“Escandalizar é um direito, ficar escandalizado é um prazer” divaga Pier Paolo Pasolini(Willem Dafoe) durante uma entrevista, no início do longa de Abel Ferrara, durante uma projeção do escandaloso e recém concluído Saló: Os 120 Dias de Sodoma(1975).
Pasolini era um intelectual e artista público italiano. Sempre controverso, realizou uma filmografia onde exaltava a liberdade sexual e também rompia padrões. Foi romancista, ensaísta e filósofo, além de escritor e gênio cinematográfico.
Mas ele também era conhecido pela maneira como vivia e pela maneira como articulava suas visões sobre a sociedade italiana, ocidental e global. Ele era comunista, ateu e um crítico ferrenho do governo autoritário, do capitalismo e da interseção dos dois. Ele também viveu uma vida relativamente aberta como um homem gay, o que era raro naquela época e lugar.
Como uma carta de amor de um ícone para o outro do cinema, o longa acompanha o último dia de Pasolini, onde ele passeia por uma opulente Roma, concede entrevistas, interage com membros da sua família e trabalha na história de Epifanio, interpretado por Ninetto Davoli, ator de diversos filmes do diretor e um de seus amantes. Essa história dentro da história, de um homem que vai atrás de um cometa, traz belos momentos e dá ao filme um toque de realismo fantástico, grande marco no cinema italiano.
Vemos Pasolini desenhando storyboards, digitando em uma máquina de escrever e jantando com sua mãe Susanna (Adriana Asti) e sua amiga Laura Betti (Maria de Medeiros), que interpretava a criada Emília em Teorema(1968). Há duas cenas de Pasolini dirigindo seu Alfa Romeo tarde da noite, fazendo uma caçada por michês, em um prelúdio de sua morte.
Pasolini é um exemplo vívido de como passar um tempo na mesma sala com, e às vezes dentro da mente de, outra pessoa - praticamente meditando sobre ela, ou sobre a ideia dela, e depois tirar o máximo proveito da abordagem de tudo o que o filme oferece.
Por ser uma biografia diferente, ambientada num único dia e trazer uma visão poética de Abel Ferrara sobre o gênio italiano, o filme causou certa estranheza, também pelo fato de ser falado em inglês. Mas a verdade é que o longa é uma riquíssima e metafórica homenagem sobre o homem e sua arte.
Na poderosa voz de Maria Callas, com quem trabalhou em Medea(1969), o ato final do filme é tão difícil de assistir quanto um de seus filmes mais perturbadores. Ele morreu aos 53 anos, em 1975, quando foi espancado até a morte e atropelado em uma praia, vítima de homofobia.
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