“Corações Jovens”, de Anthony Schatteman, é um filme sobre o instante em que o amor deixa de ser abstração e se torna experiência. Elias (Lou Goossens), aos 14 anos, conhece Alexander (Marius De Saeger) e descobre, entre o medo e o deslumbramento, o que significa sentir algo pela primeira vez. A narrativa segue o ritmo interior desse despertar, onde cada gesto e cada silêncio parecem carregar mais peso do que as palavras. Schatteman constrói um retrato comovente da adolescência queer, em que a descoberta da sexualidade surge com delicadeza e sem o filtro do escândalo, como parte natural do crescimento.
A pequena cidade em que Elias vive funciona como um microcosmo da vigilância social. Lá, todos se conhecem, e qualquer olhar se transforma em rumor. O filme utiliza esse cenário para refletir o peso das normas e a forma como o medo de ser visto molda os gestos mais íntimos. Elias tenta se ajustar à expectativa dos outros, enquanto a presença luminosa de Alexander expõe o contraste entre o desejo de pertencer e o desejo de ser livre. Nesse espaço entre o silêncio e a expressão, Schatteman encontra a essência do amadurecimento queer: o corpo que aprende a existir sob o olhar alheio, mas também a reivindicar o próprio direito de sentir.
A direção aposta nos olhares como linguagem principal. As emoções de Elias são transmitidas por planos fechados, respirações curtas, pausas que sugerem o que ainda não pode ser dito. Esse jogo de comunicação muda transforma o silêncio em um território fértil, onde o amor se constrói na hesitação. O título “Corações Jovens” também dialoga com a natureza que o cerca, marcada por flores, vento e luz difusa, símbolos da juventude como tempo de descoberta e vulnerabilidade. Schatteman filma esse florescer como quem observa algo sagrado, mas frágil, uma beleza que existe justamente porque pode se desfazer a qualquer momento.
Há ainda uma camada de conflito que se desenha dentro da casa de Elias. A tensão com o pai (Geert Van Rampelberg) espelha o embate interno do garoto entre o desejo e o medo, entre a culpa herdada e a autenticidade que tenta nascer. Esse vínculo paterno funciona como metáfora da repressão emocional, enquanto a mãe e o irmão aparecem como pontes frágeis para o acolhimento. O lar, que deveria ser espaço de proteção, torna-se o primeiro campo de ensaio da coragem de Elias em ser quem é.
O longa não procura a tragédia nem a revelação dramática. Em vez disso, aposta na ternura como forma de resistência. Anthony Schatteman filma a juventude com honestidade e sem idealizações, transformando a vulnerabilidade em potência e o cotidiano em espaço de descoberta. A beleza do filme está em aceitar que o amor, especialmente o primeiro, é sempre uma aprendizagem sobre o outro e sobre si mesmo, mesmo quando o mundo ainda não aprendeu a nomeá-lo.
“Corações Jovens” deixa o público diante daquilo que talvez nunca tenha sido dito em voz alta: o amor entre dois meninos pode ser simples, bonito e universal. É um filme que convida a lembrar de quando tudo parecia possível, de quando amar pela primeira vez era um gesto de fé no futuro. E talvez seja isso o mais precioso aqui, o cinema se tornando abrigo para quem ainda aprende a existir com o coração aberto.
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