro e Concerto das Forças de Defesa da África do Sul: os “Canários”. No conjunto, o protagonista conhece novos amigos Ludolf Otterman (Germandt Geldenhuys) e Wolfgang Müller (Hannes Otto).

Seu novo lar com o coro e com os militares torna-se uma espécie de faca de dois gumes: quanto mais próximo ele se torna de sua unidade e amigos, e quanto mais ele se sente confortável consigo mesmo, maior sua pressão interna e confusão aumentam. Quando Johan e Wolfgang começam um relacionamento íntimo e romântico, o personagem deve escolher se fechar para sempre ou enfrentar seu maior inimigo: ele mesmo.


Os compatriotas de Johan, Ludolf e Wolfgang, também são homossexuais. Enquanto o primeiro caminha pela vida com confiança extravagante, o último simplesmente ri e Johan constrói barreiras entre ele e outras pessoas. Se ele não consegue se conectar, ele não pode se machucar; se ele não pode sentir, ele não pode sofrer.


Protegendo-se do mundo exterior, Johan encontra conforto em Culture Club, Kate Bush, Grace Jones, Bronski Beat e na música e moda fluida de meados dos anos 1980. Em fantásticos interlúdios musicais, o protagonista se imagina como Boy George, livre para usar maquiagem e vestidos e ser um farol para os meninos que lutam para sobreviver em um mundo que quer que eles sejam qualquer um, menos eles próprios.

Johan encontrou a música como uma forma inicial de se proteger de insultos e abusos de seus colegas. E com os "Canários", a melodia prova ser mais uma ferramenta para se proteger da guerra, mas também se torna a própria coisa que o conecta à sua unidade e especialmente a Wolfgang.

Enquanto mais Johan se move da linha de frente de sua luta interna, mais ele exterioriza a dor que deve enfrentar para encontrar uma solução. Johan expressa flashes de emoções profundas: tristeza, raiva, brutalidade e amor. O uso da música é essencial porque destaca a coordenação entre esta faceta distinta do armário e a própria jornada de Johan. O hino Do You Really want hurt me, do Culture Club, define perfeitamente o protagonista;


Johan enfrenta o legado da religião e da guerra em um país dilacerado pela supremacia branca, por um país fazendo tudo o que pode para silenciar e encobrir os horrores de seu passado e presente. A certa altura, o líder do coro, o reverendo Engelbrecht (Jacques Bessenger), diz aos meninos para "lembrar dessa raiva, para que ela não se transforme em nostalgia". O filme evita a nostalgia o tempo todo e visa apaziguar as massas e solidificar as histórias e estruturas que permitem que o ódio perdure. 


Johan, como todos nós, é moldado pelo mundo que o rodeia, sejam palavras ou lugares. No entanto, também destaca o fato de que ele é inteiramente de onde ele vem, como ele vê esse lugar e como os outros o veem. Dentro dele estão Boy George, sinos de bicicleta, sua família, seus amigos, seu dever para com Deus e com a pátria, seus desejos, suas habilidades e, principalmente, as palavras das pessoas que o cercam, para o bem ou para o mal. São essas partes de Johan que unem o próprio filme em estilo e substância e refletem a vida interna de seu personagem central de forma tão ressonante e bonita. E faz isso porque busca ver Johan por inteiro.

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